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Fim da novela André Mendonça

Posted by Cottidianos on 17:31

05 de outubro de 2021

André Mendonça, novo ministro do STF


Finalmente, o Brasil assistiu ao fim da novela André Mendonça.

Em julho deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurelio de Mello, se aposentou de suas funções como ministro daquele órgão máximo da Justiça em nosso país. Sempre que um ministro do STF se aposenta, é atribuição do presidente indicar um novo nome para compor os quadros da corte, e ao senado aprovar o nome indicado pelo presidente. O nome indicado pelo presidente Jair Bolsonaro foi o de André Mendonça, mas sua indicação foi travada no Senado pelo presidente da Comissão de Constituição de Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A indicação ficou parada por quatro meses. Porém, após muita pressão de vários setores, principalmente os evangélicos, o processo andou.  

Para nos situarmos melhor nessa questão, voltemos um pouco no tempo.

Na manhã de 10 de julho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro participava de um culto evangélico na Câmara dos Deputados. E em aceno à base evangélica ele disse que indicaria dois ministros para uma vaga no STF, e que um deles seria “terrivelmente evangélico”.

Nem tento explicar isso, pois não saberia definir uma pessoa comum “terrivelmente evangélica”, nem muito menos um ministro de uma Corte Suprema com a mesma qualidade.

Mais tarde, naquela mesma manhã, Bolsonaro reafirmou em plenário o que havia dito no culto. “Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o estado é laico. O estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou para plagiar a minha querida Damares [Alves, ministra]: Nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os poderes. Por isso, o meu compromisso: poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal [STF]. Um deles será terrivelmente evangélico”.

Nada contra escolher um ministro do STF evangélico. Assim, como não haveria nada de mais ter um ministro católico, ou umbandista, pois a carta, a letra, o livro que rege as normas do Supremo Tribunal Federal chama-se Constituição Federal, e não a Bíblia. E um estado deve ser laico pois nem todas as pessoas que o formam professam os mesmos credos, as mesmas crenças. Há, inclusive, pessoas que não professam crença nenhuma. A lei não seria Lei, se abrigasse debaixo de seu manto, apenas pessoas desta ou daquela religião, deste ou daquele segmento, desta ou daquela raça.

Pois bem, o carro andou, e o ministro Celso de Melo se aposentou em outubro de 2020. Na verdade, Celso de Melo adiantou sua saída em cerca de duas semanas, uma vez que só completaria 75 anos em 01 de novembro daquele ano, data limite para sua aposentadoria compulsória. Uma vaga surgiu. Ficou o suspense: Oh, quem terrivelmente evangélico Bolsonaro indicará? Essas cogitações por si mesmas já são completamente ridículas, pois um ocupante de uma cadeira no STF não deve ser terrivelmente praticante dessa ou daquela religião, mas sim, um terrivelmente conhecedor da lei e da Constituição Federal. 

Pois, bem. Bolsonaro não cumpriu a promessa, e indicou o desembargador Kassio Nunes para a vaga aberta. A indicação foi feita no dia 01 de outubro de 2020. Foi criticado pela sua base, pois Nunes não é terrivelmente evangélico, mas, como podemos deduzir da atuação de Nunes no STF, essa coisa de ser “terrivelmente evangélico” parece não ser o critério em si mesmo dentro dos critérios de Bolsonaro, e isso faz todo o sentido analisando-se seu modo de governar. E já explico essa sopa de letra.

Desde a indicação até o caminho para a sabatina de Kassio Nunes pelo Senado, e sua consequente aprovação pelos membros daquela casa, o caminho foi bem curto. Bolsonaro indicou o nome de Nunes no dia 01 de outubro de 2020, e no dia 21 daquele mesmo mês o Senado aprovado o nome do indicado pelo presidente.

Mas, deixando de lado essa coisa de querer agradar a base com um ministro evangélico, parece que, para Bolsonaro, o importante é ter um ministro que ele possa chamar de seu no STF, isso é gravíssimo para uma democracia. É como diz o ditado popular: “Amigos, amigos, negócios à parte”.

E Nunes tem provado diante dos seus votos no STF que é um tapete de Jair Bolsonaro naquele orgão. Ele invariavelmente tem votado com o governo em todas as matérias. Parece que a ordem é não desagradar o chefe. Acho que ele apenas se esquece que o chefe é Constituição Federal, e não o governo federal. Há, portanto, um descompasso Kassio Nunes em relação aos princípios básicos do Supremo.

O que temos visto é que Bolsonaro tenta de todas as formas aparelhar o Estado. E, em muitos casos, tem conseguido. Por que Sérgio Moro deixou o governo? Pelo fato de acusar Bolsonaro de querer interferir nos trabalhos da Polícia Federal. Moro estava errado? Pelo que temos visto da atuação do governo, a resposta é não. E essa interferência parece continuar, pois todos aqueles da PF e de outros órgãos também, que dão pareceres ou fazem alguma ação contrária ao governo federal ou aliados dele, são logo afastados, substituídos em suas funções. A livre manifestação do cidadão também é proibida, ou pelo menos tentam inibi-la, como é próprio das ditaduras.

Dois exemplos recentes. No dia 10 de julho deste ano, uma mulher foi presa em Porto Alegre, por estar protestando contra o presidente. A mulher estava batendo panelas. Na ocasião, Bolsonaro estava na capital gaúcha para mais uma de suas motociatas.

No dia 27 de novembro, Bolsonaro estava em Rezende, RJ, para uma cerimônia de formação dos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras. Antes de seguir para a cerimônia, o presidente se aproximou das margens da Dutra para acenar para os motoristas que por ali passavam e para cumprimentar policiais rodoviários que faziam sua segurança.

Uma mulher que passava pelo local, xingou o presidente e foi detida pelo crime de injúria contra ele. Em depoimento, a mulher negou as acusações.

Allan dos Santos, é um blogueiro aliado do presidente, e é um dos responsáveis pela divulgação e fake news, inclusive durante a pandemia de Covid-19, e que, com a ajuda de Eduardo Bolsonaro, conseguiu sair do Brasil para não ser preso pela PF.

A delegada da Polícia Federal, Dominique de Castro Oliveira, processou o pedido de extradição do jornalista na Interpol.  O que aconteceu com a delegada? Adivinhem. Ela foi exonerada da organização internacional de combate ao crime, na quarta-feira, 01 de dezembro. Dominique é delegada de carreira da PF, e estava há apenas 16 meses na polícia internacional. Mas, cometeu o “erro” de mexer com um aliado do presidente, e foi exonerada. Depois ainda dizem que não há perseguições e interferência na PF... E os tolos que acreditem.

Alan dos Santos mora nos Estados Unidos. Sua extradição foi determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, ainda em outubro, mas ainda está em tramitação.

O presidente do PSD, Gilberto Kassab, participou na sexta-feira, 3, do Derrubando Muros, evento organizado por empresários, intelectuais e políticos. Nesse evento, o político disse que nem a ditadura aparelhou tanto o Estado como faz o governo de Jair Bolsonaro. “O Brasil vive hoje uma situação bastante difícil. Um governo que ameaça, que aparelha como nunca. Talvez nem na ditadura se aparelhasse tanto”. Kassab está errado? Decerto que não.

De certo modo, o Brasil vive uma espécie de ditadura, perigosa porque ela acontece de modo silencioso. Não é aquela de colocar tanques nas ruas, mas é aquela de amarrar a mãos dos órgãos do governo, não apenas na polícia, mas na educação, no meio ambiente, cultura, e quem mais ousar levantar a voz e a caneta para contrariar o governo.

E essa ditadura branda, se torna ainda mais perigosa porque conta com fiéis escudeiros como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o procurador-Geral da República, Augusto Aras. Arthur Lira tem mais de 100 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, mas não os tira da gaveta, pois, para ele, Bolsonaro é como uma galinha dos ovos de ouro. Com Bolsonaro, Lira navega em rios de dinheiro de orçamento secreto e emendas parlamentares. Além, de tentar mudar a legislação brasileira para que ela se torne cada vez condizente e conivente com aqueles que praticam a corrupção e vivem dela.

Aras, por sua vez tem os seus interesses. Esperava, talvez, uma vaga no STF por indicação do presidente. Quem, sabe em um segundo governo de Jair Bolsonaro? Segundo governo de Bolsonaro que Deus nos permita não aconteça.

Depois dessa pausa para falar da interferência do governo nos órgãos públicos, voltemos a falar de André Mendonça.

O novo ministro do STF, André Luiz de Almeida Mendonça, tem 48 anos. Completará 49 no próximo dia 27 de dezembro. É advogado e pastor da igreja presbiteriana. É funcionário de carreira da União desde o ano 2000. Após quatro meses em banho maria, seu nome foi finalmente aprovado pelo Senado na quarta-feira,1 de dezembro. Obteve 18 votos a 9 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e em plenário o placar também lhe foi favorável: 47 votos a favor e 32 contrários a sua indicação.  

O que fazer quando você se depara com duas versões de uma mesma pessoa, e ainda uma terceira referente a esse mesmo individuo que é uma incógnita?

Assim é o novo indicado do presidente para o SFT e aprovado pelo Senado. O André Mendonça que se sentou na cadeira no Senado para ser sabatinado pelos senadores, não foi o mesmo que comandou a Advocacia Geral da União e o Ministério da Justiça depois da saída de Sérgio Moro.

Antes de Bolsonaro anunciar, em 21 de novembro de 2018, o nome André Luiz de Almeida Mendonça, para o comando da Advocacia Geral da União, ele ocupava naquela época o cargo de consultor jurídico da Controladoria Geral da União, e atuava junto ao secretário-executivo da pasta.

Ele foi elogiado por juristas como sendo um nome técnico. Porém, Mendonça logo se mostrou muito alinhado ao governo Bolsonaro, e com isso ganhou a confiança do presidente. Em diversos momentos, ele assumiu atitudes autoritárias.

Em diversos momentos, Mendonça acionou a Polícia Federal, baseando-se na Lei de Segurança Nacional, com a finalidade de perseguir opositores do governo de Jair Bolsonaro. Foram alvos da sanha autoritária de André Mendonça, o pré-candidato à presidência da República, Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), Hélio Schwartsman, colunista da Folha de São Paulo, e Ricardo Aroreira, cartunista. A maioria dos inquéritos pedidos por André Mendonça contra essas pessoas, as acusava de cometer injúrias contra o presidente pelo fato de em algum momento elas terem feito críticas ao mandatário da nação. Por determinação da Justiça, todos esses inquéritos foram arquivados.

Ainda no comando da AGU, Mendonça se alinhou a pautas do presidente também no STF. Ele foi contra a criminalização da homofobia. Também foi contra a que fossem permitidos a Estados e munícipios a decisão sobre o fechamento de templos religiosos durante a pandemia de Covid-19.

Houve aquela confusão em que Moro saiu do Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de interferir na PF. Em abril de 2020, Mendonça foi indicado para a vaga na pasta da Justiça e Segurança Pública.

No ministério da Justiça, Mendonça continuou sua “missão” de perseguir opositores do presidente. Em fins de julho daquele ano, o site do UOL revelou que o ministério da Justiça, comandado por Mendonça havia elaborado, secretamente, um dossiê contra servidores federais considerados “antifacista”.

Ao menos, 579 servidores federais e estaduais de segurança, e ainda três professores, tiveram seus nomes incluídos no dossiê elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (SEOPI).

Ao ser questionado sobre o caso, o ministério da Justiça disse não se tratar de uma investigação contra os servidores, mas sim, prevenir a prática de ilícitos e preservar a segurança das pessoas.

Na sabatina do Senado, na quarta-feira, 01 de dezembro, era outro André Mendonça falando aos senadores. Durante as oito horas que durou a sabatina, os senadores questionaram Mendonça sobre os temas do casamento entre pessoas do mesmo sexo, estado laico, democracia, independência do governo Bolsonaro, dentre outros.

Veja algumas frases de André Mendonça, elaboradas pelo Portal G1.

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Democracia

"Reafirmo meu irrestrito compromisso com o Estado Democrático de Direito, conforme expresso desde o preâmbulo da nossa Constituição. Dentro desta perspectiva, inclui-se o compromisso de respeitar as instituições democráticas, em especial a independência e harmonia entre os poderes da República. Esse preceito constitucional está inserido dentro do sistema de freios e contrapesos, próprios ao Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, entendo que o Poder Judiciário deve ser pacificador dos conflitos sociais e garantidor da legítima atuação do demais poderes, sem ativismos ou interferência indevidas nele. Penso que a automoderação do Judiciário é o corolário lógico do próprio princípio democrático."

Democracia conquistada sem 'sangue derramado'

"Eu disse na fala inicial: a democracia é uma conquista da humanidade. Para nós, não – mas, em muitos países, ela foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas. Não há espaço para retrocesso. E o Supremo Tribunal Federal é o guardião desses direitos humanos e desses direitos fundamentais."

Pedido de desculpas

"Primeiro, meu pedido de desculpas, por uma fala que pode ter sido mal interpretada e que não condiz com aquilo que eu penso. Vidas se perderam na luta para a construção da nossa democracia. Além do meu pedido de desculpas, o meu registro do mais profundo respeito e lamento pela perda dessas vidas."

"Faço um registro pelo respeito à memória dessas vidas e dessas pessoas. E faço também um registro de solidariedade, de respeito às famílias dessas vítimas. Muitos no nosso país lutaram pela democracia e vidas se perderam para a construção da nossa democracia. E essas vidas merecem ser lembradas e merecem o nosso respeito."

"Essa fala foi feita no momento em que fazia referência a revoluções liberais, que tanto a nossa independência como a nossa República não tiveram como precedência ou causa uma guerra, uma guerra civil como houve nos Estados Unidos ou houve uma luta na França. O que não significa que a construção da nossa democracia não tenha custado vidas. Custaram-se muitas vidas."

Estado laico

"Me comprometo com o Estado laico. Considerando discussões havidas em função da minha condição religiosa, faço importante ressaltar minha defesa do estado laico. A igreja presbiteriana da qual pertenço, uma das diversas igrejas evangélicas de nosso país, nasceu no contexto da reforma protestante tendo como uma de suas marcas justamente a defesa da separação entre igreja e do Estado."

'Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição'

"Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal. Neste contexto, também conseguindo que a Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo, como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição."

Casamento gay

"Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo. [...] "O casamento civil, eu tenho a minha concepção de fé específica. Agora, como magistrado da Suprema Corte, eu tenho que me pautar pela Constituição. [...] Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo."

Violência contra população LGBTQIA+

"Em relação à situação da violência LGBT: Não se admite qualquer tipo de discriminação. É inconcebível qualquer ato de violência física, moral, verbal em relação a essa comunidade. Assim, o meu comprometimento é também diante de situações como essa aplicar a legislação pertinente, inclusive na questão da própria decisão do STF, que equiparou a ação dirigida a essa comunidade como racismo. Logicamente, também com a ressalva trazida no STF em relação a liberdade religiosa, mas ainda assim fazendo-se com o devido respeito a todas as pessoas."

Decretos sobre armas de Bolsonaro

"Há espaço para posse e porte de armas. A questão que deve ser discutida é quais os limites. [...] Não posso me manifestar sobre o tratamento que foi dado pelos decretos, mas a segurança pública deve ser um objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate deve ser no Legislativo, mas há um espaço para a regulação."

Política ambiental

"Há muitas pessoas que não estão desmatando por que querem, mas para ganhar o pão de cada dia."

Convite de Bolsonaro para vaga no STF

"O convite ali feito [por Bolsonaro] considerava o meu currículo e a qualidade do meu trabalho. Aceitei ali a missão e como AGU tive a oportunidade de atuar em diversos julgamentos no STF."

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André Mendonça, certamente, preenche os requisitos para a vaga no SFT. A pergunta que se coloca é qual dos Andrés Mendonças ocupará a vaga no STF, o autoritário que atuou na AGU e no ministério da Justiça, ou democrata polido que se sentou no banco do senado para ser sabatinado? Isso, logo, logo a gente descobre.


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