Câmara de gás em Sergipe
Sexta-feira, 27 de maio
Pensemos no maestro de uma orquestra. Ele está ali para fazer com que instrumentos diferentes, tocados por pessoas diferentes, façam ecoar sons diferentes. Apesar dessas disparidades, a função do maestro é fazer com que a música tocada por cada um dos músicos sob seu comando faça ecoar música de forma harmoniosa.
Sendo assim, o maestro é o homem que
pode fazer os ouvidos da plateia se deleitar com a execução das músicas, ou sair
do espetáculo profundamente aborrecida com a desafinação dos músicos e dos
instrumentos.
Entenderemos mais à frente por que
comecei usando a figura da orquestra e do maestro em um texto que fala de
morte.
Voltemos nossa atenção do maestro para
algum carrasco nazista em alguns dos campos de concentração, em algum lugar da
Alemanha nazista. O que levava aqueles carrascos de negros, deficientes
físicos, homossexuais, ciganos e, especialmente, de judeus a colocarem seres
vivos em câmaras de gás, e exterminá-los com um sorriso nos lábios? Senso de superioridade,
de dever cumprido? Perguntas difíceis, eu sei. Tem que ser especialista para
desvendar e decifrar mentes assassinas.
O fato é que resquícios do método
nazista de exterminar pessoas em câmaras de gás despontou na quarta-feira, 25,
na cidade de Umbaúba, litoral Sul de Sergipe. E os agentes causadores agiram
com a mesma brutalidade e frieza para com um cidadão, negro, com problemas
mentais, do mesmo modo como agiram os carrascos nazistas comandados por Hitler.
Era início da tarde de quarta-feira,
25. Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, seguia, de moto, sem capacete, por uma
rodovia do munícipio de Umbaúba. Quando foi abordado por agentes da Polícia
Rodoviária Federal. Os policiais já começaram fazendo uma abordagem truculenta,
como se estivessem diante de um perigoso bandido.
Amedrontado, Genivaldo puxa do bolso os
remédios que tomava, juntamente com a receita médica, para mostrar aos
policiais que tinha problemas mentais. Os policiais desconsideram tudo isso, e pediram
para Genivaldo colocar as mãos na cabeça.
O homem não mostrou reação alguma de
violência contra os policiais, ainda assim foi agredido por eles. Um dos
policiais bota as mãos dele para trás e começa a chutar as pernas dele. Derrubam
ele não chão. “Por que estão fazendo isso comigo, se eu não fiz nada com
vocês?” Pergunta o homem.
Mal sabia ele que o pior ainda estava
por vir. Os policiais jogaram uma bomba de gás lacrimogênio e spray de pimenta
dentro do porta-malas da viatura, coloram Genivaldo lá dentro, deixando de fora
apenas as pernas da vítima. A fumaça era tanta que quase encobria a viatura.
Tudo isso aconteceu a luz do dia, e com
testemunhas. Dentre as pessoas que presenciavam a terrível cena foi possível
ouvir um homem dizer: “Vão matar o rapaz”.
Enquanto isso, já dera tempo de os
parentes de Genivaldo serem avisados do que estava acontecendo e virem em
socorro do rapaz. A mulher, a irmã, e outros familiares imploraram para que os
policiais parassem com a brutalidade e retirassem o rapaz do porta-malas do
carro. Mas parece que eles estavam mesmo determinados a executar o homem.
A confusão toda durou cerca de meia
hora. Genivaldo então foi trancado no porta-malas da viatura, e levado ao
hospital, no mesmo porta-malas onde os policiais haviam jogado a bomba de gás
lacrimogênio a pouco tempo. Segunda a equipe a equipe médica que fez o primeiro
atendimento, ele já chegou sem vida à unidade de saúde. O Instituto Médico
Legal de Sergipe afirmou que a causa da morte de Genivaldo de Jesus dos Santos
foi insuficiência respiratória aguda e asfixia.
Diante das evidências, das gravações
feitas com celulares, de testemunhas do ocorrido, a Polícia Rodoviária declarou
em nota que “devido à reiterada desobediência às ordens dos policiais e em
função da agitação de Genivaldo, tornou-se necessário realizar sua contenção”,
e que o rapaz havia falecido, não em decorrência da abordagem truculenta dos
PMs, mas devido a um “mal súbito”.
A morte provocou a revolta da
população, e reação de entidades. “Não é esse tipo de proteção que a
sociedade espera da polícia. A OAB já expediu um ofício à PRF para obter
maiores informações, designar uma reunião e solicitar que todo o amparo seja
oferecido aos familiares”, disse Danniel Alves da Costa, presidente da
OAB-Sergipe.
Diante da repercussão do caso, a PRF
afastou os agentes envolvidos no crime. Mas afastar das funções esses agentes,
não basta. Eles sim, são criminosos e, como todo criminoso, devem ser levados a
julgamento, e depois de condenados, amargarem alguns bons anos na cadeia.
Em maio de 2020, morria em Mineápolis,
Minnesota, EUA, George Floyd. Homem negro, morto por asfixia, devido a ter
passado vários minutos com o pescoço debaixo do joelho de um policial branco.
Quem diria que, em maio de 2022, iríamos assistir, no Brasil, a morte de um
homem, de forma ainda mais brutal que a morte de Floyd em terras americanas, e,
ironicamente, por quem devia proteger o cidadão.
Um dia antes, na terça-feira, 24, a
Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, havia sido
banhada de sangue em uma operação que se tornou a segunda mais letal da
história do Rio de Janeiro. A primeira operação mais letal do Rio de Janeiro,
ocorreu ano passado, em maio de 2021, no Jacarezinho, e resultou em 28 mortes.
“Existe
indícios de execuções, em algumas regiões. Indícios de que pelo menos uma
pessoa foi torturada antes de ser morta, ontem. E existe indícios de mortos a
facadas. Então, a gente está aguardando o desenrolar da perícia do IML para ver
em que condições essas pessoas foram mortas”, disse Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos
da Ordem dos Advogados do Brasil, da OAB-Rio de Janeiro.
Onde está o sucesso da polícia nessas
operações desastradas, e que mais parecem execuções do que operações policiais?
A PM entra nos morros cariocas em busca de bandidos, mas desconsidera o fato de
que naquelas comunidades existem trabalhadores, existem crianças, existem
idosos, enfim, existem cidadãos que não tem nada a ver com o crime, e que são
tão honestos quanto eu ou você.
Não sou a favor de bandidos, nem serei.
Quem fez o errado tem que pagar por ele. Mas não vou aqui também defender ações
desastradas da polícia, como a que resultou na morte do homem em Sergipe, e
essa operação feita pela PM na Vila Cruzeiro.
E o maestro, o que tem a ver com tudo
isso? Deve estar perguntando vocês.
Metaforicamente, podemos dizer que o
presidente é um maestro. Está sob o comando dele a batuta que pode trazer a paz
ou a guerra a uma nação. E essa letalidade, essa brutalidade com que tem agido
a polícia brasileira tem muito a ver com palavra de ordem que sai da boca do
ocupante temporário da cadeira presidencial no Palácio do Planalto.
Por exemplo, nas duas maiores operações
mais letais da história do Rio, tanto na do Jacarezinho, em 2021, quanto a recém-ocorrida
na Vila Cruzeiro, em ambas o presidente veio a público elogiou o trabalho da
polícia. Com isso, ele estimula o lado mais perverso dos policiais, estimula-os
a agir como executores, e não como cumpridores da lei, e protetores da vida do
cidadão.
Bolsonaro é não é um ser que transmite
vida, mas que louva a morte em todas as suas formas, seja na forma pandêmica,
quando estimula seus concidadãos a saírem de casa e se contaminarem com o
vírus, seja na forma de violência policial quando estimula os policiais a
saírem por aí matando como se fossem assassinos de aluguel do Estado.
Mas tudo isso pode ter um fim nas
eleições de outubro deste ano. Obviamente, os problemas estruturais do Brasil
não deixarão de existir se Bolsonaro deixar de ser presidente, mas, com
certeza, com Bolsonaro eles se tornarão cada vez mais dominantes.
Em seu artigo no portal UOL, o
jornalista Kennedy Alencar diz: “Temos um
presidente que se comporta um genocida. Suas palavras e atitudes na área de
segurança pública estimulam o guarda da esquina a agir no modo assassino.
Bolsonaro avaliza a selvageria”.
Kennedy diz ainda em seu artigo que
Bolsonaro “oferece aos brasileiros a paz dos cemitérios”. E nós,
brasileiros e brasileiros, não queremos esse tipo de paz. Queremos, sim, uma
paz que nos vivifique, que nos renove.
Por isso, caros leitores e leitoras, se
não quisermos viver um inferno por mais quatro anos, é urgente retirar esse
homem que brinca de ser presidente, que brinca com o sentimento dos brasileiros,
que zomba do sentimento humano, precisamos retirá-lo da cadeira presidencial, e
de preferência, no primeiro turno das eleições. Não podemos correr riscos.
Este blog ainda falará desse assunto,
mas a terceira via parece ter-se esvaído, virado fumaça no ar. É quase certo
que só restarão dois polos na eleição de outubro: Lula e Jair Bolsonaro. Quem
acompanha esse blog desde o início sabe que o Cottidianos já foi muito crítico
do Lula e do PT, e continua sendo. Mas é como diz o ditado popular: “Dos
males, o menor”.
Ainda mais uma palavra acerca dessas
ações selvagens da PM que temos visto ultimamente: A violência
institucionalizada, e o preconceito disfarçado que existe na sociedade
brasileira, muitas vezes praticados por agentes do estado tem um endereço
certo: pobres e negros. Fica esse ponto também para nossa reflexão.
Abaixo, segue link para o Jornal
Nacional com reportagem sobre o caso Genivaldo. Imagens fortes.