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Pátria minha
Posted by Cottidianos
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00:58
Segunda-feira,
30 de julho
“No tabuleiro
da baiana tem
Vatapá, oi
Caruru
Mungunzá
Tem umbu
Pra ioiô
Se eu pedir você
me dá
O seu coração
Seu amor de Iaiá”
(No Tabuleiro
Da Baiana – Ary Barroso)
Em
um passado distante essa terra já foi coberta por escravos, africanos e
afro-brasileiros que derramavam seu suor, seu sangue e suas lágrimas para
enriquecer a coroa portuguesa e os coronéis, que aqui reinavam, imperativa e
impiedosamente, de norte a sul, e de leste a oeste, na nova terra recém-descoberta.
Hoje,
diz-se do Brasil que é uma terra de homens livres. Reflito um instante...
Homens livres pelo direito de ir e vir? Mas será que desfrutamos desse direito
básico e fundamental a todo mortal?
Se
os jovens da periferia vão aos shoppings e eles são mais de um, então é
rolezinho, é bandidagem entrando na área dos bacanas. Nas favelas, o governo
não chega. Chegam as milícias e o tráfico de drogas, que ali são a lei e a
ordem numa completa inversão de papeis que ultrajam os princípios democráticos.
Se
for homem do asfalto ele também tem que andar pelas ruas da própria cidade,
receoso. Tem que colocar uma parafernália de equipamentos de segurança nos condomínios
fechados onde vivem. Também eles não podem circular livremente por esta ou
aquela área da cidade.
Então,
ò senhora liberdade onde estás?
As
vozes do passado sopram em meus ouvidos e dizem que o homem recebe a paga pelo
seu trabalho em dinheiro, e não mais em chicotadas como nos tempos antigos. Mas
estes, até mesmo estes, que trabalham de sol a sol podem dar vidas dignas aos
seus filhos e netos? Ora, pois como podem se dar a este luxo se o parco salário
que recebem dá apenas, e muito mal, para suprir-lhe do básico e do necessário
para sobreviver?
Sobra-nos
a liberdade de pensar. Ah, mas como são poucos os que pensam por si próprios. A
grande maioria ainda se comporta como massa de manobra nas mãos dos mesmos coronéis
de antigamente, perpetuados na figura dos seus filhos, bisnetos e tataranetos,
que hoje usam terno e gravata, tendo muitos deles enveredado pelo mundo da
política. Homens esses que continuam ainda, de outros modos, a praticar o
chamado “voto de cabresto”.
Uma
rápida consulta online as páginas da enciclopédia eletrônica Wikipédia vai nos
dizer que voto de cabresto é “um sistema de controle de poder político através
da compra de votos com a utilização da máquina pública ou o abuso de poder. É
um mecanismo muito recorrente no interior do Brasil como característica do
coronelismo.”
Porém,
quem pensa que o voto de cabresto praticado no passado nas fazendas espalhadas
pelo Brasil afora morreu, está enganado. Ele apenas adquiriu novas roupagens,
novos modos de existir. E quem disse que hoje ele se limita apenas ao interior
do Brasil? É bom ficar de olhos abertos, pois se, no passado, os coronéis compravam
votos, hoje eles comprar consciências. E a consciência de cidadania que se vende,
não vale nada. É uma consciência ordinária.
Certa
vez, aquele homem sábio, que viveu há dois mil anos atrás e que muitos
ensinamentos nos deixou, aquele homem que se tornou conhecido como Jesus
Cristo, ele disse aos seus discípulos: “Ninguém
põe um remendo de pano novo numa veste velha, porque arrancaria uma parte da
veste e o rasgão ficaria pior. Não se coloca tampouco vinho novo em odres
velhos; do contrário, os odres se rompem, o vinho se derrama e os odres se
perdem. Coloca-se, porém, o vinho novo em odres novos, e assim tanto um como
outro se conservam”.
Ora,
pois o que temos feito na política brasileira desde sempre não é, justamente,
colocar remendo de pano novo em roupa velha e vinho novo em odres velhos? Fazendo
isso, o resultado sempre ruim, será sempre negativo. Nunca obteremos os
resultados que esperamos em relação ao futuro do Brasil e o que se espera dele
como prática se continuarmos agindo assim.
Caminhamos,
a passos largos, para mais uma eleição e o que vemos a se apresentar para nós
como candidatos? Não lhe parece um cheiro de coisa velha, peças de museu? Algumas
delas, além de museus, nos remetem a lembranças de porões, de torturas, e de
sofrimentos da época da ditadura.
Onde
está minha pátria, a renovação de teus quadros políticos que venham soprar
sobre nós os ventos da esperança, da bonança, da paz e da prosperidade? Em qual
canto do país estarão escondidas estas novas consciências? Ainda estarão por
nascer?
Enquanto
essa renovação não vier, seremos como carros na estrada ao qual trocamos apenas
as rodas e o capô, enquanto que o motor permanece sempre velho e roto, fazendo
com que a viagem seja sempre cheia de altos e baixos, e nunca uma viagem tranqüila
e confortável.
Diz
a letra do Hino Pátrio: “Ó pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!”
Mas
pátria, o que? Quem és?
Recuso-me
a te definir apenas com o conceito frio dos dicionários que dizem que és o “país
em que se nasceu, e o qual se pertence como cidadão”. Não, minha pátria, és
muito mais que isso. Eu e tu somos um. Se tu és a raiz, sou tua árvore. Se tu és
arvore, sou teus frutos. Se tu és rosa, sou teu perfume.
Não
és perfeita, como gostaria que fosses, sem problemas, sem o mar de corrupção
que te tomou. Mas, mesmo com todos os defeitos, és o chão no qual meus pés
pisaram pela primeira vez, foi o ar de tua terra que encheu e revigorou meus
pulmões me trazendo o sopro da vida, quando eu, tenro ser, saí do ventre de
minha mãe.
Fico a imaginar como é estar longe de ti, e ficar a
te olhar, como um viajante espacial olha de lá alto a Terra aqui embaixo.
Quanta vontade de ganhar asas velozes e de ir até onde estás, te sentir, te
abraçar, te chamar apenas e carinhosamente de minha pátria.
Ah,
quão bem expressou essa saudade de ti o poeta, Gonçalves Dias, quando escreveu
os versos de Canção do Exílio, poesia na qual diz:
Canção do Exílio
Gonçalves Dias
Minha terra tem
palmeiras,
Onde canta o
Sabiá;
As aves, que
aqui gorjeiam,
Não gorjeiam
como lá.
Nosso céu tem
mais estrelas,
Nossas várzeas
têm mais flores,
Nossos bosques
têm mais vida,
Nossa vida mais
amores.
...
Se
o céu está cinzento, oh, brasileiros, e brasileiras, não desanimeis! Um dia o
vosso país cumprirá o seu destino de ser uma terra onde corre e leite mel.
Leite e mel já existem correndo em vosso solo em abundancia, basta apenas que
esses recursos sejam bem explorados, aproveitados, e, importante detalhe, bem
distribuído por entre a população carente de recursos e de sonhos.
Para
terminar esta reflexão, ou para continuares refletindo naquela terra que te
pariu, e de quem és filho amado, deixo-te esta reflexão em forma de poesia,
escrita pelo grande poeta, Vinicius de Moraes. Com vocês, Pátria Minha,
Vinicius de Moraes.
***
Vinicius de Moraes |
Pátria
Minha
Vinicius
de Moraes
A
minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura
e vontade de chorar; uma criança dormindo
É
minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo
dormir meu filho
Choro
de saudades de minha pátria.
Se
me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não
sei. De fato, não sei
Como,
por que e quando a minha pátria
Mas
sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que
elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em
longas lágrimas amargas.
Vontade
de beijar os olhos de minha pátria
De
niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade
de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De
minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E
sem meias, pátria minha
Tão
pobrinha!
Porque
te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria,
eu semente que nasci do vento
Eu
que não vou e não venho, eu que permaneço
Em
contato com a dor do tempo, eu elemento
De
ligação entre a ação e o pensamento
Eu
fio invisível no espaço de todo adeus
Eu,
o sem Deus!
Tenho-te
no entanto em mim como um gemido
De
flor; tenho-te como um amor morrido
A
quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem
dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta
sala estrangeira com lareira
E
sem pé-direito.
Ah,
pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando
tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu
vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos
me surpreenderam parado no campo sem luz
À
espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que
eu sabia, mas amanheceu...
Fonte
de mel, bicho triste, pátria minha
Amada,
idolatrada, salve, salve!
Que
mais doce esperança acorrentada
O não
poder dizer-te: aguarda...
Não
tardo!
Quero
rever-te, pátria minha, e para
Rever-te
me esqueci de tudo
Fui
cego, estropiado, surdo, mudo
Vi
minha humilde morte cara a cara
Rasguei
poemas, mulheres, horizontes
Fiquei
simples, sem fontes.
Pátria
minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro
não; a minha pátria é desolação
De
caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E
praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que
bebe nuvem, come terra
E
urina mar.
Mais
do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma
quentura, um querer bem, um bem
Um
libertas quae sera tamen
Que
um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta
que serás também"
E
repito!
Ponho
no vento o ouvido e escuto a brisa
Que
brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria
minha, e perfuma o teu chão...
Que
vontade me vem de adormecer-me
Entre
teus doces montes, pátria minha
Atento
à fome em tuas entranhas
E ao
batuque em teu coração.
Não
te direi o nome, pátria minha
Teu
nome é pátria amada, é patriazinha
Não
rima com mãe gentil
Vives
em mim como uma filha, que és
Uma
ilha de ternura: a Ilha
Brasil,
talvez.
Agora
chamarei a amiga cotovia
E
pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que
peça ao sabiá
Para
levar-te presto este avigrama:
"Pátria
minha, saudades de quem te ama…
Vinicius
de Moraes."