O luxo da alegria e tensão do cabo de guerra
Terça-feira,
26 de abril de 2022
“Seus filhos
Erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal
Tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia
Que se chamava carnaval”
(Vai Passar – Chico Buarque)
Enfim,
uma notícia boa no Brasil aconteceu nesse fim de semana.
As
escolas de samba do Rio e São Paulo voltaram à avenida em um carnaval fora de
época em decorrência da pandemia de covid-19 que impediu que a festa fosse
realizada no período costumeiro.
Desde
o início da pandemia já são 662.701 vítimas da doença, e 30.345.397 são os
casos registrados desde o início da pandemia. Porém, tanto o número de mortes,
quanto o número de casos estão em decréscimo.
Nas
últimas 24 horas, de sábado para domingo, de acordo com dados coletados junto
as secretarias estaduais de saúde pelo consórcio de imprensa formados pelos
veículos de comunicação; G1, o Globo, Extra, O Estado de São Paulo, Folha de
São Paulo, e Uol, foram registradas 38 mortes por covid, e 3.543 novos casos.
A
média de casos está em queda de 38%. Por dia surgem atualmente 13.902 casos. A
média de mortes está em 32%. São 99 mortes diárias.
Apesar
disso, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga anunciou, no domingo, 17 em cadeia
nacional de rádio e televisão, que o governo iria publicar nos dias
subsequentes, ato normativo colocando um ponto final na emergência sanitária
instituída em decorrência da covdi-19. De fato, na sexta-feira, 22, o ministro
assinou a portaria que estabelece o fim da Emergência de Saúde de Importância
Nacional (Espin), que havia sido instaurada em fevereiro de 2020 por causa da
covid.
Obviamente,
o Palácio do Planalto já vinha pressionando o ministério da Saúde para que
tomasse tal atitude. Mais um ato eleitoreiro. Vale lembrar a forma como o
governo federal tratou a doença desde o seu início. Se dependesse do governo
não teria havido Emergência de Saúde nenhuma, muito menos medidas sanitárias
para conter a doença teriam sido adotadas. Lembrando que a OMS ainda não
decretou fim da Emergência Sanitária por causa da covid-19.
Enfim
foi nesse contexto mais leve de covid que as escolas de samba do Rio e de São
Paulo entraram na avenida, neste sábado (22), e no domingo (23), com muito luxo
nas fantasias, muito samba no pé, e muita alegria no coração. Foi bonito de ver
a satisfação no rosto dos participantes das escolas. As agremiações trouxeram
para a avenida muita crítica social e temas relacionados as religiões
afro-brasileiras. A luta contra o preconceito racial também esteve presente nos
enredos das escolas.
Nesta
terça-feira, 26, serão conhecidas as escolas campeãs do carnaval carioca e do
carnaval paulista.
Enquanto
Rio e São Paulo se esbaldavam em clima de intensa alegria na avenida do samba,
em Brasília o tempo fervilhava. Igual ao Etna quando entra em erupção, cuspindo
larva com toda força de seus pulmões.
Na
quarta-feira, 20, o plenário do STF se reuniu para julgar o caso do deputado
Daniel Silveira. O deputado é acusado pela Procuradoria-Geral do Estado pelos
crimes de coação (uso da força) no curso de um processo judicial, por incitar
animosidade entre as forças armadas e por tentar impedir o livre exercício dos
Poderes da União. Os respectivos crimes aconteceram entre 2020 e 2021.
Na
ocasião, Daniel Silveira, publicou em suas redes sociais vídeos de forte
conteúdo com ofensas e ameaças aos membros do STF, em especial, ao ministro
Alexandre de Moraes. O parlamentar também defendia nesses vídeos uma
intervenção militar, o que é inconstitucional.
Apenas
o ministro Nunes Marques, indicado por Bolsonaro, votou pela absolvição do
deputado. Os outros 10 ministros votaram pela condenação dele, inclusive André
Mendonça, também indicado por Bolsonaro. O parlamentar foi condenado a 8 anos e
9 meses de reclusão. Apesar de decisão desfavorável, ele não foi preso nem
perdeu o mandato imediatamente, pois ainda cabe recurso da decisão. Entretanto,
por causa da condenação, o deputado se torna inelegível, e não poderá disputar
as eleições em outubro deste ano. Silveira pretendia concorrer ao cargo de
senador pelo Rio de Janeiro, com apoio da base bolsonarista.
Findo
o julgamento, então apareceu o menino mimado querendo medir forças. Brincar de
cabo de guerra, ou de jogo da corda, como também é conhecido. Acho que os caros
leitores e leitoras conhecem esta brincadeira, e eventualmente, até brincaram
dela.
Esse
jogo envolve forças. As duas equipes medem forças entre si puxando uma corda. É
demarcado um ponto central e vence o jogo quem conseguir puxar o oponente até
que ele cruze a linha demarcada. Outra forma de vencer o jogo é fazer o
oponente cometer uma falta.
O
menino mimado, que no caso é o presidente da República, resolveu brincar desse
jogo. Esticar a corda. Mas antes fosse um jogo. O que ele quer mesmo é criar
tensão. Tem feito isso desde que botou os pés na presidência.
Daniel Silveira e Jair Bolsonaro
Inconformado
com a sentença dada pelo STF ao deputado Daniel Silveira, Bolsonaro resolveu
conceder a ele um recurso legal chamada “graça presidencial” previsto no artigo
134 do Código Penal. O termo “graça presidencial” pode ser substituído por
perdão. Pois foi isso mesmo que o presidente fez. Concedeu perdão a Daniel
Silveira, usando o seu poder presidencial para contrariar uma ordem do Supremo
Tribunal Federal.
Até
agora a “graça constitucional” só havia sido concedida em ocasiões especiais
como Natal, Páscoa, Dia dos Pais, e Dia das Mães, e sempre privilegiou um grupo
de pessoas, e não apenas um único indivíduo. No caso, um político, aliado do
presidente.
O
decreto foi lido pelo presidente em suas redes sociais, e posteriormente,
publicado no Diário Oficial da União. Na live na qual foi lida o decreto, Bolsonaro
disse: “A sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação
de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela
Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão”.
Quando
o presidente, diz que “a sociedade encontra-se em legítima comoção” por
causa da condenação do deputado pelo STF, entenda-se como “sociedade” os grupos
bolsonaristas, e apenas eles, ficaram em polvorosa com a condenação do parlamentar
e depois sentiram-se regozijados com o decreto do presidente concedendo perdão
a ele.
A
notícia caiu como uma bomba no meio político e em setores da sociedade. Na verdade,
quem não concorda com os métodos radicais desse grupo que está hoje no poder,
ficou boquiaberto com a atitude do presidente.
Rede
Sustentabilidade, PDT e Cidadania, partidos de oposição, recorreram ao STF para
tentar derrubar o perdão presidencial a Daniel Silveira. As siglas dizem que há
desvio de finalidade no ato do presidente, além de ser uma violação dos
princípios da moralidade e da impessoalidade. Segundo esses partidos, o presidente
agiu em função do interesse pessoal, e não do interesse público, uma vez que
Daniel é aliado de Bolsonaro.
Na
ação proposta pelo Rede Sustentabilidade, um trecho diz: “O presidente da
República não pode tomar medidas inconstitucionais a seu bel prazer, sob o
único pretexto de satisfazer suas vontades pessoais de fazer acenos indevidos
às suas bases eleitorais. Do contrário, seria melhor reconhecermos, de logo, a
volta a um Estado tirano, em que a vontade que impera é a de seu comandante,
sem existirem direitos fundamentais oponíveis às pretensões autoritárias do
governante”.
O
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, agiu como Pilatos lavando as mãos, ao
dizer que o Congresso não revogará o decreto presidencial.
Na
Câmara dos Deputados a oposição também se movimenta. Cinco projetos tentam sustar
os efeitos do perdão presidencial ao deputado Daniel Silveira. Mas na Câmara,
Bolsonaro também tem um aliado forte na pessoa do presidente daquela casa,
Arthur Lira. Ás vezes, fica difícil saber se Lira é líder do governo ou
presidente da Câmara. Outro servo do presidente é o Procurador Geral Augusto
Aras. No STF, tem o Nunes Marques passando o pano no chão onde Bolsonaro pisa. E
assim, o monstro vai estendendo seus braços sobre o TCU, a Polícia Federal, o
Ibama, os militares etc.
Entendem
os caros leitoras e leitoras como é nociva a influência de Bolsonaro sobre as
instituições? Ele está conseguindo amarrá-las e fazê-las trabalhar para ele, e
não para o Brasil. O bolsonarismo faz uma lavagem na cabeça de seus seguidores
e deixa eles com a certeza absoluta de que o presidente sempre faz a coisa
certa. Nem percebem que as coisas na Venezuela começaram assim, e que assim os
ditadores mundo afora domam seu gado, mentindo e manipulando a realidade.
Neste
domingo, 24, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, dava palestra no Brazil
Summit Europe 2022, evento realizado por uma universidade alemã, quando disse
que as Forças Armadas estão sendo orientadas a atacar o processo eleitoral. “Desde
1996 não tem um episódio de fraude no Brasil. Eleições totalmente limpas,
seguras e auditáveis. E agora se vai pretender usar as Forças Armadas para
atacar? Gentilmente convidadas a participar do processo, estão sendo orientadas
para atacar o processo e tentar desacreditá-lo?”
Barroso
também citou na palestra o episódio em que tanques desfilaram na Praça dos Três
poderes relembrando o caráter intimidatório do desfile dos tanques. “Um
desfile de tanques é um episódio com intenção intimidatória. Ataques totalmente
infundados e fraudulentos ao processo eleitoral”, disse.
Mas
também fez elogios ao Exército ao dizer que não havia tido nenhuma “notícia
ruim” sobre essa unidade das Forças Armadas, desde o início da
redemocratização. Aliás, no tivemos notícias ruins nem no Exército, nem na
Marinha, e nem na Aeronáutica. E que continue assim. Que nem um presidente desmiolado
consiga quebrar a paz que reina entre a sociedade, as instituições, e as Forças.
Em
uma reação às declarações de Barroso o Ministério da Defesa reagiu. Em nota
oficial assinado pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de
Oliveira, a Defesa afirma que repudia veemente as declarações de Barroso de que
as Forças Armadas são orientadas a atrapalhar o processo eleitoral.
“Afirmar
que as Forças Armadas foram orientadas a atacar o sistema eleitoral, ainda mais
sem a apresentação de qualquer prova ou evidência de quem orientou ou como isso
aconteceu, é irresponsável e constitui-se em ofensa grave a essas Instituições
Nacionais Permanentes do Estado Brasileiro. Além disso, afeta a ética, a
harmonia e o respeito entre as instituições”, diz a nota assinada pelo
general.
E
assim, mais um foco de incêndio foi aceso.
O
fato é que os poderes constituídos estão com uma batata quente nas mãos com o
caso do Daniel Silveira, e o perdão concedido a ele pelo presidente. Como agirá
o Congresso? Como agirá o STF diante do caso? O mandato dele será cassado?
Ficará inelegível? E Bolsonaro, afrontará o STF sem que sofra quaisquer sanções?
Em meio a tudo isso fico pensando em como anda ruim o nível do nosso Congresso, em como andam o nível dos nossos políticos. Em vez de se debruçarem sobre projetos nas áreas de educação, meio ambiente, segurança, cultura, esportes, e todas essas coisas que fazem parte de uma sociedade bem estruturada. Em vez de se debruçarem sobre essas questões, alguns parlamentares ficam remoendo ódio como os burros remoem o capim. E por causa destes, as energias para os bons projetos são desviadas para coisas sem importância alguma para o desenvolvimento de uma nação.