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Recordando os difíceis tempos da escravidão
Posted by Cottidianos
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05:10
Sexta-feira,
29 de novembro
“Há histórias que precisam ser contadas muitas
vezes, para que nunca mais sejam imitadas”.
O
texto a seguir é a fala de um antigo escravo brasileiro, que trabalhava nas
lavouras de café. O personagem que dialoga com o leitor é fictício, porém, a
vida difícil que ele levava no cativeiro,
é a mais pura realidade, se não fosse bem pior. Igualmente, são reais os
castigos descritos pelo personagem. Talvez esse tenha sido o texto mais
trabalhoso que publiquei até agora. Primeiro, o escrevi numa linguagem atual,
mesclada com algumas palavras antigas. Mostrei o texto ao amigo Daniel Ferreira.
Este indagou: “Porque você não escreve todo o texto numa linguagem antiga? Do
modo que ele está me parece muito formal”. Achei coerente a observação de
Daniel e refiz o texto. Procurei aproximá-lo da maneira como se expressavam os
escravos. Ao final do texto, deixo um pequeno vocabulário, para o caso do
leitor sentir dificuldade em compreender algumas palavras. A minha sugestão é
de que deem uma olhada antes no vocabulário. Mas o processo de leitura é do
leitor e ele começa por onde quiser. Não interferir nisso.
Imagem: http://www.curandocomoreiki.com/2012/04/mensagem-sobre-espiritualidade-de-pai.html |
Nasci
há muito tempo atrás, na época da escravidão, uma época de grande atraso moral
na história da humanidade. Vim ao mundo numa dura cama de madeira, que mais parecida
cama de pedra, em uma senzala, aí pelos interior de São Paulo. Chorei pela
primeira veis no meio de uma noite fria e chuvosa. Sou fio de uma nega formosa que
veio de longe, bem longe, de lá das terra da mãe áfrica. Meu pai era um mulato
bonito e muito simpático. Eles se conhecero nas roça de café. Sabe seu moço,
as coisas que vou dizer aqui, me doi muito o coração relembrá-las. Sinto uma
grande tristeza em quando me alembro desses causo. Na verdade, gostaria de
esquecê esses passado, mas num posso: sofrida
ou não, é a minha história. Quem renega a própria história parece mais é com
uma árve de raíz podre, dessas que quarquer vento derruba. Além do mais,
tenho um compromisso com a verdade, e a verdade deve sempre prevalecer. Só a
verdade liberta o homi pra que ele marche seguro em direção à terra da
promissão e da justiça. Pode acreditar, seu moço: Não pode inxistir justiça onde não inxiste verdade.
Naquele
tempo, no tempo em que nasci, num inxistia Lei. Quer dizer, se inxistia eu não conhecia. Ela devia ficar nos lugarejo
bem distante de onde eu vivia. Ali, naqueles pé de serra, o juiz e o delegado
era os sinhô de ingenho. Eles mandava, os feitor obedecia e nóis sufria os
castigo Sabe de uma coisa, seu moço: aquele povo tinha o coração mais duro do
que as pedra que ficava nas encosta das serra. Acho que nunca soubero na vida,
o significado de amor, bondade, fraternidade. Por detrás dessas palavra se esconde muitos
tesouro. Mas essas coisa a gente só compreende adespois que deixa essa casca,
essa prisão, que é o corpo, e sobe pra o céu da glória.
As
coisas que vou dizer aqui são muito forte, se você for fraco no sentimento, e
quiser sair de perto, num faço caso, sei compreender vosmecê. Afinal, não é
todo mundo que tem estomago forte para ouvir essas coisa.
Meu
patrão, ou como se dizia naqueles tempo, “meu dono”, era um homi muito rico. A
casa-grande da fazenda parecia mais um castelo do que uma casa. Eles vivia como
se fosse famia de rei, de tão rico que era. As roupas que eles usava vinha tudo de
longe, de um lugar que eles chamava Europa, disso eu também me alembro. As gema que a Sinhá e as fia usava briava mais
do que o sol. Mais não se engane com
tamanha riqueza e o jeito inducado daquela gente. Por detrás daquelas roupa
fina que o Sinhô usava, e da fala mansa com que tratava as artoridade, se
escondia um carrasco, um tirano da pior qualidade. Era um homem capaz praticar grandes
atrocidade sem um tico de arrependimento. A crueldade daquele marvado eu tive a
infelicidade de conhecer desde muito cedo.
Imagem: http://ojs.gc.cuny.edu/index.php/lljournal/article/view/1346/1426 |
Havia,
no pomar da casa, um pé de figo cheio de fruto. Cada um mais bonito que o outro,
já quase no ponto de ser coídos. Eu era
menino de tudo, se muito tivesse era uns cinco ano de idade. Meu patrão me colocou ali de vigia. Disse que
ficasse ali, e num deixasse nenhuma ave comer os figo. Não queria ver
nenhum estragado. Meu deu uma bassoura
feita com gaio de arve pra que eu afastasse as ave com ela. Chegou um momento
que veio ave demais pra duas mão só. Resultado: os figo ficou tudo furado pelo
bico das ave. O patrão chegou e, quando viu
os fruto bicado, parece inté que saia faísca dos oio dele. Gritou muito
comigo. Como eu num tava acostumado com aquilo, comecei a chorar. As coisa que
ele fez num parou por aí não. Ele chamou
um escravo que passava ali perto e mandou que ele pegasse um bacaiau e me batesse.
As pancada daquele bacaiau doía demais e eu gritava e chorava muito. Minha mãe ficou só de longe vendo aquelas
coisa, mas num podia fazer nada. Entonce, ela saiu devagarinho e foi chorar
escondida, em algum canto da fazenda. E de noite ela ainda tinha que sê forte pra
tratar das minha ferida.
Um
dia, a fia de uma escrava tava limpando os móve da sala, a menina tinha uns... Acho
que ela devia uns sete ou oito ano, se num me faia a memoria, e sem querer dirrubou
um vaso de porcelana que era muito caro. O vaso se espatifou todo no chão. A
menina começou logo a churumingar, dizendo que havia sido sem querer, porém num teve jeito: O marvado pegou a menina pelos cabelo e arrastou ela pra fora de
casa. Levou ela pru quintal e colocou as mão da coitada em cima de uma mesa de
madeira, que sirvia pra as escravas fazer seus trabaio domestico. Ele pediu que
trouxesse um martelo e, com essa ferramenta, cumeçou a quebrar os dedos da mão
dela. Fez questão de quebrar um por um aqueles dedo miúdo. A menina sufruia muito com as dor... E como
chorava a coitadinha... Quanto mais ela dizia: “Sinhô, pelo amor de Deus, não
faz isso comigo não!”, com mais força ele quebrava os dedo dela. Ninguém podia interceder por
ela, até porque, se fizesse isso, também era castigado. Os gritos da menina
chegava a cortava meu coração. Logo tratei de ir buscar lenha bem longe da casa
pra não ter que ver, nem ouvir aquela coisa horrive. A menina era minha amiga,
quando a gente podia, se divertia muito.
Fui
crescendo e fui entrando no mundo de gente grande. Lá vi coisa muito pior.
Imagem: http://escola.britannica.com.br/assembly/143785/Escravos-carregando-cafe-gravura-de-Jean-Baptiste-Debret-1826 |
Pra
começar as condição de vida e de trabaio era sofrida demais. A gente saia pra trabaiá
antes do sol se levantar e só vortava quando ele já tinha baixado. O suor que escorria do corpo negro e cansado
da gente, era testemunha das humiação que a gente passava. A gente comia e
bebia muito poco. O cativo não comia quando ele queira, nem bebia quando
tava com sede. A hora de comer e de beber era a hora que o feitor achasse mió.
Era assim nas lavouras de cana, nas lavoura de café, a gente era tratado pió
que os animá, acho que muitos animá era mais bem tratado que a gente, era só espiá
os cavalo do patrão. A gente num podia discansar da lida, de jeito nenhum. Se
sentar pra descansar um pouco? Tava doido quem fizesse isso. Até pra engolir
um pouco de comida, tinha que ser de pé. Ai de quem o feitor pegasse
conversando com o companheiro do lado.
Me alembro
que um dia, um companheiro que trabaiava do meu lado, tava quage desmaiando de
tanta sede. O homem não aguentou e foi
até onde tava o feitor e pediu um gole d’água. Sabe o que o ingrato fez? Chamou
ele de negro preguiçoso e mandou que amarrasse ele no tronco de uma árve e o chicoteasse.
Só adespois de ver o sangue escorrendo pelas costas do escravo é que ele foi
mandado de vorta pra terminar o serviço.
Ás
véis ficava pensando naquele sufrimento todo que a gente passava. No fim das
conta, o que fazia um homem sê maiô que outro? A cor da pele? Os homens não
devia ser julgado pela cor da pele. Muito meno pelas religião, ou quarquer outra coisa. O caráter de um
homem é que devia dizer se ele era bom ou ruim. Um sistema onde os homi são tratado
como bicho ou como mercadoria num é um sistema justo. Onde está o pogresso nesses
caso? O monstro da escravidão, só teve força pra ficar vivo tanto tempo porque
contou com o apoio daqueles que devia invitar isso: o tal de Estado e a Igreja.
Mas qual nada, Estado e a Igreja era tudo farinha do mermo saco.
Imagem: http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/2013_06_01_archive.html |
Cansei
de ver político e padre, saindo da fazenda com os bolso cheio de moeda de ouro
ou de prata. Aí é que está o X da questão. Os ricos e poderosos tinha dinheiro para
oferecer. E nois, raça sofrida, o que tínha? A gente num podia oferecer era
nada, só tinha muito trabaio e o corpo pra receber pancada.
Um
dia, aquele escravo que pediu água ao feitor, aquele de quem falei antes, não
teve mais força pra aguentar tanto sufrimento e resolveu fugir. O Sinhô, mandou
uma milícia atrás dele e, tanto fizeram, que truxero ele de vorta. Amarraro o
coitado no tronco fizero ele levar chicotada das dez hora da manhã, até o
fim da tarde. O sangue dele escorria na terra como se fosse um rio. Depois desse castigo feio, o marvado do
patrão mandou amarar as mão e as perna dele jogaro o pobre coitado dentro de
uma carroça. Só vi quando a carroça
partiu em direção a floresta.
Quando
a milícia vortô já era de noite. Ninguém falô nada. Vinha todo mundo quieto.
Mais tarde, deitado naquela cama dura da senzala, perguntei baixinho a um que
dormia ao meu lado: “E aí? O que fizeram com ele”? O escravo respondeu
baixinho: “O carrasco mandou jogar ele vivo dentro de um grande formigueiro de
saúvas. Até agora meus ouvido escuta os grito do homi”. Um calafrio subiu e
desceu pelo meu corpo. Naquela noite não consegui durmi.
Houve
muitos casos de crueldade que ficaro guardados naquelas senzala. Num era de
interesse de ninguém que isso ficasse conhecido. Nem o Estado e, muito menos, a
Igreja. Apesar disso, não guardo ódio nem rancor dos meus algoz. No mundo
espiritual, onde vivo hoje, ódio e rancor são como se fosse corrente pesada
amarrada nos pé ou no pescoço. E com corrente em quarquer parte do corpo é difici se movimentá. Quando tava na terra,
carreguei muita corrente de aço. Hoje, num quero mais saber desse peso
não, nunca mais. Hoje, quero apenas a liberdade que o espírito me permite de ir pra onde eu quiser, andando pela cidade de luz, distribuindo a todos a bondade e a
caridade.
Ainda
antes de vortá pra lá, quero dizê a vosmecê que, quando vosmecê agride os irmão de
humanidade, quando olha com preconceito pra quem quer que seja, vosmecê
cria um campo de energia ruim que faz alembrar aquela gente cruel. Vou contar
um segredo para vosmecês, e mais num posso falá: hoje quem carrega corrente
pesada é aqueles que no passado, castigou e oprimiu os seu semelhante, sem levar em conta a lei
do amor e da caridade.
Com
a permissão de vosmecê, tenho que me retirar agora. Preciso ir pra outras
terra. Visitar outros irmão.
Fique com Deus. Deus abençoe vosmecê.
***
PEQUENO
VOCABULÁRIO
Adespois – depois
Andá – andar
Animá - animal
Arve – arvore
Bacaiau(bacalhau) - chicote
Briava – brilhava
Coídos - colhidos
Churumingar – chorar baixinho
Durmi - dormir
Difici – difícil
Entonce - então
Espiá - Olhar
Esquecê – esquecer
Falô - falou
Famia – familia
Fizero - fizeram
Humiação - humilhação
Homi – Homem
Horrive - horrivel
Ingenho- engenho
Inté – até
Inxistir – existir
Maió – maior
Móve – móvel
Marvado – malvado
Mió – melhor
Oio – olho
Poco - pouco
Pru – para o
Pió – pior
Pogresso - progresso
Quarquer – qualquer
Quage - Quase
Roça- plantação
Sufria - sofria
Senzala –
Alojamento onde viviam os escravos
Sirvia – servia
Trabaio – trabalho
Truxero - trouxeram
Vortava – voltava
Vosmecê - você
Vortá - voltar
Véis - vezes
Vortô - voltou