Andando que nem caranguejo
Quinta-feira, 22 de outubro
Dando uma volta pelos parques e praças das cidades a impressão que se tem é que muitos brasileiros acham que a pandemia acabou, e que o coronavírus já foi embora.
Ah,
como gostaríamos que isso fosse verdade, mas não é a realidade que os números
mostram. É verdade que parece estar havendo uma estabilidade em relação a
pandemia, porém ainda estamos longe de estarmos em uma situação
tranquilizadora.
Nesta
quarta-feira, 21, o país registrou 571 mortos pela doença em um período de 24
horas. Já são em número de 155.459 mortos pelo Covid-19, e 25.832 novos
infectados, que se juntam aos que já foram infectados totalizando o número de
5.300.649 brasileiros infectados pelo coronavírus.
Diante
dessa tragédia anunciada, a Covid-19 ainda continua sendo tratada em nosso país
como uma questão política do que uma questão humanitária por parte de certos
governantes.
Vejamos
porquê.
Na
terça-feira, 20, o governo federal, através do Ministério da Saúde, anunciou a
compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa CoronaVac, produzida pelo
Instituto Butantã, em parceria com a empresa chinesa, Sinovac. Para isso seriam
disponibilizados R$ 2,6 milhões até janeiro. O anuncio da compra da vacina foi
feita em uma reunião da qual participaram o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,
e 23 governadores, inclusive o governador de São Paulo, João Dória.
Segundo
o ministro, as doses seriam distribuídas em todo o país através do Programa
Nacional de Imunizações (PIN).
No
dia 30 de setembro, o governador de São Paulo, João Dória, já havia anunciado
que fechara um contrato com o laboratório chinês Sinovac para a compra da
vacina. No momento da assinatura do contrato estavam presentes, além do
governador paulista, o diretor do laboratório chinês Weining Meng. Dória chegou
até a fazer uma previsão bem otimista. Ele disse que a vacinação dos profissionais
de saúde deveria começar em 15 de dezembro.
“O início da vacinação, previsto até aqui
para começar no dia 15 de dezembro, em São Paulo, com os profissionais de
saúde: médicos, enfermeiros, paramédicos, aqueles que atuam em hospitais
públicos e privados e em todas as unidades de saúde, unidades públicas,
municipais, estaduais e do governo do estado de São Paulo”, disse o
governador.
Uma
vez que a vacina chinesa, como as demais vacinas contra o coronavírus ainda
estão em fase de testes, então se pode dizer que o João Dória, ou está muito
confiante, ou está em busca de ganhar alguns pontos entre seus eleitores. Como
todos sabem, Dória é inimigo político de Bolsonaro. E todos sabem também que o
presidente não costuma dar colher de chá para os seus opositores.
Tudo
planejado. Obviamente o presidente também sabia dessa intenção de compra da
vacina chinesa.
Entretanto,
seus aliados mais exaltados, os da ala radical, devem ter lhe soprado maus
conselhos aos ouvidos, e o presidente, nesta quarta-feira, 21, logo pela manhã,
foi as redes sociais, e falou: “A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina
antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente
pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será
cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”.
O
site do Ministério da Saúde mudou então o texto que havia publicado ontem. Nele
estava dito que o governo negociava a comprar de 46 milhões de doses da vacina
chinesa. No texto publicado nesta quarta, depois da declaração do presidente, o
texto do site afirma que o governo negocia possível aquisição das 46 milhões de
doses da vacina. Como diz o ditado; “Pra bom entendedor, meia palavra basta”.
Não
é a primeira vez que o presidente desautoriza um ministro, entretanto, para Pazuello,
essa foi a primeira vez a passar por esse constrangimento.
A
primeira indicação de que esta decisão do presidente está logo no início do seu
discurso na rede social, onde ele diz: “A vacina chinesa de João Doria”. Quem
inicia um discurso assim, atribuindo posse de algo a alguém que não lhe é
proprietário de fato, ou está lhe atribuindo uma calunia, ou fazendo-lhe uma
ironia. Como a primeira hipótese não cabe em nossas conjecturas, fiquemos então
com a segunda hipótese.
Outro
indício de que a atitude do presidente foi política está no fato de que o
governo já pagou por duas vacinas que, assim como a vacina chinesa, ainda estão
em fase de testes: as vacinas AstraZeneca, de Oxford, e a do Consórcio Facilty.
As duas vacinas receberam do governo federal R$ 4,4 bilhões.
Outra
obviedade dita pela presidente é quanto a certificação pela Anvisa. Ora, não
apenas a vacina chinesa, como as demais vacinas que estão sendo testadas, e
todos os demais medicamentos, precisam ser aprovados pela Anvisa. Sempre foi
assim, e assim continuará sendo.
O
fato é que a condução da pandemia por parte do governo federal tem tido esse
viés político desde o início, quando se voltou contra os governadores por estes
defenderem o isolamento social. Quando na verdade, a preocupação deveria ter
sido a de salvar vidas, como também deveria ser agora com a questão da vacina.
Também
é assim que pensa o governador do Espírito Santo, Renato Casa Grande, do PSB. “Neste
momento, é preciso salvar vidas e é preciso libertar os brasileiros do
coronavírus, e que a gente tem que estar juntos nesse trabalho. Questões
ideológicas, questões eleitorais, devem ser deixadas de lado para que a gente
possa caminhar na direção de salvar cada vez mais brasileiros do coronavírus”,
disse ele.
Além
do mais, há a questão do retrocesso. Não estamos mais no tempo da guerra fria,
onde se via um inimigo em cada esquina. É preciso superar essas paranoias para
que possamos seguir em frente, em direção ao progresso. Mas, ao que parece, o
atual governo não quer dar passos para diante, mas sim para trás. E quem anda
para trás é caranguejo no mangue, e todos sabem onde termina o caminhar do caranguejo:
na lama do mangue.
Este
texto não poderia ser finalizado sem antes informar que o ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, foi diagnosticado, nesta quarta-feira, 21, com Covid-19. O Ministério
da Saúde divulgou nota na qual afirma que o estado de saúde do ministro é
estável. Após o diagnóstico, o ministro resolveu se isolar da família. Por ser
general do Exército, ele foi para o hotel de trânsito dos oficiais, no Setor
Militar Urbano, em Brasília. Uma equipe médica está cuidando do ministro.
Conta-se
também que ele tinha ficado irritado com o presidente pelas críticas que ele
fez em relação a compra da vacina e a reunião com os governadores. Deve estar
sentindo na pele o que outros ministros já sentiram.
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