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Profissionais da Violência

Posted by Cottidianos on 01:36
Terça-feira, 11 de setembro
A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente

(Inútil – Ultraje a Rigor)

A gente sabe escolher presidente? É só dar uma olhada rápida para as escolhas que fizemos após a abertura democrática, para ver que não. Como eleitores, fizemos uma escolha pior do que a outra. Tudo bem que numa democracia as pessoas têm todo o direito de errar, e, conseqüentemente, pagar pelos seus erros obviamente... Mas acho que não precisávamos errar tanto.

Mas, de certa forma, não são os eleitores que estão errados. É todo um sistema político que não funciona bem, sistema esse que está profundamente entranhado numa cultura de pequenas corrupções que, como uma bola de neve, formou e legitimou o grande mar de lama de corrupção que vemos em Brasília, e nas casas legislativas, bem como em diversas repartições públicas de todo o país.
É o tal do jeitinho brasileiro de querer levar vantagem em tudo, e quem quer levar vantagem em tudo, passando por cima dos direitos da maioria, acaba não lucrando coisa alguma, e ainda trazendo para a nação um retrocesso no progresso moral e ético, bem como grandes perdas econômicas que se fazem sentir no plano individual e em um contexto mais geral.
Voltando ao fato de que não sabemos escolher presidente já reparou que, nos momentos turbulentos de nossa história, tendemos a escolher sempre salvadores da pátria? E o que fazem tais salvadores da pátria após conquistarem o voto dos eleitores e alcançarem o troféu almejado: a vitória nas urnas. Decepcionam, sempre. Lembram do Fernando Collor, que se apresentava como o caçador de marajás? Caçou algum deles? Não. Pelo contrário, foi caçado.
Depois vieram outros, defensores dos fracos e oprimidos. E o que estes fizeram? Depenaram a nação. Deram alguns centavos para o povo e, com o muito que sobrou, compraram carne da boa e da melhor... E fizeram um churrasco de primeira linha regado a bebidas caríssimas.
Tanto descaso para com a nação por parte de nossos políticos tem provocados efeitos nocivos sobre a nossa democracia. Em primeiro lugar, o povo não acredita mais na classe política. Há um sentimento de revolta para com essa classe por toda a nação. E isso tem levado a quadros preocupantes.
A coisa anda tão feia que tem gente flertando com a volta da ditadura com esperança de que a ordem seja restabelecida no país. Quem viveu uma ditadura aqui ou em qualquer lugar do mundo sabe que essa não é a melhor saída, o melhor remédio. Invocar a violência para viver uma cultura de paz é uma insensatez.
Nos tempos da cortina de ferro no Brasil, ainda havia uma juventude disposta a lutar e dar a vida pela liberdade. Era uma juventude consciente que sabia fazer uma melhor análise da realidade em que viviam... E não compravam gato por lebre. Aqueles jovens se tornaram uma pedra no calcanhar da ditadura. E como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto bate até que fura... E aquela juventude rebelde, de certa forma ajudou a furar a pedra dura do regime feroz.
E a juventude de hoje? Ah, essa não seria pedra no calcanhar de regime algum de tão alienada que anda. Ela mesma, vítima do próprio sistema que lhes privou de uma educação mais apurada e do desenvolvimento do pensamento crítico, tornando-se dessa forma, ótimas massas de manobra nas mãos de políticos inescrupulosos.
Outra coisa que temos visto são os fortes radicalismos que tem tomado conta da cena política.
O presidente Lula, hoje preso em uma cela, em Curitiba, já foi alvo desse radicalismo. Ainda antes de se tornar prisioneiro, quando andava em campanha eleitoral antecipada, por diversas cidades brasileiras, teve dois dos três ônibus da caravana que o acompanhava atingido por tiros. Segundo a polícia, foram três os disparos que atingiram os veículos. Felizmente ninguém saiu ferido do episódio.
Neste 06 de setembro, véspera do feriado do Dia da Independência, foi a vez do candidato do PSL, Jair Bolsonaro. O candidato fazia campanha, em Juiz de Fora, Minas Gerais quando foi atingido, na barriga, por uma facada, desferida por Adélio Bispo de Oliveira, não filiado a nenhum partido político.
À polícia, Adélio disse que havia tomado tal atitude por discordar em diversos pontos de vista com Bolsonaro. Disse também que havia sido mandado por Deus para cometer tal violência. A PF ainda investiga o caso.
Bolsonaro, passou por cirurgia e está fora de perigo. E assim, o primeiro colocado nas pesquisas para a corrida presidencial passou por um grande susto.
Qualquer forma de violência é condenável. Todos têm o direito de votar em quem bem quiser e entender. Assim como os candidatos, em uma democracia, podem defender suas idéias, por mais esdrúxulas que possam parecer. É a democracia, essa faca de dois gumes, que tanto pode trazer felicidades como pode trazer lágrimas a um povo, dependendo das escolhas que esse povo venha a fazer. 
Há uma questão que foi bem analisada pela escritora, repórter, e documentarista, em artigo no jornal El País Brasil. No artigo, intitulado, Profissionais da violência, Eliane Brum faz uma análise das reações do candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, e as reações de Mourão ao ataque sofrido por Bolsonaro são tão preocupantes quanto o próprio atentado sofrido por candidato.
A seguir esse blog compartillha com os leitores o referido artigo de Eliane Brum.

***
 Profissionais da violência
A reação de Mourão, o vice “faca na caveira” de Bolsonaro, aponta como o Brasil será governado em caso de vitória da chapa de extrema direita



 ELIANE BRUM
10 SET 2018 –


“Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”. A frase é do general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL). Foi dita à revista Crusoé, após o ataque à faca contra o candidato na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, em 6 de setembro. É uma frase para se prestar toda atenção.
Os vices com freqüência têm chegado à presidência no Brasil. Mas o mais importante é o que a declaração nos conta sobre a chapa que, sem Lula, está em primeiro lugar nas intenções de voto para a disputa presidencial das eleições de outubro. O que significa um candidato a vice-presidente se anunciar como “nós” e como “profissional da violência” num momento de tanta gravidade para o Brasil?
Abalado pela brutalidade do episódio, Mourão poderia ter escolhido pelo menos duas variações que mudariam a intenção: “os profissionais da segurança” ou “os profissionais da proteção”. Palavras como segurança e proteção levariam à ideia de amparo e de defesa —e não à ideia de ataque, de retaliação e de confronto. Mas não. Mourão usou um “nós”— e usou “profissionais da violência”. Ao ser perguntado quem era o “nós”, o general disse que se referia “aos militares e ao uso da força pelo Estado”.
Mourão declarou ainda: “Eu não acho, eu tenho certeza: o autor do atentado é do PT”. No mesmo dia, o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, afirmou ao jornal Folha de S. Paulo: “A guerra está declarada”.
É bastante revelador que um general da reserva, hoje político e candidato, se considere no direito de falar em nome do Estado, em plena campanha eleitoral para se tornar governo. A declaração de Mourão mostra que ele acredita falar pelos militares, como se os representasse e os comandasse. E como se os militares fossem uma força autônoma, uma espécie de milícia de Bolsonaro e de Mourão. E não o que a Constituição determina: uma instituição do Estado, paga com recursos públicos, subordinada ao presidente da República.
Ao fazer essa declaração, Mourão trata as Forças Armadas como se fossem a sua gangue e o país como se fosse a sua caserna. Alguém machucou o meu amigo? Vou ali chamar a minha turma para descer o cacete. E faz isso na condição de político e de candidato, como se o processo democrático fosse apenas uma burocracia pela qual é preciso passar, mas que pode ser atropelada caso se torne inconveniente demais.
Mais tarde, Mourão baixaria o tom, segundo ele a pedido do próprio Jair Bolsonaro. Uma orientação curiosa para um candidato que divulgou uma foto sua na cama do hospital fazendo com as mãos o sinal de atirar. No dia seguinte à agressão, durante entrevista à Globo News, o vice de Bolsonaro afirmou que, em caso hipotético de “anarquia”, pode haver um “autogolpe” do presidente, com o apoio das Forças Armadas.Ao comentar a convocação à violência por ele e outras pessoas da campanha, Mourão afirmou: “Realmente subiu um pouco o tom (no início), mas temos que baixar, porque não é caso de guerra”. Disse ainda que, se forem eleitos, vão “governar para todos, e não apenas para pequenos grupos”.
As declarações do vice de Bolsonaro no primeiro momento dão pelo menos duas informações sobre ele que vale a pena registrar. Mourão decide baixar o tom depois de elevar (muito) o tom. Poderia se pensar se é esse tipo de reação passional que se espera de um general, uma pessoa numa posição de comando ocupando o posto máximo da hierarquia do Exército, cujas ordens podem afetar milhares de vidas humanas. Pela trajetória de Mourão, a dificuldade de agir com racionalidade em momentos de tensão não parece ter afetado a sua carreira.
Neste momento, porém, Mourão é um político e candidato a vice-presidente. Diante da crise, representada pela agressão a Bolsonaro, aquele que quer ser vice-presidente do Brasil explode, confunde o seu lugar e o lugar das Forças Armadas, e bota gasolina na fogueira que deveria conter. E deveria conter não apenas por ser candidato, mas por responsabilidade de cidadão.
É importante que Mourão tenha finalmente entendido que não se trata de uma guerra e tenha parado de encontrar inimigos entre as faces da população. Mas as declarações irresponsáveis já produziram um efeito cujas consequências são difíceis de prever. Como ele mesmo lembrou, “há um velho ditado que diz: as palavras, quando saem da boca, não voltam mais”.
O que Mourão faria com poder real diante das tantas crises que esperam um governante? Como governará essa dupla, caso eleita, um que invoca mais violência em palavras e outro que, recém operado após sofrer uma agressão, faz sinal de atirar? Como governarão, com sua lógica de guerra, na qual o inimigo não é outro exército, mas a parte da população que discorda deles?
A segunda informação que emerge das declarações é a rapidez e a leviandade com que Mourão julga e condena. De imediato ele responsabilizou o PT pela agressão à faca. Não havia —e não há— um único indício de que o autor da facada tenha qualquer ligação com o PT ou faça parte de um plano do partido. Adelio Bispo de Oliveira afirma ter agido sozinho e “a mando de Deus”. Declarar publicamente uma “fakenews” ou mentira, num momento de tanta gravidade para o país, também pode ter consequências imprevisíveis. Não adianta voltar atrás depois de ter afirmado uma mentira como “certeza” justamente na hora em que os ânimos estavam mais acirrados.
É importante observar como esse protagonista se comporta diante da crise, já que governar um país é lidar com várias crises todos os dias. Se sem poder de governo ele encontra culpados, para além do culpado que já está preso, e invoca publicamente a violência como reação imediata, o que fará caso tenha poder de governo e a possibilidade de convocar o que Mourão chama de “profissionais da violência” e a Constituição chama de “Forças Armadas”? Se, quando precisam convencer eleitores de que são a melhor escolha, os homens de Bolsonaro invocam a guerra dentro do próprio país, o que farão quando já não precisarem convencer ninguém?
É importante observar que não conseguem refrear seus instintos nas horas mais duras, mas também é importante acreditar no que dizem quando não são capazes de se conter. Tanto Bolsonaro quanto Mourão têm se esforçado para mostrar que são “profissionais da violência”. Ao pregarem que a população deve se armar, como se esta fosse a melhor estratégia para enfrentar a questão da segurança, é assim que se apresentam.
As declarações contra as mulheres, contra os negros, contra os indígenas e contra os LGBTs também são um exercício da violência que revela uma visão de mundo e a fortalece entre aqueles que dela comungam. Semanas atrás, Mourão chamou os negros de malandros e os indígenas de indolentes. Desta afirmação que saiu da sua boca ele não se arrepende. Como disse Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do candidato: “Tem que botar um cara faca na caveira para ser vice”. Botaram.
No dia seguinte ao atentado, quando segundo ele mesmo o tom deveria baixar, o vice de Bolsonaro enalteceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores e assassinos da ditadura civil-militar (1964-85). “Os heróis matam”, justificou ele na TV.
Sempre vale lembrar ao menos um episódio entre as tantas mortes e torturas ordenadas ou executadas pelo “herói” de Bolsonaro e de Mourão. O torturador Ustra levou os filhos de Amélia Teles, presa nos porões do regime, para que vissem a mãe torturada. Amelinha, como é mais conhecida, estava nua, vomitada e urinada. Seus filhos tinham quatro e cinco anos. A menina perguntou: “Mãe, por que você está azul?”. A mãe estava azul por causa dos choques elétricos infligidos em várias partes do seu corpo e também nos seios e na vagina. Este é o farol de Bolsonaro e Mourão, em primeiro lugar nas pesquisas para a presidência do Brasil, o que diz bastante também sobre os eleitores.
Armar-se é uma das principais plataformas da campanha de Bolsonaro-Mourão, o capitão da reserva e o general da reserva. E é preciso levá-los a sério. Não só porque Bolsonaro e Mourão lideram as intenções de voto, mas porque é legítimo que os eleitores queiram votar em “profissionais da violência” para governar o Brasil. É possível discordar de quem aposta em “profissionais da violência”, mas o direito de escolher uma pessoa que invoca a violência é legítimo numa democracia.
Há muita gente clamando por “civilização” contra o que nomeiam de “barbárie” que atravessa o Brasil, às vésperas de uma eleição em que o candidato em primeiro lugar nas pesquisas está na prisão e é proibido pelo judiciário de se candidatar e o candidato em segundo lugar leva um facada durante um evento de campanha e precisa passar por uma cirurgia.
Mas o que chamamos de civilização tem sido sustentado pela barbárie cotidiana contra os negros e os indígenas. A civilização sempre foi para poucos. A novidade que uma chapa Bolsonaro-Mourão apresenta é a suspensão de qualquer ilusão. Não é por acaso que alicerçam sua prática antiga, tão velha quanto o Brasil, nas redes sociais, o espaço onde toda a possibilidade de mediação foi rompida e os bandos se fecham em si mesmos, rosnando para todos os outros.
A barbárie dos “profissionais da violência” sempre sustentou a civilização de uns poucos. O que Bolsonaro e Mourão dizem, como “profissionais da violência” que são, é que já não é preciso fazer de conta. Neste sentido, rompem o mesmo limite que a internet rompeu, ao tornar possível que tudo fosse dito. E também ao dar um valor ao dizer tudo, mesmo que este tudo seja o que nunca deveria poder ser dito, já que é necessário um pacto mínimo para a convivência coletiva e o compartilhamento do espaço público.
Ao representar a velha boçalidade do mal expressada na novidade das redes, Bolsonaro-Mourão são os representantes mais atuais deste momento. Eles sabem que a guerra não existe no Brasil. O que sempre existiu foi o massacre. São os mesmos de sempre que continuam morrendo, como os camponeses de Anapu nas mãos dos pistoleiros da grilagem e as crianças das comunidades do Rio em cujas cabeças as balas explodem.
Ao inventarem uma guerra para encobrir o massacre, Bolsonaro e Mourão inventam também a ideia de que as armas serão iguais e acessíveis para todos, bastando para isso o “mérito” de passar em eventuais testes e o “mérito” de ser capaz de pagar pelas melhores. Conheceremos então o discurso da meritocracia aplicado às armas.
Bolsonaro e Mourão sabem muito bem que não haverá igualdade ao armar a população. Se Bolsonaro, o “profissional da violência”, teve alguma sorte na tragédia, é a de que Adélio Bispo de Oliveira era um amador e era pobre. Ele tinha apenas uma faca e nenhum plano para depois. Se ele fosse um “profissional da violência” como Mourão, Bolsonaro não teria tido a chance de fazer o gesto de atirar na cama do hospital, depois de ser salvo pelo SUS, sistema público de saúde que ele não se esforça para defender.
Marielle Franco, a vereadora do Rio pelo PSOL, não teve esta sorte. Seus assassinos arrebentaram sua cabeça com arma de alto calibre e uso restrito e até hoje, seis meses depois, não se conhece nem a identidade do executor nem a do mandante. Negra, lésbica e favelada, Marielle está no lado dos que morrem e cujas mortes permanecem impunes. Marielle está no lado dos massacrados, não dos que massacram.
Mas não é sorte o que Bolsonaro teve ao ser atacado por um amador. Tanto ele quanto Mourão sabem o que dizem quando reivindicam serem “os profissionais da violência”. Eles são. Resta saber se a verdade da maioria dos brasileiros é também esta: a de desejar profissionais da violência comandando o país onde vivem.
Se a maioria dos brasileiros mostrar nas urnas que quer esse tipo de político no poder, então é isso que escolheram. Faz parte do processo democrático que as pessoas se responsabilizem por suas escolhas e as consequências que delas resultam. Se você chama “profissionais da violência” para comandar o país onde você e sua família vivem, você deve saber o que terá.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum



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