Deu a louca no presidente
Quarta-feira, 11 de novembro
Joe Biden é o novo presidente dos Estados Unidos.
Isso
não é novidade para mais ninguém. Em todos os lugares do planeta, das grandes
cidades aos pequenos povoados. Onde quer que tenha uma televisão moderna ou
rádio de pilha, a notícia correu o mundo como fogo em pólvora.
Foi
realmente uma eleição eletrizante. Teria sido um show, não fosse dois fatores:
o funcionamento do arcaico sistema eleitoral norte-americano, e o comportamento
do atual presidente e candidato à reeleição, Donald Trump.
Até
agora, o republicano se recusa a admitir o resultado das eleições, e se recusa
a ver que Joe Biden venceu a disputa. Sem contar as manobras que fez durante a
apuração dos votos na tentativa de atrapalhar o processo eleitoral e a contagem
dos votos, espalhando, inclusive, notícias falsas a esse respeito. Diz ele que
as eleições foram fraudadas, mas não apresenta provas do que diz.
Falta a Trump a humildade de reconhecer que assim são as disputas: Um ganha e outro perde. Mas é demais querer exigir que um limoeiro dê maças, não é?
Aqui
no Brasil, eis que, depois do anúncio de Biden como novo presidente dos Estados
Unidos, um silêncio absurdo se fez no Palácio do Planalto. Nenhuma palavra de
felicitações ao novo presidente americano. Manda a regra das boas maneiras, da
boa educação, e reza a cartilha da diplomacia, que os líderes das nações
felicitem o vencedor de uma eleição, não apenas nos Estados Unidos, mas em
qualquer lugar do globo.
Estava
na dúvida entre duas questões: Ou o presidente brasileiro está recolhido em seu
silêncio, tentando traçar novas rotas, novos planos na relação com os Estados
Unidos do presidente recém-eleito, ou está também do lado dos adeptos da teoria
da conspiração que viram fraudes nas eleições americanas, e acreditam que Trump
realmente foi eleito e fará um segundo mandato.
Mas,
enfim, vem o presidente, e, finalmente, abre a boca. Como sempre para falar
bobagens. Poderia usar aqui um termo bem mais vulgar, mas em respeito aos
leitores deste blog, não o farei. Pela fala do presidente, então, vi que ele
também acredita que o pleito americano foi fraudado e que a Justiça restituíra
a Trump o título de vencedor.
O
presidente, Jair Bolsonaro, nesta terça-feira, 10, estava em uma cerimônia, no
Palácio do Planalto, em Brasília, cujo tema principal era a retomada do turismo
nacional, nesta terça-feira, 10, quando pronunciou uma frase que soou como uma
ameaça aos Estados Unidos.
Antes
de avançarmos para mais esta “perola” de Bolsonaro, voltemos um pouco no tempo.
Vamos aos Estados Unidos, na noite de terça-feira, 29 de setembro. Lá está
sendo realizado o debate entre os candidatos à presidência daquele país: Donald
Trump e Joe Biden. A certa altura do debate, Biden cita a questão ambiental e
se refere ao Brasil. “Parem de destruir a
floresta. E, se vocês não pararem, irão enfrentar consequências econômicas
significativas”, numa clara alusão de que pode impor sanções econômicas ao
Brasil se o país não mudar o desastroso rumo de sua política ambiental.
Além
disso, Biden também criticou Trump por não fazer pressão sobre o governo
brasileiro em relação a essa questão. “Está
tudo desmoronando. As florestas no Brasil estão desmoronando, e muito mais gás
carbônico está sendo lançado lá que nos Estados Unidos”, disse ele.
Também
houve por parte do então candidato, a promessa de que poderia doar até US$ 20
bilhões, o equivalente a R$ 112,6 bilhões para ajudar no combate as queimadas
que devoram o país, especialmente à Amazônia. O candidato também disse que
retomará o Acordo de Paris, dentre outras coisas.
Na
época, Bolsonaro disse que a declaração de Biden tinha sido desastrosa. “A cobiça de alguns países sobre a Amazônia é
uma realidade. Contudo, a externação por alguém que disputa o comando de seu
país sinaliza claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua. Custo
entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os
Estados Unidos, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita
declaração”, disse ele.
Ontem
o magoado Bolsonaro com a derrota de seu ídolo, declarou: “Assistimos há pouco aí um grande candidato à chefia de Estado dizer
que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais
contra o Brasil. E como é que nós podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a
diplomacia não dá, não é, Ernesto? Porque quando acaba a saliva, tem que ter
pólvora, senão não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber
que tem”.
Notem
que o presidente se dirigiu, especificamente, a Ernesto Araújo, Ministro das
Relações Exteriores, que como quase todos os ministros desse governo, não se
norteia pelas relações diplomáticas — como faz um ministro das Relações
Exteriores de qualquer país sério — mas sim, por princípios ideológicos.
Em
segundo lugar, a forma como se dirige ao Joe Biden. É primeira vez que
Bolsonaro fala em público sobre ele. E, alinhando-se a Donald Trump, não chama
Biden de presidente, mas “um grande
candidato à chefia de Estado”. Acho que ele e a equipe dele ainda não leram
os jornais, nem assistiram aos noticiários.
Em
terceiro lugar, Bolsonaro diz que “apenas
a diplomacia não dá, não é Ernesto? Porque quando acaba a saliva, tem que ter
pólvora, senão não funciona”. O que o presidente quis dizer com isso? Uma
ameaça de guerra aos Estados Unidos?
O
ridículo desta situação ilustra bem o despreparo em que se encontra metida as
nossas Relações Exteriores. Como também mostra o despreparo do governo nos mais
variados setores. Temos um comandante em chefe e seus súditos que apenas se
preocupam com questões ideológicas obsoletas e antiquadas, coisas dos tempos da
guerra fria, e esquece do governo para o Brasil de hoje, e para o povo do
Brasil de hoje, com todos os seus problemas e necessidades.
Depois
da fala de Bolsonaro, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman,
assim, como não quer nada e querendo, postou nas redes sociais dele uma
homenagem ao aniversário do corpo de fuzileiros navais norte-americano. No
vídeo, o embaixador exalta o poder bélico dos Estados Unidos, e mostra a
presença dos fuzileiros americanos em várias partes do mundo. Isso me lembrou
aquele velho e sábio ditado: “Para bom entendedor, meia palavra basta”. Todd
Chapman não citou a fala de Bolsonaro no vídeo, nem fez referência a ela, mas
nem precisava, não é mesmo?
O
presidente já é intempestivo e inconsequente por si mesmo. Faz parte da
personalidade dele ser assim. Porém, dessa vez parece que deu a louca nele e o
presidente bateu o recorde de asneiras e inconsequências ditas e feitas em um
período de 24 horas.
No
mesmo discurso em que ameaça os Estados Unidos, Bolsonaro, também, mais uma
vez, pela milésima vez, minimiza a pandemia. Isso em um momento em que o país
passa de 162 mil mortos pela doença, e mais de 50 milhões de casos confirmados.
“Não adianta fugir disso, fugir da realidade.
Tem que deixar de ser um país de maricas. Olha que prato cheio para a imprensa.
Prato cheio para a urubuzada que está ali atrás. Temos que enfrentar de peito
aberto, lutar. Que geração é essa nossa?”, disse ele.
Disse
também em relação ao mesmo assunto: “Acaba
o auxílio emergencial em dezembro. Como ficam esses quase 40 milhões de
invisíveis? Perderam tudo agora. O catador de latinha não tinha latinha para
catar na rua, não tinha como vender biscoito Globo na praia, não tinha como
vender um mate no estádio de futebol. Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com
esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento, mas todos nós vamos morrer um
dia. Aqui, todo mundo vai morrer”.
Que
todo mundo vai morrer um dia, isso é certo, mas não precisa ser amanhã, nem
precisa ser devido a Covid-19. E se houvesse uma ação governamental eficaz,
vontade de resolver o problema, em nosso país o coronavírus não teria feito
tantas vítimas e provocado tanta dor e sofrimento.
Mas
esses posicionamentos do presidente já são conhecidos pelos brasileiros. São
inaceitáveis essas declarações, mas nos acostumamos a elas. Nos são impostas
por uma mente imprudente e ditas por uma boca leviana.
Deixei
por último, a primeira das tolices do presidente, e talvez, a mais cruel feita
nesse período de 24 horas.
Era
começo da terça-feira, 10, e a pergunta de algum internauta provocou o
presidente. “Bolsonaro, se a ciência
disser que o CoronaVac é segura e vai imunizar a população, o Brasil também vai
comprar e produzir a vacina?”, perguntou o internauta.
Ao
que o presidente respondeu: “Morte,
invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria quer obrigar a todos os
paulistanos tomá-la. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser
obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
Em
um mundo no qual a coisa pela qual mais se anseia é por uma vacina, venha ela
de onde vier, seja fabricada por qual laboratório for fabricada, que consiga
curar essa doença que assola o mundo inteiro, o comentário do presidente,
causou, imediatamente, uma enxurrada de indignação. Algo poderia ser pior?
Pergunta você. Poderia ser pior, sim. Como pano de fundo de tudo isso havia a
suspeita do uso político da Anvisa em relação a suspensão dos estudos sobre a
vacina chinesa Coronavac.
Na
noite da segunda-feira, 09, às 21h25min, no site da Anvisa havia sido publicado
um comunicado informando que, devido a ocorrência de um evento grave ocorrido
no dia 29 de outubro, a agência estava determinando a suspensão do estudo
clinico da Coronavac, e que a suspensão se dava para que pudessem ser avaliadas
os riscos e benefícios da continuidade do estudo, e ainda que esse tipo de
ocorrência era previsto pelas normas da agência e fazia parte das boas práticas
da clínica.
O
fato era que a Anvisa havia recebido a informação de quem um dos participantes
do estudo havia morrido. A gente que é leigo fica se perguntando como é que uma
agência respeitada como a Anvisa recebe uma informação tão grave e não faz uma
checagem dos fatos, e toma uma decisão na base do ouvir dizer, suspendendo um
estudo tão importante e de interesse não só do Brasil, mas de todo o mundo.
Após
o comunicado da Anvisa, o diretor do Instituto Butantã, Dimas Covas, em
entrevista a um programa jornalístico da TV Cultura, desmentiu a Anvisa. “A Anvisa foi notificada de um óbito, não de
um efeito adverso. Isso é um pouco diferente. Nós até estranhamos um pouco essa
decisão da Anvisa, porque é um óbito não relacionado à vacina. Como são mais de
dez mil voluntários neste momento, pode acontecer um óbito; o sujeito pode
sofrer um acidente de trânsito e morrer. Ou seja, um óbito não relacionado à
vacina. É o caso aqui: ocorreu um óbito que não tem relação com a vacina.
Portanto, não existe nenhum ‘momento’ para interrupção do estudo clínico. Essas
questões que foram colocadas agora pela Anvisa, não foram solicitados ainda
esclarecimentos, nós estamos solicitando. Eu estou solicitando agora, em
público, para que amanhã, na primeira hora, sejam fornecidos esses dados,
porque, na verdade, este óbito não tem relação com a vacina”, disse ele.
As
coisas estavam agitadas naquelas 24 horas, pois na manhã seguinte, 10,
pesquisadores da Anvisa e do Butantã se reuniram em uma videoconferência que
durou 1h20 minutos. Após ela, uma entrevista coletiva foi marcada para a tarde
daquele dia.
Na
verdade o motivo da morte do participante brasileiro dos testes da vacina do
Coronavac havia sido suicídio. Tudo esclarecido, e após todo esse imbróglio, a
Anvisa determinou a continuação dos estudos.
Na
entrevista coletiva, Dimas Covas, presidente do Instituto Butantã, falou: “É uma notícia que causa surpresa,
insegurança e, no nosso caso, causa até indignação. Suspenderam estudo,
causaram medo nas pessoas, fomentaram ambiente que já não é muito propício ao
fato de essa vacina ser feita em associação com a China. Fomentar isso a troco
de quê? Não seria mais justo ligar e falar que reunião estava marcada para
esclarecer isso? Não seria mais justo, ético e compreensível”.
Bolsonaro
chegou a comemorar um suposto fracasso dos estudos envolvendo a vacina chinesa
Coronavac. Isso, muito provavelmente, se deva ao fato de que o governador de
São Paulo, João Dória anunciar, na segunda, 9, que as primeiras 120 mil doses
da vacina chinesa deverão chegar ao estado de São Paulo em 20 de novembro.
Ainda segundo ele, até dia 30 de dezembro deverão chegar ao estado um total de
6 milhões de doses da vacina contra o novo coronavírus.
A
vacina chinesa chegou a fase três dos testes, a última fase que pode comprovar
sua eficácia. De qualquer modo, essas doses da vacina — que já chegam prontas
ao Brasil — dependem da aprovação da Anvisa.
Em
junho o Instituto Butantã e o laboratório chinês Sinovac Biotech firmaram uma
parceria para a produção da vacina contra o coronavírus. O anúncio da produção
da vacina no Brasil foi feita pelo governador João Dória, no dia 11 de junho.
A
vacina é produzida com fragmentos de vírus mortos, ou que tenham baixa
atividade. Quando a dose é aplicada no ser humano, o sistema imunológico passa
a produzir anticorpos contra o agente causador do coronavírus. “Um coronavírus é introduzido em uma célula
do tipo Vero. Essa célula é cultivada em laboratório. O vírus se multiplica. No
final, o vírus é inativado e incorporado na vacina, que será aplicado na
população”, disse o diretor de Instituto Butantã na ocasião.
Penso
que, de todas as falas que Bolsonaro fez contra a ciência, e portanto, a favor
do vírus, essa foi a mais cruel. O presidente já se pronunciou contra o
isolamento social, contra o uso da máscara, contra todas as medidas adotadas
pelos governadores para combater a doença, e também já, por diversas vezes,
minimizou o vírus.
Mas,
comemorar a morte de um participante dos testes de uma vacina e o fracasso dos
seus estudos clínicos que se propõe a combater uma pandemia é demais. É ir além
dos limites da insensatez. “Mais uma que
Jair Bolsonaro ganha”, disse o presidente a respeito da suspensão dos
estudos clinícos.
“Nenhum presidente de um país que tem 162 mil
mortos pode falar: Mais uma que Jair Bolsonaro ganha. Ele simplesmente não pode
falar. Ninguém ganha. 162 mil brasileiros perderam a vida. Ninguém ganhou. Nós
só perdemos como país”, disse a jornalista Miriam Leitão, em seu seu comentário
para a rádio CBN, na terça-feira, 10.
Acho
que só a última frase de Jair Bolsonaro nesse discurso não é digna de ser
jogada no lixo. Na última frase ele diz: “Muito
obrigado a vocês”. Porque a penúltima frase também é triste de os
habitantes de qualquer nação ouvirem da boca de seu governante, triste e preocupante.
“Não estou preocupado com minha
biografia, se é que eu tenho biografia”, diz ele.
Ora, o que podem esperar os compatriotas do presidente de uma nação, quando ele diz uma coisa dessas, que não está preocupado com biografia, e consequentemente com reputação?
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