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Em busca do rumo certo

Posted by Cottidianos on 00:48
Terça-feira, 26 de março
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
(Timoneiro - Paulinho da Viola)





Se noticiário político fosse a cozinha de um restaurante teria ingredientes em abundância para preparar comida para um batalhão. Haja notícia.  É uma atrás da outra. Infelizmente, nenhuma que venha a trazer algum alento ou esperança, ou que tenha algum efeito, realmente positivo sobre a vida da população em geral.  A maioria delas picuinhas. Fato é que sem elas passaríamos muito melhor.
Por falar em batalhão, senhoras e senhores, preparem os fogos de artifícios, ponha as suas melhores roupas, encham suas mesas de deliciosas guloseimas e vinhos finos, afinal é preciso comemorar, brindar o golpe militar de 1964: um dos períodos mais tenebrosos de nossa história política. Muitos exilados, mortos, torturados, vozes silenciadas, democracia morta.  
Dia 31 de março próximo, o golpe que derrubou o presidente João Goulart, o popular Jango, completa 55 anos. Iniciava-se ali um regime ditatorial que duraria 21 anos. Anos esses que pareceram uma eternidade para quem viveu sob aqueles anos de chumbo. Quantos anseios por liberdade não foram suspirados nos corações... Quantas lágrimas derramadas no silêncio dos quartos... Quanto sangue jorrado nas prisões e nos porões...
A imprensa foi severamente censurada — talvez resulte daí a obsessão do presidente até hoje em ver a imprensa como inimiga — O Congresso Nacional foi fechado, e mandatos foram cassados. Lembremo-nos de que o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, também considera a imprensa como inimiga.
Mas o presidente, Jair Bolsonaro, viu e vê essa situação por outro ângulo. Para ele foi um período glorioso no qual o bem venceu o mal, e o militares foram heróis. É tanto que o presidente enviou ao Ministério da Defesa determinações para que os militares comemorem a data em grande estilo.
O nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, incluindo uma ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente”, afirmou o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rego de Barros, nesta segunda-feira (25), em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.
O presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar. Ele considera que a sociedade, reunida e percebendo o perigo que o país estava vivenciando naquele momento, juntou-se, civis e militares, e nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso país em um rumo que, salvo o melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém", acrescentou o porta-voz em outro trecho da coletiva.
Os generais devem ter dado pulos de alegria, pensam vocês. Estão enganados. Eles estão sendo bem mais sensatos em relação à questão do que o mandatário da nação. Os que integram o primeiro escalão do governo acham que não é o momento para tais arroubos. Afinal, eles têm sido testemunhas de tantos ruídos na comunicação que Bolsonaro e seu clã tem provocado, e de quanto incêndios eles já correram para apagar, e temem que este seja mais um.
Principalmente no clima de acirramento e de farpas trocadas entre o presidente da Câmara Rodrigo Maia e o presidente Jair Bolsonaro, tendo, mais uma vez, como pivô dos ataques os filhos do presidente, com anuência deste. E ainda mais quando se está em jogo a importante Reforma da Previdência, reforma essa na qual os militares acabaram levando a melhor sobre as demais categorias pelo projeto apresentado ao Congresso pelo presidente, em específico, para esta categoria.
Claro que os militares irão comemorar a data, afinal eles foram os protagonistas da cena, e agora que estão com a faca e o queijo na mão durante o governo Bolsonaro — esse é o governo que mais reuniu o maior número de militares em cargos do primeiro escalão desde o período da ditadura que foi de 1964 a 1985 —  o que eles não queriam era estardalhaço.
E o governo mais uma vez corre o risco de jogar correntes da sociedade brasileira umas contras outras, como já fez diversas vezes, apenas nesses primeiros meses de governo. Na verdade, o que estávamos precisando mesmo era de um governante que conseguisse reunir o país em torno de uma causa e de ideais em comum, e não de alguém que divida a nação ao meio. Isso é até compreensível em campanhas políticas, passada elas, é hora de reunir esforços e fazer o país caminhar para a frente, afinal, e usando frase do senso comum, “pra frente é que se anda”.
Por falar nisso, das duas uma: ou esses assessores de Bolsonaro são muito ruins na função que exercem, ou o presidente é muito cabeça dura. Alguém deveria ter falado para ele que, no Chile, no se louva o general e ex-ditador Augusto Pinochet. E Bolsonaro chegou lá fazendo justamente isso.
O ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, disse em entrevista a uma rádio gaúcha que foi “Triste, o sangue lavou as ruas do Chile, mas já passaram oito governos de esquerda e nenhum mexeu nas bases macroeconômicas colocadas no Chile no governo Pinochet”. O deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também em posições recentes tem se declarado a favor de Pinochet, dizendo que sem ele, o Chile teria se tornado uma nova Cuba.
No governo de Augusto Pinochet (1973 – 1990), o Chile viveu uma das ditaduras mais sangrentas, deixando mais de três mil mortos.
Revoltados com essas declarações, os presidentes do Senado e da Câmara do Chile, recusaram convite para participar de um almoço oferecido pelo presidente de centro-direita do Chile, Sebastián Piñera, ao presidente Jair Bolsonaro e comitiva, no palácio presidencial, La Moneda.
Ainda enquanto estava no Chile, não contente com a saia justa que criou com os parlamentares de lá, o presidente brasileiro ainda resolveu cutucar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O clima esteve quente e ainda não esfriou entre os dois.  
Farpas já haviam sido trocadas entre o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. O ministro queria urgência na tramitação do pacote que enviou à Câmara com propostas de combate à corrupção, ao crime organizado, e a crimes violentos.
Eu acho que ele conhece pouco a política. Eu sou presidente da Câmara, ele é ministro, funcionário do presidente Bolsonaro. O presidente Bolsonaro é que tem que dialogar comigo. Ele está confundindo as bolas. Ele não é presidente da República. Ele não foi eleito para isso. Está ficando uma situação ruim para ele, porque ele tá passando daquilo que é a responsabilidade dele” disse Rodrigo Maia.
O ministro Sérgio Moro rebateu: “A única expectativa que tenho, atendendo aos anseios da sociedade contra o crime, é que o projeto tramite regularmente e seja debatido e aprimorado pelo Congresso Nacional com a urgência que o caso requer. Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”.
A verdade é que Rodrigo Maia não queria que pacote anticrime de Sérgio Moro, tramitasse ao mesmo tempo que a Reforma da Previdência, que, aliás, está um angu de caroço. Rodrigo Maia também é um sujeito sobre quem pairam suspeitas de corrupção. Em 2017, o nome dele também apareceu na delação premiada de executivos da Odebrecht. Ele teria recebido, pelo menos, R$ 1 milhão em três campanhas eleitorais. Maia disse que era tudo mentira e coisa e tal. O fato é que ele não parece ser um sujeito disposto a defender arduamente o projeto de Sérgio Moro, então uniu o útil ao agradável: já que a Reforma da Previdência vai ser trabalhosa, deixemos o pacote anticrime para outro momento.
O fato é que os filhos, de novo eles, dessa vez o Carlos Bolsonaro, compartilhou nas redes sociais a fala de Sérgio Moro, porém, dando uma alfinetada em Maia: “Talvez alguns entendam que o combate ao crime possa ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, escreveu ele na rede social. Maia não gostou nada, nada disso e a confusão começou, e, mais uma vez, Bolsonaro, é claro, tomou partido do filho.
Nessa briga, Maia tem razão, pois é ele quem está carregando o peso de ter que aprovar a Reforma da Previdência, e em vez de receber rosas, recebe fogo, é demais. O bom é que ele não falou em nome próprio, mas em nome da instituição Congresso Nacional. Afinal, não são os presidentes da Câmara e do Senado quem tem que correr atrás de votos para a Reforma da Previdência, mas sim, o presidente tem que fazer isso, tem que fazer articulações, buscar votos. O que é de admirar é que um homem com 7 mandatos legislativos como deputado não atine que as coisas tenham que ser assim, que ele, presidente, é quem tem que chamar para si a responsabilidade. Mas não, ao invés disso, fica é no reino encantado do Twiters, junto com os filhos, e arma toda uma confusão, absolutamente, desnecessária.
Nesse quesito uma coisa é certa: até agora, o pior inimigo do governo não tem sido a imprensa, nem o PT, nem outro qualquer partido de esquerda. O pior inimigo do governo tem sido ele mesmo, junto com seu clã, que, ao invés de aproveitar o alto grau de popularidade que obtiveram nas últimas eleições presidenciais, estão se enrolando em linha feito carretel.
A verdade é que o governo de Jair Bolsonaro, até agora, não disse a que veio. Não há um projeto definido de governo. Não se sabe para onde vai e como caminha a educação, nem o meio ambiente, nem outras áreas estratégicas do governo. Há um vazio de projetos sem tamanho. Talvez se deixasse um pouco de lado as intrigas que conseguem fazer através das redes sociais o governo andasse melhor das pernas.
Mas o bom, ou ruim, quem saberá, é que Bolsonaro não está enganando ninguém. Ele está apenas sendo ele mesmo. Durante a campanha apenas encheu linguiça com seus discursos enquanto os projetos de governo passavam bem longe deles. Porém, o importante era tirar o PT do caminho, pois bem, o PT saiu do caminho, o problema é que o governo atual ainda não encontrou o caminho da governança.
Enquanto isso, os brasileiros estão como navegantes num barco que ainda não sabem muito bem para onde vai. Torcem para que siga um rumo seguro. Por enquanto, é só maresia... Enquanto os navegantes esperam que o pulso firme do capitão coloque o barco no prumo e no rumo certo.

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Caso Bernardo: O julgamento

Posted by Cottidianos on 02:49
Domingo, 17 de março

Bernardo Boldrini

Na semana que passou foram julgados, na cidade de Três Passos, Rio Grande do Sul, os acusados do assassinato do menino Bernardo Boldrini. O crime chocou o Brasil pelos requintes de crueldade e pela forma como foi praticado. O garoto desapareceu dia 04 de abril de 2014, e seu corpo apenas foi encontrado dez dias depois.
As investigações revelaram que a madrasta de Bernardo matou o menino com superdosagem do medicamento Midazolan. Os irmãos Edevâlnia e Evandro Wirganovicz ajudaram na execução do crime. E o pai do menino, Leandro Boldrini, foi o mentor do crime.
Os réus foram levados a júri popular que começou na segunda-feira, 11, no Fórum da Comarca de Três Passos, Rio Grande do Sul, e terminou na sexta-feira, 15. Ao final das cerca de 50 horas de julgamento transmitidos ao vivo, pela internet, a juíza responsável pelo processo, Sucilene Engler Werle, fez a leitura condenatória.
Graciele Ugolini, recebeu a pena mais alta: 34 anos e sete meses de prisão, inicialmente em regime fechado, pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Leandro Boldrine, foi condenado a 33 anos e oito meses de prisão, pelos crimes de homicídio doloso quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica.
Edelvânia Wirganovicz foi condenada a 22 anos e dez meses de prisão pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver.
Evandro Wirganovicz, foi condenado a nove anos e seis meses em regime semiaberto por homicídio simples e ocultação de cadáver.
Abaixo, este blog dedica um texto especial ao menino Bernardo, no qual, fala do caso, porém, tornando Bernardo o próprio personagem do texto, e deixando que ele próprio, faça suas considerações acerca do ocorrido.

***

Enfim, a justiça!

 “Eu também gostaria de cumprimentar uma pessoa muito importante e que está aqui nesse plenário. E, quando eu digo que ele está aqui nesse plenário eu não consigo vê-lo, mas eu o sinto. É o Bê. O Bê está hoje aqui. O Bê nunca deixou de estar aqui. Todos os promotores que atuaram nesse caso até hoje, o sentiram, e o sentem. Esse processo tem energia. Esse processo, ele fala. O Bê se manifesta. E ele está aqui hoje, e ele espera por justiça. E é em nome dele que nós estamos aqui. Que o Ministério Público está aqui. Espero sinceramente representa-lo à altura, Bê. E dizer que faremos de tudo para trazer justiça a ti
Assim disse, dirigindo-se ao conselho de sentença, o promotor Bruno Bonamente, titular do processo contra os quatro réus, Leandro Boldrini, meu pai, Graciele Ugulini, minha madrasta, e os irmãos Edelvânia e Evandro Wirganovicz, todos acusados de planejar e executar a minha morte.
Eu quero te dizer, Dr. Bruno, que eu estava ali sim. Estive o tempo todo. Todo o tempo acompanhei o processo em cada fase. Gostaria de parabenizar também aos promotores que o auxiliaram nesse trabalho tão difícil: Dra.  Silvia Jappe, e Dr. Ederson Vieira.
Vi, ainda na noite de sexta-feira, 15, quando o julgamento chegou ao final, o momento em que vocês vieram até a porta do Fórum da Comarca de Três Passos, para conceder uma entrevista coletiva de imprensa. Mais de uma centena de pessoas estava em frente ao local e os aplaudiram com merecido entusiasmo. Sim, Dr. Bruno, o Ministério Público me representou à altura, e conseguiu fazer com que justiça fosse feita.
Gostaria de parabenizá-los, e aplaudi-los com o mesmo entusiasmo com que foram aplaudidos pela população de minha querida Três Passos, cidade que foi o meu chão, a minha raiz, quando eu ainda estava aí entre vocês.
Aproveito ainda para agradecer a minha querida Vô, Jussara Uglione, e a todos os meus familiares. Vai meu agradecimento aos meus amigos e a toda a comunidade de Três Passos que me acolheram, me apoiaram, e me deram o pão que sempre me faltou em casa: amor e carinho. Quero dizer que vocês muito me ajudaram e tornaram a minha cruz mais leve, mais suave. Agradeço também aos milhões de brasileiros que se entristeceram, que se revoltaram com o modo frio e calculista com que fui assassinado, e rezaram por mim. A todos, meu muito obrigado.
Após o julgamento, chorei o choro mas forte que se pode chorar. As lágrimas mais fortes são aquelas derramadas pela alma. Chorei por saber que não teria oportunidade — como terão os meus conterrâneos, que tinha a mesma idade que eu, 11 anos, na época em desencarnei — de crescer de ver o meu corpo mudando durantes as várias fases da vida.
Pensei nos brinquedos que estavam à minha espera e que ficarão perdidos em algum recanto do tempo… Nos amores que estavam à minha espera nas esquinas da vida e que por lá ficarão… Em pequenos prazeres que, de tanto a gente praticar, nem se dá conta de que são tão importantes, como é o belo e gostoso costume gaúcho de segurar entre as mãos uma cuia de chimarrão e sorver o mate… O curso universitário que faria em alguma das faculdades gaúchas, ou em até mesmo, em alguma universidade em outro estado brasileiro… Na carreira profissional que seguiria e a qual procuraria dar o meu melhor… Enfim, tantas outras coisas me vieram à consciência naquele momento...
Ainda naquela sala de julgamento fiquei triste e decepcionado por ver que os meus algozes não mudaram muito depois daqueles tristes dias em que tudo mudou, para mim e para eles. Cinco anos já se passaram depois daqueles trágicos e revoltantes acontecimentos, entretanto, os assassinos continuam tão frios e dissimulados quanto antes. A única diferença é que agora estão atrás das grades.
Entendo também que todo o teatro que armaram naquela sala tinha a intenção de convencer o júri. O meu pai, de convencer o júri de que não sabia de nada, a Graciele, o de que tudo não passou de um acidente. A Edevâlnia, de que foi coagida a me levar até a beira daquele riacho, na cidade de Frederico Westphalen, e junto, com minha madrasta, me enterrar naquela cova rasa. E ao Evandro, coube a afirmação de que estava de férias naqueles dias e que tinha ido para aqueles lados da cidade Frederico — onde cavou o buraco no qual me colocaram — apenas para o simples prazer da pesca.
Entendo que todos tentavam apenas aliviar suas penas, e passar menos tempo na cadeia. Mas teria sido bem mais vantajoso para suas almas se tivessem confessado os crimes de que eram acusados e que fartamente foi provado nos autos do processo.
A justiça humana foi feita. Quem fez o mal deve pagar por ele. Quanto a justiça divina, essa é mais rigorosa que a justiça humana. Dessa ele também já começaram a experimentar. O que eles não entendem agora é que ela se faz com o decorrer da caminhada, e, que, quando vierem para o outro lado do caminho, no qual eu já estou, lhes serão pedidas contas de seus atos e atitudes praticadas no plano terrestre.  
Eu fui uma criança feliz na época em que vivia com minha mãe. Meu pai — apesar de, naquela época, já ter a personalidade deturpada pela ambição — me tratava bem. O amor? Esse, infelizmente, minha mãe, Odilaine Uglione, não o conheceu em sua plenitude enquanto esteve aqui na terra.
Para o jovem Leandro Boldrini, meu pai, o que importava eram os bens materiais que minha mãe possuía. Era um estar junto por interesse. E onde predomina esse sentimento a felicidade não chega perto. Ela fica de longe, apenas observando. Quando há um encontro de almas, aí, sim ela chega e faz a festa.
Quantos dramas e sofrimentos deve ter ela passado? Quantas feridas e chagas na alma não lhe foram abertas enquanto esteve casada com meu pai? Isso, somente ela poderá vos relatar. Foram dramas muito íntimos, que para ela já passaram e não adianta mais falar dessas coisas tristes, até porque ela já passou pelos tratamentos pelos quais era necessário nas clínicas do mundo espiritual, e já está liberta das dores e dos sofrimentos que trouxe daí da Terra.
O sofrimento dela foi tanto que chegou a ponto de praticar o ato mais extremo que um ser humano pode ter: tirar a própria vida. Chegou-se a duvidar de meu pai à época. Ficou a dúvida se, realmente, fora suicídio. Foi aberto uma investigação para averiguar o fato, mas, ao final, não encontraram provas de que ele era o culpado. Mas há várias formas de se levar uma pessoa ao suicídio... tortura psicológica é uma delas. Mas essas coisas são tão sutis que não ficam provadas em laudos técnicos.
Tudo mudou quando apareceu em nossa vida a Graciele Ugolini. Ela encarna muito bem a madrasta má dos contos infantis. Por ela, meu pai fez minha mãe sofrer. Luto pela morte de minha mãe, meu pai não respeitou. Poucos dias depois da morte já havia assumido o relacionamento com a amante, e pouco tempo depois já levou ela para morar com ele.
No início, Graciele até fingiu ser uma boa pessoa, talvez para não assustar demais meu pai. Ela usou uma máscara, podemos dizer assim. Quando passamos a morar nós três na mesma casa, eu, meu pai, Leandro, e ela, eu já me sentia como uma peça fora de lugar, um peixe fora d’água. Quando Graciele deu à luz a minha irmã, Maria Valentina, então nem se fala. Fui colocado de escanteio. A verdade, é que juntou a ambição desmedida de meu pai com a vaidade sem limites da Graciele e o mal e o desamor passaram a reinar naquela casa. Entre os dois poderia haver qualquer sentimento, mas aquilo não se poderia chamar de amor. Amor não mata. Amor faz viver.
A partir daí vieram os maus tratos e o desprezo por parte tanto de meu pai, quanto de minha madrasta. As discussões entre mim e ela era constantes. Mas meu pai, em vez de me defender, ficava era me filmando, para depois juntar provas de que eu era um desequilibrado, uma criança má. Qualquer outro pai, botaria o filho no colo e o acalmaria. Mas como fizera com minha mãe, o que eu representava para ele não era o amor que ele podia me dedicar, mas a herança que minha mãe havia deixado, e que seria minha, por direito, depois que atingisse a maioridade.
Talvez fosse esse o medo de meu pai. Talvez tenha sido essa a causa pela qual ele, mesmo achando que eu era um estorvo para eles, não permitiu que eu fosse morar com minha Vô, por exemplo.
Até o dia em que armaram para mim a armadilha fatal. E eu, tal qual pássaro frágil e inocente, caí com facilidade. Meu pai e minha madrasta armaram aquele plano diabólico de me levar para a cidade de Frederico Westphalen para comprar uma televisão nova, e um aquário para mim. Graciele me levou até lá, e, chegando na cidade, onde Edelvânia morava, elas inventaram outra mentira para me levar para a área rural: disseram que estavam me levando para uma benzedeira.
Eu já estava meio dopado com o medicamento que Graciele havia me dado durante a viagem. Minha cabeça não raciocinava mais com clareza. Estava como ovelha que é levado para o matadouro. Chegado ao local escolhido por elas para consumarem o fato, Graciele aplicou a última dose letal do medicamento, Midazolam, na minha veia. A cova já havia sido aberta antes pelo Evandro, irmã da Edelvânia. Essa ajudou minha madrasta a despir o meu corpo, colocá-lo em um saco plástico, jogá-lo na cova, e jogar soda caustica por cima, para a que decomposição do corpo se desse de forma mais rápida.
Era dia 04 de abril de 2014, quando me levaram como ovelha para o abate. Meu corpo só foi encontrado dez dias depois, em 14 abril. Depois que descobriram meu corpo naquela cova rasa, fui enterrado na cidade de Santa Maria, no mesmo jazigo que minha mãe.
Agora, é hora de enxugar as lágrimas choradas pela alma, e seguir meu caminho na eternidade. Também eu, quando cheguei no mundo espiritual, precisei tratar a alma, pois eram muitas as feridas que trazia nela, e muitos os sofrimento causado pelo modo cruel com que fui obrigado a me despedir do plano terrestre. Mas encontrei conforto, paz, e amor em meu novo lar, e esses remédios são capazes de curar as feridas mais profundas. Agora estou bem. Estou em paz.
Quanto aos meus algozes, vai para eles o meu perdão. Pois quem entra no plano espiritual com a alma cheia de desejos de vingança e outros sentimentos semelhantes apenas torna a caminhada que era para ser iluminada, muito penosa e dolorida. E essas coisas não quero para mim, assim como não quero para nenhum de vocês. Tenho pena do meu pai Leandro Boldrini, que ao que parece ainda não se libertou da aura densa que o circunda, ainda conserva frieza e falta de amor. Tenha pena também dos comparsas dele.
E aqui eu trago à vossa mente as palavras do Mestre Jesus, em Marcos, capítulo 8l, versículo 36: “De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma?” De que adiantou a eles tanta ganancia? Tanta vaidade? Tanto egoísmo e desamor?
Todos esses sentimentos tenebrosos apenas contribuíram para que suas vidas se tornassem um inferno ainda aqui na terra. Com sua atitude apenas perderam o melhor de suas vidas. E o que era para ser jardim florido, se tornou denso matagal. O que era para ser alegria — se tivessem compreendido que a vida é dom divino — se tornou um rio de lágrimas e de tristeza.
É assim. Na vida somo responsáveis por nossos próprios atos e ações. Quando o ser humano se deixa cegar pela maldade, pela inveja, pela ambição sem limites o preço a pagar é alto e as lágrimas amargas a serem choradas são muitas.
Meu desejo é para que vocês vivam suas vidas com responsabilidade. Cuidem-se um dos outros. Afinal todos somos filhos do mesmo pai divino, de quem saímos e para quem um dia retornaremos.
Fiquem em paz.

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Claas Relotius: O astro impostor da Der Spiegel

Posted by Cottidianos on 00:15
Segunda-feira, 11 de março




Ele era um belo guerreiro. Tinha dois metros e noventa centímetros de altura. Sobre a cabeça usava um capacete de bronze e vestia uma impressionante couraça de escamas de bronze que pesava cerca de 60 quilos. Em suas pernas, trazia caneleiras de bronze, e, nas costas, trazia um dardo também de bronze pendurado. A haste de sua lança era parecida com uma lançadeira de tecelão, e apenas a ponta de ferro dela pesava sete quilos e duzentas gramas. Por via das dúvidas, um escudeiro seguia sempre à sua frente. Era guerreiro desde a mocidade estava, portanto, acostumado a vencer grande batalhas e a derrotar muitos guerreiros. Seu nome era Golias.
O filisteu Golias, desafiava os israelitas. Dizia ele: “Por que vocês estão se posicionando para a batalha? Não sou eu um filisteu, e vocês os servos de Saul? Escolham um homem para lutar comigo. Se ele puder lutar e vencer-me, nós seremos seus escravos; todavia, se eu o vencer e o puser fora de combate, vocês serão nossos escravos e nos servirão”. E acrescentava: “Eu desafio hoje as tropas de Israel! Mandem-me um homem para lutar sozinho comigo”.
Ninguém se atrevia a lutar com aquele gigante, acostumado a vencer batalhas e a derrotar adversários.
Não havia encontrado, até um dia em quem um rapaz, franzino, e sem experiência nenhuma em guerra, havia ido deixar mantimentos para os irmãos que estavam no campo de batalha. O nome desse rapaz era Davi.
Ao chegar ao local em que os irmãos estavam Davi tomou conhecimento do filisteu e de suas ameaças. E decidiu que era ele, Davi, pequeno e franzino, que iria lutar contra o gigante Golias. Certamente, os soldados devem ter pensado que Davi enlouquecera.
O desejo de Davi chegou aos ouvidos do rei Saul. O rei disse a Davi: “Você não tem condições de lutar contra esse filisteu; você é apenas um rapaz, e ele é um guerreiro desde a mocidade”.
Davi, porém, disse ao rei que era ele quem cuidava do rebanho de ovelhas do pai e que, quando aparecia um leão ou um urso e levava alguma delas, ele os perseguia, dava-lhe golpes e livrava a ovelha da boca das feras. E quando esta se virava em direção a ele, ele lhes pegava pela juba e dava-lhes golpes até matá-los.
O relato e a coragem convenceram o rei, e este deu o aval para que Davi enfrentasse Golias.
Saul armou Davi como a um guerreiro. Vestiu-lhe túnica, colocou nele uma armadura, e lhe pôs na cabeça um capacete de bronze. O rapaz, não conseguia nem andar com toda aquela parafernália, e tirou a armadura e o capacete. Seguiu apenas com a espada sobre a túnica, ainda assim fazendo esforço para andar.
Pegou seu cajado, e seguiu seu rumo em direção ao lugar onde estava o adversário, não sem antes passar em um riacho e pegar as armas que estava acostumado a usar na sua lida, entre os animais: cinco pedras lisas, e as colocou no seu alforje de pastor. Pôs sua atiradeira na mão, e se aproximou de Golias.
O gigante olhou com desprezo para o adversário que havia resolvido lhe enfrentar. Fez pouco caso daquele rapazote de aparência frágil e com armas de matar passarinho.
E foi, com aquela arma simples, que Davi atirou uma pedra certeira na cabeça de Golias, fazendo-o tombar, conseguindo dessa forma, aquilo que parecia impossível: vencer o filisteu tão temido pelos israelitas.
Um pouco longa essa introdução, ou melhor esse resumo do relato da batalha entre Davi e Golias, tirado do livro de Samuel, capítulo 17, da Bíblia Sagrada.
Versões desta batalha onde o impossível acontece estão sempre ocorrendo em vários momentos da história da humanidade, e também em nossas próprias histórias  e batalhas pessoais.
Algo parecido aconteceu dentro de um dos maiores veículos de comunicação da Alemanha: a revista Der Spiegel. O fato aconteceu no ano passado, mas sempre é tempo de lembrá-lo para que coisa semelhante não venha a ser repetir, nem na Der Spiegel, nem em qualquer outro veículo de comunicação.
Class Relotius
O repórter Claas Relotius, 33 anos, era a grande estrela da publicação alemã. As reportagens que ele assinava eram eletrizantes. Sabe aquelas fontes que não falam com a imprensa em hipótese alguma? Pois é, Claas conseguia falar com elas e trazer seus depoimentos para as reportagens que escrevia. E aqueles lugares em que se é preciso muita cautela para transitar por eles? Ele também ia a esses lugares com muita coragem e desenvoltura. Aliado a todo esse faro jornalístico, histórias bem escritas, recheada de muita ação e personagens. Ao receber as pautas mirabolantes do empenhado jornalista a reação de Ullrich Fichtner, um dos chefes da publicação, era muito mais de satisfação do que de desconfiança.
Com seu arrojado trabalho, Relotius já havia recebido por quatro vezes o grande prêmio alemão de jornalismo. Também havia ganho o prêmio “Jornalista do ano” concedido pela CNN, em 2014. O carisma dele era tão grande que conquistou toda a equipe e o colocou como repórter acima de qualquer suspeita.
Há um ditado muito popular que diz que mentira tem pernas curtas. E esse ditado caiu como uma luva para o astro do jornalismo alemão. No final do ano passado, descobriu-se que as fantásticas reportagens que ele assinava eram falsas e os personagens inacessíveis aos quais ele conseguia acesso eram fictícios. E todo o castelo de cartas de Relotius ruiu por causa de um pequeno Davi dentro da publicação: o jornalista Juan Moreno, que assinava algumas reportagens como freelancer da lendária publicação alemã.
Era início de novembro e Moreno fazia mais uma dessas reportagens. Dessa vez ele estava no México, onde acompanhava uma caravana de migrantes. No meio desse trabalho, ele recebeu um telefonema da Der Spiegel avisando que ele fora escalado para escrever uma reportagem com o repórter astro da revista, Class Relotius. A missão de Moreno nesse trabalho era acompanhar um grupo de migrantes até a fronteira com os Estados Unidos e fazer um relato da viagem deles. Enquanto isso, nos Estados Unidos, Relotius tentaria se infiltrar em um grupo de milicianos civis determinados a impedir a entrada dos migrantes.
Qualquer outro freelancer teria se entusiasmado com a parceria. Mas não Moreno. Ele é como se diz aqui no Brasil “igual mineiro”, isto é, desconfiado. Já lera trabalhos publicados pelo parceiro de reportagem e achava que alguma coisa não combinava nelas. Algo parecia estar sempre fora da ordem. Certa vez, lera um trabalho do conceituado jornalista da Der Spiegel sobre um assessor cubano que lhe trouxera desconfianças sobre a veracidade da reportagem.
Mas tudo bem. Ordens são ordens, e Moreno aceitou o trabalho em pareceria com Relotius. De fato, o trabalho foi realizado por ambas as partes. Juan Moreno recebeu uma preliminar do texto e logo descobriu detalhes que não se encaixavam. Escreveu então ao departamento de checagem da revista — um departamento no qual trabalham cerca de 60 pessoas — mas ali não lhe deram a menor atenção. Moreno percebeu então que teria, realmente, de travar uma luta de Davi contra Golias, e buscar a verdade dos fatos.  Afinal, era seu nome que estava em jogo. Era seu nome que, em parceria com Relotius, apareceria na reportagem forjada.
Outro fato chamou a atenção do freelancer. O parceiro premiado de reportagem lhe enviou uma nova cena que não havia aparecido no rascunho anterior que ele lhe enviara. Nela um miliciano atirava contra algo que se movia, dando a entender que esse algo que se movia era um migrante. 
O fato é que quanto mais percebia a falsidade da reportagem que ele mesmo assinava em pareceria, mais os conflitos internos e a vontade de esclarecer a verdade lhe tiravam o sono. A grande pergunta era sobre como fazer isso, sendo que seu parceiro era tido pela Der Spiegel como alguém acima de qualquer suspeita.
As peças do quebra-cabeças foram se juntando. As descobertas foram sendo feitas, uma a uma. Moreno foi fazendo, secretamente, um trabalho de formiguinha. Checando suas informações, Moreno acabou descobrindo uma reportagem publicada pela imprensa norte-americana e que era muito semelhante aos relatos descritos por Relotius na reportagem que assinaram. Em ambas havia um personagem miliciano chamado Jaeger, mas as descrições de ambos os personagens não coincidiam.

Juan Moreno
Moreno percebeu que as inconsistências na reportagem só aumentavam. Resolveu escrever novamente para a revista. Dessa vez dirigiu-se ao editor de Sociedade da revista, que era quem havia encomendado a reportagem. O editor também não lhe deu ouvidos.
Diante da insistência de Moreno, as desconfianças acabaram se voltando contra ele mesmo. Os editores chefes da revista acharam que era ele quem estava inventando os fatos. Afinal de contas, Relotius era da casa. Repórter conceituado. Enquanto seu acusador era apenas um freenlacer que trabalhava do conforto de sua casa em Berlim, e que poucas vezes fora a sede, em Hamburgo. Juan Moreno é filho de operários espanhóis que migraram para a Alemanha quando ele tinha um ano e meio.
O empenho e a motivação de Moreno em esclarecer os fatos aumentaram mais ainda. Fez um trabalhado investigativo particular, já que não podia contar com o pessoal da revista. Em uma viagem de trabalho aos Estados Unidos, secretamente, aproveitou para conversar com os personagens que Relotius citara na entrevista como tendo sido seus entrevistados. Procurou Tim Foley e Chris Maloof, supostos entrevistados por Relotius. Mostrou-lhe fotos dele. Os dois revelaram que nunca haviam estado com Relotius antes.
Moreno gravou esses depoimentos em vídeos, levou-os para a Alemanha e mostrou-os aos diretores da revista. Relotius usou como argumento o fato de que fazia reportagens sobre atividades ilegais e que milicianos, ou qualquer outro entrevistado que fossem citados nelas, jamais reconheceriam em vídeo que havia cometido tais atividades. Fazia sentido. E mais uma vez foi a palavra de Relotius contra a de Moreno.
Moreno, entretanto, não desistiu. Continuou suas investigações com afinco. As luzes sobre as trevas, porém, haveriam de aparecer. Acreditava ele. E apareceram. Em 03 de dezembro, a revista recebeu um e-mail de uma mulher chamada Janete. Ela era assessora de um grupo de vigilantes que Relotius dizia ter acompanhado e questionava como era possível que o repórter tivesse escrito uma reportagem citando-os sem que ao menos tivesse estado lá.
A partir daí, Moreno convenceu os diretores da revista para que checassem dados de reportagens feitas por Relotius, e descobriram que Moreno era quem estava com a verdade. O castelo de fantasias de Claas Relotius havia desabado.
Em 22 de dezembro a Der Spiegel publicou uma reportagem em um número especial que dedicava 23 páginas ao assunto. Nessas páginas a revista admitia que seu repórter premiado, Class Relotius era, na verdade, um impostor. A revista o demitiu.
Quanto a Moreno, depois de noites sem dormir ele, finalmente, provou que vale a pena lutar pela verdade e pelos princípios do bom jornalismo. Fosse ele também impostor teria ficado de braços cruzados apenas colhendo os falsos louros da vitória. O fato é que o poder de persuasão de Class Relotius era muito grande. Tanto que muitas das 60 reportagens que fez para a Der Spiegel eram falsas e ninguém na lendária publicação alemã percebeu. Até mesmo Moreno teria sido enganado se tivesse no círculo de pessoas próximas de Relotius.  Ele mesmo admite que pensou em retroceder por não acreditar que uma pessoa como Class Relotius pudesse cometer uma fraude tão grande, dentro de uma revista tão poderosa. Mas as evidencias falaram mais alto.

* Este texto foi baseado na reportagem “O escândalo da 'Der Spiegel’: parem as máquinas, é tudo mentira”, de autoria de Ana Carbajosa, publicado no jornal El País Brasil, em 18 de fevereiro de 2019.


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Um vídeo apimentado e polêmico

Posted by Cottidianos on 01:18

Quarta-feira, 07 de março

Folião critica as candidaturas laranjas

O carnaval chegou e passou. Sambas e marchinhas? Ninguém as ouve mais cantar porque ninguém mais as canta. Quem passava brincando feliz já não passa mais. E nos corações? Ah, nos corações, saudades e cinzas foi o que restou. Nesta quarta-feira de cinzas, apenas saudades e cinzas foi o que restou. Nesse retorno à normalidade, retorna-se também à impessoalidade das grandes cidades. Um mundo de gente que, mesmo caminhando lado a lado, passo a passo, na maioria das vezes nem se vê. E se não se vê também não pode se sorrir, nem muito menos se abraçar e beijar. Sérios, esqueceram-se de sair por aí, caminhando, dançando e cantando lindas canções de amor. E, no entanto, mais que nunca é preciso cantar, mais do que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade e os corações envolvidos por tantos dramas e problemas que só o amor, a compreensão e alegria podem curar.

Lembram-se daquele cidadão que estava a toa na vida, e que foi chamado pelo amor dele para ver a banda passar, cantando coisas de amor. Um homem sério que contava dinheiro parou; uma moça que vivia sempre triste, vendo aquela alegria toda, até sorriu; outras pessoas que se fechavam como rosa em botão, resolveram se abrir e enfeitar o jardim; a meninada então... se assanhou toda e saiu a correr atrás da banda. Provavelmente da sacada de seu apartamento, ou da janela de sua casa, aquele cidadão via estas e outras cenas belas e cheias de vida suscitadas pelos blocos que passavam na rua.
E assim, com essa releitura das canções Marcha da Quarta-feira de Cinzas, de Vinicius de Moraes, e A Banda, de Chico Buarque, este blog abre o presente texto.
Cheio de cenas de alegria é o carnaval brasileiro. Em um ponto ou outro alguns tomam atitudes mais ousadas que arrepiam os cabelos dos puritanos, mais essas são cenas isoladas e infinitamente em menor número se comparadas a alegria que explode nas ruas, avenidas e salões nesses dias de carnaval. Essas cenas impróprias não representam e nem resumem essa festa cheia de alegria e cores.
O carnaval passou e o que era para ser apenas cinza virou faísca desnecessária com a publicação de um vídeo pornográfico publicado pelo presidente Jair Bolsonaro em seu perfil no Twiter.
Quando será que o presidente vai perceber que não é não é mais um deputado ou aspirante em campanha ao cargo de presidente? Sim, porque até agora o que presidente tem feito é agir como tal, contando para isso, em grande parte com a assessoria dos filhos, principalmente, o Carlos Bolsonaro, articulador da campanha do pai nas redes sociais.
Pois bem, com uma reforma tão importante como a reforma da previdência, o presidente e seus filhos resolveram passar o carnaval agitando as redes sociais, a alfinetar deputados, e artistas, e a publicar vídeos indecentes.
O vídeo que deu o que falar foi um vídeo postado pelo presidente, em que dois homens aparecem em cima de um ponto de táxi. Um deles se abaixa, enquanto o outro urina na cabeça dele. A cena, supostamente, acontece durante a passagem de um bloco de rua do carnaval de São Paulo.
Uma cena realmente deplorável. Se fosse nos limites do privado, então é até compreensível, pois entre quatro paredes, havendo consentimento entre os parceiros, está valendo, afinal é a vida privada deles e eles podem fazer o que bem entender, mas no âmbito público aí a coisa muda de figura. Se houvesse policiais por perto, os dois poderiam até ser preso por desacato ao pudor. Após a publicação, o vídeo apareceu com a classificação de conteúdo sensível na conta do Twiter.
Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conclusões”. Escreveu Bolsonaro na postagem.
Tal publicação não condiz de forma alguma com a cadeira presidencial. Um presidente da República não deve, ele próprio, se arvorar como defensor da moral e dos bons costumes. Existem instituições ao redor dele que podem ser porta vozes e baluartes nessa luta, e, dela podem falar com autoridade. Ao presidente cabe governar, fazer a ponte entre Congresso-Palácio do Planalto-sociedade, e conduzir nesse tripé a hábil arte de negociar, principalmente, com o Congresso, para aprovar, leis, projetos de lei, e reformas importantes para o país. É isso que se espera de um presidente.
E ele como tal, deveria, por exemplo, ligar para o governador de São Paulo, pedir a ele que tomasse as providências cabíveis em relação aos que cometeram atentado ao pudor. Uma vez de posse da gravação do ato obsceno seria fácil identificar os infratores e puni-los.
Mas todo ato, não é praticado à toa. Havia uma intenção por trás da publicação do vídeo indecente por parte do presidente, em sua conta no Twiter. E todos os indícios levam a crer que se trata de uma vingança do presidente.
O fato é que o carnaval de rua tem crescido muito nestes últimos anos no Brasil. Os blocos aumentaram imensamente o número de participantes. São Paulo, por exemplo, que era uma cidade sem tradição de blocos de rua, e, em feriado como o carnaval a cidade ficava deserta, hoje tem efervescência de blocos nessa época tão propícia a eles.
Muitos desses blocos pelo Brasil afora fizeram críticas ao presidente, Jair Bolsonaro, e aos seus filhos, destacando, entre outras questões o caso dos candidatos laranjas — candidatos lançados pelo partido do presidente, PSL, e outros partidos, com a única finalidade de desviar dinheiro do fundo partidário para candidaturas de maior vulto. As laranjas eram, em sua maioria, candidaturas femininas.
Essas sátiras políticas durante o carnaval não foram inventadas agora. Antigos carnavais já faziam esse tipo de sátira. O problema é que o presidente levou para o lado pessoal e resolveu se vingar desses blocos.
Porém, escolheu a pior maneira para fazer isso. Pois quando ele escreve na postagem que “temos que expor a verdade para a população”, ele faz um recorte irresponsável do que seja o carnaval no Brasil, e o pior, faz esse pensamento circular pelo mundo, uma vez que jornais do mundo inteiro repercutiram o fato.
Ora, todos os brasileiros sabem que o carnaval não é isso que Jair Bolsonaro quis mostrar. Há uma grande maioria de gente de bem que vai atrás dos blocos. São jovens, velhos e crianças. Pessoas sozinhas ou famílias inteiras que aproveitam esses dias para uma diversão saudável.  
Porque então ele não mostrou essas belas cenas para ilustrar sua página na rede social? Por que, se queria mostrar obscenidades não escolheu uma cena entre heterossexuais? Por que foi, justamente, escolher um casal gay para essa finalidade?
Foi isso para encher de ódio o seu público maior que são os fiéis evangélicos? Seja qual tenha sido a motivação: disseminar o ódio ou uma atitude de vingança o fato é que isso pegou mal para quem acabou de ser eleito presidente da nação brasileira.
Outro fato que se tem notado nesse governo é falta uma articulação na aérea de comunicação. As coisas estão meio bagunçadas nesse quesito. Redes sociais não são espaços para publicações oficiais. Existem recursos da mídia tradicional para isso. Ao desprezar a mídia tradicional o presidente e seus “meninos” só tem feito asneiras. Ficamos a pensar em quantas mais virão.
Enquanto isso, reformas e outras questões importantes estão de vento em popa. Esperamos que o presidente não se distraia com questões menores e assuma, com mão forte, o rumo do barco para o qual foi escolhido como capitão. Botar ordem na casa, trazer o Brasil de volta aos trilhos do crescimento e do desenvolvimento econômico e social. É o que os brasileiros esperam do senhor, presidente, e não que fique feito um adolescente irresponsável a fazer picuinhas e mandar recados pelas redes sociais.

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