Uma doença chamada bolsonarismo
Terça-feira, 25 de outubro
Reta
final de campanha. Última semana. E nós sabíamos que ela começaria quente, mas
não tínhamos ideia de que a última semana de campanha começaria de forma
incendiária. Falo da tentativa de assassinato de quatro policiais pelo
ex-deputado, presidente do PTB, e apoiador do presidente Jair Bolsonaro. Os
caros leitores e leitores já devem estar inteirados desse fato pois ele tem
dominado o noticiário desde a tarde de domingo.
Falemos
deste assunto mais adiante.
Antes,
gostaria de abordar a questão da matéria publicada no The New York Times
criticando duramente as medidas tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes para
combater as fake news. A matéria do jornal foi publicada na edição de
sexta-feira, 21 de outubro.
A
reportagem intitulada One man can now decide what can be said online in
Brazil (Um homem agora decide o que pode ser dito online no Brasil) coloca
no centro da discussão o ministro do STF e presidente do Tribunal Superior
Eleitoral e o poder a ele conferido de retirar do ar nas redes sociais nas eleições
deste ano as notícias falsas.
O
NY Times pega pesado nas críticas, o veículo de comunicação diz que as medidas
adotas pelo STE são “as ações mais
agressivas tomadas por qualquer país para combater notícias falsas”.
“A medida culmina em uma estratégia cada vez
mais assertiva das autoridades eleitorais no Brasil para reprimir a
desinformação que inundou a corrida presidencial do país nos últimos dias,
incluindo alegações de que os candidatos são satanistas, canibais e pedófilos”,
destaca o jornal.
O
jornal americano continua suas críticas dizendo que o poder do TSE de retirar
do ar, de forma unilateral, notícias que não sejam verdadeiras, abre caminho
para a discussão de onde pode ir parar essa iniciativa. O raciocínio é o de
que, ao ter poder unilateral para coibir a veiculação de notícias falsas o
órgão pode estar entrando senda que leva ao autoritarismo e “que poderia ser usada para censurar
legítimos pontos de vista e balançar a disputa presidencial”.
Depois
o NY alterou o título da reportagem que passou a se chamar “To fight lies,
Brazil gives one man power over online speech” (Para combater mentiras,
Brasil dá a um homem poderes sobre discurso online).
Nessa
eleição o TSE agiu não somente contra as redes sociais, mas também para coibir
ações da rádio Jovem Pan. A rádio é claramente pró-governo, e não se pode dizer
dela que pratica isenção. Durante a pandemia, a JP ajudou a disseminar as
teorias do presidente sobre remédios sem compravação contra a Covid-19, e nas
eleições deste ano privilegia em suas reportagens o candidato Jair Bolsonaro
(PL).
Por
esse motivo, e para não desequilibrar a disputa, o Tribunal Superior Eleitoral
resolveu punir a emissora pelos comentários considerados distorcidos e
ofensivos ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Todas
as pessoas são inocentes até que juiz competente e isento análise eventuais
acusações, pondere provas e decida por sua culpa. Assim, como não há se falar,
na espécie, em dúvida quanto à anulação das condenações contra o representante,
há fato sabidamente inverídico a ser combatido e contra o qual cabe direito de
resposta”, disse o ministro Alexandre de Moraes em sua decisão.
As
decisões de Alexandre de Moraes são criticadas inclusive no Brasil. Mas,
particularmente, entendo que as decisões do ministro têm sido muito acertadas.
Esse blog já foi crítico do inquérito das fake news e da forma como ele foi
instalado, o que também foi alvo de fortes criticas por parte dos
especialistas.
Porém,
com a enxurrada de fake news tem se propagado no Brasil, espalhando mentiras e
destruindo reputações, as decisões de Alexandre de Moraes podem até ser
controversas, mas são absolutamente necessárias.
Quanto
a reportagem publicada pelo The New York Times, com críticas ao ministro é um
olhar de fora. Um estrangeiro não vai poder captar com tanta facilidade as
tensões e medos pelos quais passam os brasileiros. Se é verdade que os dois
lados embarcaram na canoa dos ataques e ofensas, também é verdade que os
bolsonaristas são bem mais agressivos e violentos.
Tanto
é que, ao andar nas ruas, ao olhar para o alto, para a janela dos edifícios,
não se veem adereços ou vestimentas relativas ao candidato Lula. As pessoas que
votarão nele também evitam, ao máximo, expor seu voto publicamente. Muitas
personalidades, autoridades, especialistas tem declarado apoio a Lula, mas nas
rodas particulares de conversas, nos ambientes de trabalho, ninguém ousar nem
dizer que votará no Lula. Isso se chama medo. Quem vota no PT nessas eleições
será voto silencioso.
Na
quinta-feira, o TSE aprovou uma nova resolução que torna mais fácil o processo
de remoção de conteúdo das plataformas digitais. Segundo essa mesma resolução,
fica proibido a propaganda eleitoral às vésperas e no dia da eleição, e também
nas 24 horas seguintes. O texto aprovado pelos ministros, após um conteúdo ser considerando
como fake news, Alexandre de Moraes tem o poder de, não apenas retirar o
conteúdo do ar, como também estender a decisão para páginas e conteúdos
semelhantes. Provavelmente, tenha sido essa decisão que motivou o artigo com
críticas a Alexandre de Moraes no NY Times.
Augusto
Aras, procurador-geral da República, entrou com pedido no STF para suspender a
medida. O plenário do STF se reuniu, em modo virtual, na tarde desta
terça-feira, 25, e negou o pedido de Augusto Aras, que é aliado de Bolsonaro.
Voltemos
ao caso do ex-deputado Roberto Jefferson. Os fatos narrados aqui, em relação a
esse episódio, baseiam-se em reportagem da Folha de São Paulo.
No
domingo à tarde, uma equipe da Polícia Federal foi até a residência dele que
fica na cidade de Comendador Levy Gasparian, Rio de Janeiro, distante cerca de
140 km da capital.
Por
volta do meio dia, a viatura policial chegou à casa dele. E o que era para ser
uma prisão simples, tornou-se como uma daquelas cenas clássicas de enfretamento
entre polícia e bandido e, por muito pouco, o país não viveu mais uma tragédia.
Há
alguns meses Jefferson havia colocado um portão de ferro na frente da
residência. Enquanto tocavam o interfone, um policial pulou o portão que estava
trancado com cadeado. Os policiais portavam apenas pistolas Glock. Não levaram
fuzil. Nem imaginavam com quem estavam lidando.
Jefferson
então surgiu no alto de uma sacada de onde os policiais só conseguiam avistá-lo
da cintura para cima. Ele já saiu avisando aos agentes policiais que não seria
preso. Os policiais então informaram a ele que portavam um mandado de prisão
expedido por Alexandre de Moraes.
Ao
ouvir isso, Roberto Jefferson mostrou uma granada aos policiais, tirou o pino,
e disse ironicamente: “Vocês estão
juntinhos aí, vão se machucar”, disse ele e, em seguida, jogou o artefato
em direção aos policiais. Ao perceber esse gesto, os policiais correram para
trás da viatura para tentar se proteger da explosão. Mais duas granadas foram
lançadas pelo bandido.
Já
tomados pelo terror, os policiais ouviram então voar na direção deles uma
saraivada de tiros de fuzil. Enquanto tentavam se proteger o delegado Maurício
Villela, e a agente Karina Lino perceberam que tinham sido atingidos e estavam
sangrando. A agente foi atingida por estilhaços na região da bacia, da testa,
das pernas, e dos braços e Villela, por estilhaços na cabeça. Mesmo assim ele
disparou em direção a Jefferson.
O
escrivão Daniel Costa tentou atirar também, porém a arma falhou. A policial
ferida emprestou a arma dela para o escrivão e ele também atira. A quantidade
de sangue que escorria da cabeça de Villela era muito grande e atrapalhava a
visão do olho direito.
Uma
pessoa que se identificou como cunhado de Jefferson socorreu os feridos e os
levou a uma unidade de saúde em Levy Gasparian, onde receberam os primeiros
socorros. Em seguida, seguiram de ambulância para um hospital. Felizmente, os
ferimentos não foram muito graves e eles já estão em casa, se recuperando.
A
Constituição Brasileira diz que todos são iguais perante a lei. Porém, os ricos
e brancos são mais iguais que os outros. Por exemplo, mantenhamos a cena,
mudando apenas o ambiente do crime.
Se
fosse numa favela, ou em alguma outra região pobre de alguma cidade, o que
aconteceria com quem atirou granadas e disparou tiros de fuzil contra
policiais? Se fosse um negro? Vocês acham que teria havido alguma negociação
para a rendição? Claro, que não. Esquipes de reforço teriam sido solicitados e
chegado em tempo recorde. E o sujeito fuzilado.
Mas,
não foi o que ocorreu no caso em questão. Do momento em que os fatos ocorreram até
que o bandido fosse efetivamente preso passaram-se mais de oito horas.
Jefferson exigia a presença do ministro da Justiça, Anderson Torres, para que
se entregasse. O presidente Jair Bolsonaro até chegou a enviar Torres para ir
até o local, mas conforme o tempo ia passando, a repercussão negativa do caso
ia crescendo e o presidente desistiu da ideia.
O
presidente deve ter ponderado que colocar o Anderson Torres na cena do crime
comprometeria ainda mais o presidente. Então o ministro nem chegou a ir lá.
Ficou pelo meio do caminho mesmo. Participou das negociações, mas por telefone.
Durante
todo o restante do domingo, autoridades se manifestaram repudiando e condenando
o ato de Roberto Jefferson. No QG bolsonarista ficou uma certa confusão. Que
lado se posicionar? Defender ou atacar Jefferson? Afinal, é um aliado do
presidente. Mas se defender Jefferson vai ficar contra os policiais.
Vários
bolsonaristas foram para a frente da casa do ex-deputado. Um deles deu soco que
atingiu um jornalista, o jornalista caiu, bateu a cabeça no chão, ficou
desacordado e foi levado para o hospital. Felizmente, com ele também não
aconteceu o pior. Assim, são os bolsonaristas. Irracionais. Outros como Daniel
Silveira já estavam até organizando caravana para ir até a casa do ex-deputado
para defender o “patriota” Roberto Jefferson.
Ressalto
ainda as ofensas que o aliado do presidente ofendeu com palavras do mais baixo
calão a ministra Carmem Lúcia por causa do voto dela favoreceu à punição à
rádio Jovem Pan. As palavras que ele usou para ofender a ministra são tão
ignomínias, tão abjetas que nem as reproduzirei aqui. O vídeo com as ofensas
foi publicado na rede social da filha dele, Cristiane Brasil.
Porém,
o mais impressionante de tudo isso, é que nada parece abalar a confiança dos
bolsonaristas no presidente. É como me disse uma amiga essa semana: “O
bolsonarismo é uma doença”. Concordo com ela. E acrescento: Uma doença grave.
Esse
que vos escreve tem, ao mesmo tempo, medo e pena dos bolsonaristas. Medo porque
são muito violentos, capazes de qualquer tipo de violência, seja ela física ou psicológica.
Vocês têm visto, acompanhado pela imprensa os casos, os mais esdrúxulos possíveis,
protagonizado pelas hordas bolsonaristas. Temos o caso de invasão de igrejas,
mortes, socos e pontapés em que discorda e ousa criticar o presidente, patrões
ameaçando demitir empregados se eles não votarem em Bolsonaro, e diversas
atitude fora do padrão.
Conto-vos
apenas uma destas violências que não chega a ser física — mas se precisar, eles
pegam em armas e saem às ruas enlouquecidos para defender o “mito”, disso não
tenham dúvida. Um médico obstetra do estado do Pará está sendo investigado pelo
Conselho Federal de Medicina por constranger uma mulher a votar em Bolsonaro na
hora do parto.
O
bebê acabara de sair do útero da mãe. A enfermeira faz os primeiros cuidados na
criança. Enquanto isso o médico filma a cena e diz: “Hello, eu sou o Gael
[bebê], já nasci 22 e vou votar no Bolsonaro”.
O
hospital onde o médico fez o parto tem por padrão que o pai da criança se vista
com uma roupa vermelha. O médico reclama dessa prática, e continua: “E o
doido não veio dizer que ele vai votar no Lula, e eu digo: rapaz, tu quer que
eu vá já embora e nem opere ela”. Ele aproxima a filmagem do rosto da
paciente, e diz: “Essa aqui é a mamãe do Gael. Dia 30, ela vota? 22. Diga
que eu vou mandar pro Bolsonaro esse vídeo, ele está agora numa live”. A mulher
ri de forma constrangida. Esse fato aconteceu no dia 30 de outubro.
O
próprio médico postou o vídeo nas redes sociais. Depois da repercussão ele
apagou. E disse que o vídeo tinha sido manipulado, e estava sendo tirado do seu
contexto. Mas se esquece que são imagens, e contra fatos não há argumentos.
Tenho
uma amiga que está com início de depressão. Ela publicou no grupo da família e
amigos no WhatsApp que, no primeiro turno da eleição, votaria em Simone Tebet. As
críticas vieram pesada sobre ela. Quando ela falou que não gostava de Bolsonaro,
então as coisas pioram e muito. Muitos se afastaram e outros a bloquearam. Atitudes
como essa beiram a irracionalidade. E o pior é que isso acontece não só nessa
família, mas em milhares de outras.
Disse-vos
por que tenho medo do bolsonarismo. Digo-vos agora por que tenho pena. Eles há
tempos esqueceram de raciocinar com a própria cabeça. Eles não pensam. São comandados
pelas ordens que vem das redes bolsonaristas. Eles pensam aquilo que os alimentadores
querem que eles pensem, e fazem aquilo que os produtores de fake news querem
que eles façam.
Muitos
são os exemplos, mas fiquemos apenas com dois mais recentes. Um é o caso do
Roberto Jefferson aliado de primeira hora de Bolsonaro. Um porta-voz da extrema
direita radical admirado pelos bolsonaristas. Até domingo, ele era ídolo para
os bolsonaristas, exemplo de patriota, e agora virou bandido ligado ao
presidente Lula. Isso mesmo, as redes bolsonaristas agora ligam Jefferson ao
Lula. Vejam também como eles ficaram feito baratas tontas à espera de como agir
no caso, se condenavam o ex-deputado ou se o exaltavam.
Outro
caso é o de Sérgio Moro, que saiu do governo acusando o presidente de
interferir na Polícia Federal, e de corrupção. Moro que, para eles, era herói,
da noite para o dia, virou traidor. Aí vem o oportunismo de Sérgio Moro e leva
ele para o lado de Bolsonaro novamente na tentativa de se eleger senador. Se elegeu.
Declarou apoio a Bolsonaro no segundo turno. E não foi apoio tímido, não. Foi envolvimento
mesmo. Moro acompanhou Jair Bolsonaro no debate da Band e gravou vídeo para o
horário eleitoral gratuito de Jair Bolsonaro. E agora Moro que era traidor
virou herói e amigo novamente.