Manaus: Um caos anunciado
Segunda-feira,
18 de janeiro
Dizem
que um raio não cai duas vezes. Mentira. Fake news. Caí, sim. É o que estamos
vendo acontecer em Manaus, Amazonas. O raio da catástrofe caiu duas vezes no
mesmo lugar. Uma faísca terrível e desesperadora.
No
ano passado, o país viu a capital amazonense com superlotação de hospitais e de
UTIS, e tendo que fazer covas coletivas para enterrar seus mortos por Covid-19.
Uma cena assustadora.
Dessa
vez foi ainda pior. Semana passada, o país viu cenas de filme de terror
acontecendo em Manaus. O oxigênio acabou e pacientes morreram asfixiados em
UTIS, ou mesmo em casa. Médicos tendo que decidir quais pacientes iriam salvar
ou deixar morrer. Não por crueldade deles, obviamente, mas sim, por que era uma
escolha necessária naquele momento, diante da gravidade da situação.
Agora,
imaginem como não deve estar o coração daquele profissional que fez a opção por
salvar vidas, e que prestou, solenemente, no ato de formatura, um juramento
prometendo salvá-las, tendo que decidir entre a vida e a morte de um paciente.
Porém,
todo esse filme de horror em Manaus — e quem dera fosse apenas um filme, uma
ficção — foi uma tragédia anunciada, da qual participaram diversos atores que
compõem. Dela participaram os governos de todas as esferas, e toda a sociedade
amazonense. Todos atuaram nos papéis principais. Não há atores coadjuvantes.
Vejamos
uma retrospectiva do que aconteceu para termos uma ideia mais clara do que foi
afirmado acima.
Quarta-feira,
23 de dezembro
Véspera
de Natal
Já
antevendo as aglomerações que estavam por vir em decorrência das festas de
Natal e Ano Novo, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), anunciou um
decreto com um endurecimento das medidas sanitárias para conter o avanço da
Covid-19, que aquela altura, já parecia sem controle no estado. Segundo esse
decreto, as medidas entrariam em vigor no sábado, dia 26, e durariam até o dia
10 de janeiro. As medidas previam o “fechamento” de serviços não
essenciais.
O
termo fechamento foi colocado entre parêntesis neste blog por que, de fato, não
era um fechamento dos serviços não essenciais, mas apenas um leve endurecimento
das medidas de distanciamento social, um falso lockdown, digamos.
E,
em entrevista coletiva, o próprio governador declarou que não pretendia fazer
um lockdown, mas apenas um “equilíbrio’ para que houvesse um funcionamento
mínimo da economia. “São decisões que nós não queríamos tomar, mas que são
necessárias”, disse ele na ocasião.
Por
exemplo: Pelo decreto, serviços não essenciais poderiam funcionar pelo sistema
de drive thur, até as 21hs. Feiras e mercados também funcionariam até
determinado horário. Hotéis continuariam abertos, mas os restaurantes destes
atenderiam apenas aos hóspedes. Serviços públicos estariam suspensos. Os
serviços de transportes intermunicipais estariam mantidos, mas poderiam
funcionar com capacidade reduzida.
Estas
foram algumas medidas do decreto assinado pelo governador. Um erro: deveria ter
sido decretado um lockdonw de verdade, com medidas rígidas, e não apenas um
paliativo.
Ainda
durante o anúncio do decreto o governador fez uma leve crítica à administração
municipal, dizendo que não estava havendo empenho, por parte dela, no apoio às
medidas por ele decretadas. “Nós tivemos um grande problema aqui na por conta
da ausência da prefeitura. Todas as capitais brasileiras assumiram suas
responsabilidades de estabelecerem medidas restritivas e recomendações, ao
contrário da Prefeitura de Manaus, que não fez uma ação efetiva sequer”, disse
ele.
Sábado, 26 de dezembro
Centro
de Manaus
Revoltados
com as medidas, leves, diga-se de passagem, adotadas pelo governador, uma
multidão se reuniu no centro da capital amazonense em protesto contra o decreto
estadual que estabelecia o “fechamento” do comércio não essencial por quinze
dias.
Às
nove horas da manhã a multidão tomava a avenida Eduardo Ribeiro, uma das
principais ruas do centro comercial de Manaus. Diversas ruas precisaram ser
bloqueadas por causa do protesto.
A
multidão, revoltada contra uma medida que visava frear os casos de Covid-19 no
estado, cantava o hino nacional, gritava palavras de ordem, enquanto caminhava
pela avenida.
“Os
lojistas passam o ano todinho se preparando pra dezembro, pra você fechar agora
governador. Isso não existe. Você tem o que comer, mas muita gente não tem o
que comer”, gritava um lojista.
Outros
seguravam cartazes com os dizeres: “Precisamos trabalhar”.
Enfim,
esse foi o tom do protesto. A multidão enlouquecida e furiosa dava ouvidos a
políticos e empresários irresponsáveis, e parecia totalmente esquecida de que,
entre abril e maio, o estado vivia o pior período da pandemia, quando o sistema
público de saúde entrava em colapso, com quase 100% dos leitos de UTI ocupados.
Todo esse caos provocou também uma crise no sistema funerário. Centenas de
corpos precisaram ser enterrados em vala comum.
Um
desses políticos irresponsáveis que incentivou o povo de Manaus foi o deputado
federal, Eduardo Bolsonaro. “Búzios e agora Manaus. Todo poder emana do povo”,
escreveu o deputado em post no Twiter.
27
de dezembro
Depois
dos protestos do dia anterior que provocou bloqueamento de ruas, que teve
barricada de fogo, muitos gritos de protesto, e muita, mas muita aglomeração, o
governador Wilson Lima cometeu o seu segundo erro: voltou atrás na adoção das
medidas que havia anunciado no dia 23. Autorizou a abertura do comércio, sem
restrições.
“Houve,
durante essas manifestações, aglomerações, havia muitos trabalhadores de fato,
havia também muitos oportunistas, ações de vandalismo, e isso acabou fazendo
com que a gente sentasse e construísse um caminho de entendimento pra que
houvesse esse equilíbrio entre a proteção da vida e o mínimo de funcionamento
das atividades econômicas”, disse ele na ocasião.
Os
manifestantes, em gesto de ameaça, também cercaram a casa do governador. Sobra
essa questão ele disse: “A minha preocupação era com a minha esposa e a minha
filha, que tem 5 meses, mas não chegaram a vir aqui na frente. Porém, é
lamentável que situações como essa estejam acontecendo. Você pode até não
concordar com uma decisão que é tomada pelo governo, que é tomada por uma
autoridade, mas vandalismo, incitação à violência, esse tipo de situação não é
permitida, e esse é um comportamento e uma atitude que a gente rechaça com
muita veemência”.
O
governador Wilson Lima deveria ter sido mais firme. Culpa também tem a
administração municipal que não deu apoio ao decreto do prefeito.
Culpa
do governo federal nem se fala. Desde o início sabemos que a linha adotada
pelos manifestantes é mesma linha de raciocínio adotada pelo presidente, desde
o início da pandemia: totalmente contrário às medidas de combate ao coronavírus indicadas pelas
autoridades em saúde, e postas em prática pelos governadores e prefeitos.
Lockdown para ele é coisa de gente de esquerda, e distanciamento social,
máscaras faciais de proteção, e álcool gel, coisa de maricas, de gente fraca.
Porém, para falar sobre a culpa do governo federal, eu trago aqui a fala da Dra. Deisy Ventura, especialista na relação entre pandemias e direito internacional. Deyse falou no sábado, 16, ao programa Revista CBN, na rádio CBN.
“Na
verdade, não existe omissão. Existe uma ação clara do governo federal para a
disseminação do vírus. Ele faz isso por meio de normas. Ele vetou normas. O
presidente da República vetou normas importantíssimas de combate à pandemia,
relativas ao uso de máscaras, relativas ao plano de combate à doença entre as
comunidades indígenas. Tentou fazer no início da pandemia uma medida provisória
que trazia pra ele, exclusivamente, a competência pra dispor sobre atividades
que seriam essenciais ou não. Além de tudo obstruiu o trabalho de diversos
governadores e prefeitos. Tentou requisitar insumos, declarou guerra aos
governadores no ano passado, enfim, faz propaganda contra a saúde pública de
uma forma ostensiva, mentindo que existe tratamento precoce contra a Covid-19,
tentando empurrar cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada pra
população e, mais recentemente, tentando desacreditar as vacinas, e,
particularmente, a vacina do Instituto Butantã, semeando a confusão,
informações falsas falando em jacaré, enfim, tudo isso que a gente sabe. Parece
incompetência, parece loucura..., mas não é, infelizmente, não é. Se agente for
estudar os atos normativos, os atos de instrução do governo federal e a
propaganda contra a saúde pública que é bastante sistemática, bastante
organizada…, a gente vê que é uma intensão.”
Depois
de o governador ter voltado atrás e revogado o decreto que endurecia as medidas
contra a Covid-19, deputados bolsonaristas comemoraram o fato. O ex-ministro da
cidadania e deputado federal, Osmar Terra (MDB-RS), escreveu em sua rede
social: “Embora noticiário alarmista, Manaus tem queda importante de óbitos
desde julho, mostrando a imunidade coletiva (de rebanho) em formação e se
manteve assim até o último dia do ano. As escolas reabriram em setembro e não
houve alteração da curva de óbitos como mostra o gráfico”.
A
deputada Bia Kicis (PSL-DF), também através de redes sociais, elogiou as
pessoas que protestaram contra as medidas do governador do Amazonas. “A pressão
do povo funcionou em Manaus. O governador voltou atrás em seu decreto de
lockdown. Parabéns, povo amazonense, vocês fizeram valer seu poder”, escreveu
ela.
Sobre
essas comemorações, Eduardo Bolsonaro também fez seu post comemorativo, e já
foi citado acima.
Nos
últimos dias, após a repercussão das notícias que chegavam de Manaus, a deputada,
Bia Kicis voltou as redes sociais para falar sobre o caos em Manaus, cidade com
UTIS superlotadas e com falta de oxigênio para oferecer aos pacientes.
“Apontando os verdadeiros responsáveis pelo caos e o drama dos doentes e
familiares em Manaus. Toda minha solidariedade aos que estão sofrendo e até
morrendo por falta de oxigênio. Corrupção mata!”.
Sim,
deputada, é verdade que corrupção mata, mas também é verdade que atitudes como
a da senhora e de diversos outros políticos bolsonaristas, que incentivam o
povo a descumprir medidas sanitárias, também mata. A irresponsabilidade de seu
comportamento, junto com a irresponsabilidade de seus companheiros
negacionistas, perante uma pandemia também já ajudou a matar milhares de
brasileiros, ao fazer com que eles ignorassem o perigo que representa uma
doença desconhecida e tão grave como a Covid-19.
Questionada
pela CNN sobre o assunto, mesmo depois de ver o número de casos de Covid-19
aumentar no país inteiro, a deputada ainda continua negando a eficácia do lockdown.
“O país da América do Sul que adotou por mais tempo o lockdown foi a Argentina,
no entanto não resolveu. Outro exemplo é a Alemanha. Em todos os países que
medidas de restrição (lockdown) foram aplicadas, não houve qualquer redução do
COVID-19. Vidas são salvas com tratamento e sem desvios de recursos que
deveriam ir para hospitais e compra de equipamentos. Muitas pessoas estão
morrendo por falta de oxigênio. A deputada foi a parlamentar do DF que mais
destinou verbas para a saúde conforme matéria pública pelo Correio
Braziliense”, disse ela.
No
caso de Manaus, errou o prefeito que não apoiou as medidas. Errou o governador
que não teve pulso firme para manter o endurecimento das medidas sanitárias.
Erraram os empresários e políticos bolsonaristas que incentivaram a população a
irem às ruas protestar. Errou a população que atendeu a esse chamado, mesmo já
tendo vivido momentos de horror provocados pelo coronavirus no ano passado.
No
país como um todo, os casos de coronavírus tem aumentando bastante nos últimos
dias. E, da mesma forma que em Manaus os governos de vários níveis tem culpa
nisso tudo, e, principalmente, grande parcela da população que resolveu
desafiar o coronavírus.
Hoje,
temos 209.868 óbitos por causa da Covid-19, e 8.483.105 casos confirmados da
doença. Onze estados tem alta no número de mortes pelo coronavírus. As festas e
aglomerações do fim de ano, mesmo em meio à pandemia, agora vem cobrar seu
preço. Enquanto isso, ainda continuamos vendo comportamentos irresponsáveis se
repetirem por aì, muitas vezes, por parte de pessoas que deveriam dar o
exemplo.
Uma
boa notícia é que, neste domingo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) aprovou dois pedidos emergenciais : as vacinas Coronavac e a produzida
pela Universidade de Oxford.
A primeira brasileira a ser vacinada foi a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos. A vacinação ocorreu no domingo dia 17, logo em seguida aprovação das vacinas pela Anvisa. No momento, o Brasil só dispõe da Coronavac para se aplicada nos seus cidadãos. Logo a Coronavac, tão criticada pelo presidente Jair Bolsonaro, e seus seguidores.
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