Terça-feira,
07 de julho
E,
de repente, se fez calmaria.
E
para se fazer calmaria não precisou muita coisa. Bastou apenas que o presidente
fechasse a boca. Calasse. Não dissesse mais nada de controverso, ou desferisse
sua “metralhadora cheia de mágoas” contra inimigos invisíveis.
O
fato é que desde o dia 18 de junho — quando a Polícia Federal prendeu o
ex-assessor da Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz trabalhou no gabinete de
Flávio na época em que Flávio era deputado federal pela Assembleia Legislativa
no Rio. Os dois operaram juntos em um esquema criminoso de desvio de dinheiro
público que ficou conhecido como rachadinha — que Bolsonaro nem ao menos tem
parado no cercadinho montado no Palácio da Alvorada, lugar em que ele parava
para conversar com apoiadores e satisfazia os bizarros e egoísticos deles ao
falar coisas sem pensar, agredindo a quem bem achasse conveniente agredir.
Nisso,
os apoiadores do presidente se assemelhavam a multidão que se aglomerava nos
anfiteatros romanos, especialmente, no Coliseu, e cujo maior prazer era ver
sangue e cabeças rolando. E, realmente, Bolsonaro satisfazia a vontade deles dando
sangue e cabeças rolando em forma de ataques verbais.
Talvez,
a prisão de Fabrício Queiroz, e da decretação de prisão de Márcia Aguiar,
mulher dele, foragida desde a operação que prendeu Fabrício, em 18 de junho,
tenha algo a ver com isso. Márcia e Fabrício sabem muita do que acontecia nos
porões da Alerj, e também nas transações escusas do filho do presidente, e hoje
senador, Flávio Bolsonaro.
Ou
o silêncio do presidente está relacionado a operação policial, desencadeada no
dia 27 de maio, que realizou busca e apreensão em endereços de empresários,
políticos, e blogueiros, que são apoiadores do presidente, no inquérito que
apura a produção de informações falsas contra os ministros do STF, e que ficou
conhecido como inquérito das Fake News?
Durante
essa operação também foi presa temporariamente Sara Winter, líder do movimento
denominado ‘300 do Brasil’. Também houve pedidos de prisão temporária de outras
cinco pessoas ligadas ao grupo.
Ou
ainda o inédito fato de o presidente não ter mais comprado nenhuma briga com
integrantes do Judiciário e do Legislativo se deve a que as últimas pesquisas
divulgadas mostrarem que ele está perdendo popularidade. O presidente perde
popularidade até mesmo em setores onde teve ampla maioria, como é o caso dos
mais ricos e escolarizados.
Ou
teria sido ainda ao fato de que, mesmo em meio à pandemia, começaram a se
levantar em várias capitais do país, movimentos e manifestações em prol da
democracia, em contraste com os manifestações radicais que pregavam o ódio às
instituições democráticas do país, manifestações essas das quais o presidente
participou diretamente?
A
resposta para a pergunta: porque o presidente silenciou e não soltou palavras
por vezes raivosas, por vezes irônicas, e por vezes sem sentido, no cercadinho
do Palácio da Alvorada, e o fato de ele não ter mais tocado fogo nas redes
sociais, como costumava fazer todos os dias talvez esteja presente em algum dos
fatos citados acima, mas pode se um amarrado de todos eles.
A
mudança de direção pode também ter ser creditado ao recém chegado ao governo, o
ministro das Comunicações, Fábio Faria, genro de Sílvio Santos. Fábio é ligado
ao Centrão, base no qual Bolsonaro tem buscado apoio. Lembrando que essa base
de apoio faz parte do que de mais velho e podre existe na política brasileira.
Velha política tão duramente criticada durante a campanha por Bolsonaro.
Fábio
chegou ao ministério das Comunicações com ideias novas, e de que é preciso que
o presidente seja mais cordial com a imprensa, com o Judiciário, e com o
Congresso. Segundo informado pela revista Veja, na reportagem, Bolsonaro afasta-se dos radicais e busca pacificação
com Congresso e STF, na edição 2694, publicada em 08 de julho, o ministro
das Comunicações estaria fazendo um giro pelas redações dos principais veículos
de comunicação do país, com a finalidade de melhorar a relação do presidente
com a imprensa.
Algumas
atitudes já foram tomadas neste aceno de paz com as instituições, como por
exemplo a exoneração do ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, na
famosa reunião ministerial de 22 de abril, chamou os ministros do STT de
vagabundo e disse querer prendê-los.
O
fato é que o presidente deve estar ouvindo muitos conselhos, inclusive para se
afastar da ala mais radical de seus apoiadores.
Tudo
isso é muito bom. Essa calmaria é benéfica para o país. A pergunta que fica é: —conhecendo
a personalidade do presidente, que diz uma coisa hoje, e amanhã faz outra
completamente diferente — Até quando?
Mas
mesmo com todo esse inédito falta de crises provocadas pelo próprio presidente
nos últimos dias, o governo ainda não disse a que veio. O governo de Jair
Bolsonaro ainda se assemelha em muito a um corpo sem alma, a um carro sem
gasolina.
Falta-lhe
consistência. Faltam projetos que tragam alento e esperança ao coração dos
brasileiros.
Onde
está o projeto do governo para a área da educação? Pelo ministério da Educação
já passaram os ministros Ricardo Velez e Abraham Weintraub. Eles não
acrescentaram em nada na busca por uma educação de qualidade. Apenas se
entregaram a ideológicas e inócuas guerras. Projetos mesmo que é bom, nada.
Recentemente,
houve Carlos Decotteli, que foi demitido antes mesmo de tomado posse por causa
de uma séria de incongruências no currículo.
No
ministério da Saúde, a mesma coisa. Por lá já passaram Luiz Henrique Mandetta,
e Nelson Teich. Desde a saída de Teich em 15 de maio, o Brasil não conta com um
ministro da Saúde efetivo. Desde então o cargo é ocupado por um interino, o
general Eduardo Pazuello. E o interino é do jeito que Bolsonaro gosta:
cumpridor de ordens.
Ainda
se estivéssemos em tempos de calmaria o fato de ter um interino na pasta da
Saúde não seria muito indicado, imaginem então no meio de pandemia que já vitimou
mais de 65 mil brasileiros, e tem potencial para matar muito mais nos próximos
meses.
E
o que dizer da Cultura, qual o projeto de cultura para o país? E no Meio
Ambiente qual o projeto, além de provocar ações que incentivam o desmatamento
das nossas florestas e afastam do país os grandes investidores comprometidos
com a causa ambiental?
O
que sabemos é que o Brasil está como barco sem rumo, nau sem capitão. E o
problema não é apenas devido a pandemia, ou a crise econômica. A primeira é
absolutamente nova, o governo teve o azar de tê-la como convidada non grata em
pleno governo, mas também é responsável com sua atitude de negar a doença e a ciência,
por agravá-la. A segunda já vinha se arrastando desde o governo da
ex-presidente, Dilma Rousseff.
A
causa do país está como barco sem rumo, nau sem capitão é devido a incompetência
do governo que não sabe firmar o Brasil nos trilhos. E, todos sabem, que um
trem que não tem estabilidade, mais cedo ou mais tarde, descarrilhará.
Por
aqui este blog finaliza este artigo, mas não antes sem deixar aos leitores uma
reflexão do ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, publicada no jornal, El
País, Brasil, em 05 de julho de 2020, sob o título, Tempos Confusos.
Apenas
esclarecendo. No artigo, Fernando Henrique diz: “Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não
demitiu ninguém ou ninguém se sentiu na obrigação de abandonar o ministério”.
Porém, após a publicação do texto, surgiu mais um fato novo.
O
secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, que havia sido convidado por
Bolsonaro para assumir a pasta da Educação, publicou no domingo, 5, uma nota em
rede social, dizendo ter rejeitado o convite do presidente para assumir o
cargo. O fato é que Feder já vinha sendo fritado por setores bolsonaristas
antes mesmo de aceitar o cargo. Ele deve ter mesmo pensado: “Eu hein, nessa
panela quente, eu é que não entro”. No que fez muito bem. Era desgaste à toa. Já
sabemos como essa história terminaria.
***
Tempos confusos
Governo que não
tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a lanterna mágica
para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal escolhidas. É a falta de
projetos, de esperança, o que nos sufoca
FERNANDO
HENRIQUE CARDOSO
05
JUL 2020 - 07:52 BRT
Tempos
confusos os que temos vivido. A tal ponto que estranhamos o que ocorreu no meio
da semana: chamou a atenção o fato de o Governo não haver arranjado nenhuma
confusão nova. Isso depois de, sem dar-se ao luxo de explicar melhor ao país as
razões, o presidente haver dispensado vários ministros nas pastas de Educação e
Saúde. Pelo menos até a última sexta-feira, quando escrevo este artigo, não
demitiu ninguém ou ninguém se sentiu na obrigação de abandonar o ministério.
Nem mesmo se viu o presidente ou seus porta-vozes atribuírem à oposição ou a
alguém mais notório o estar “conspirando”. Daí a calmaria.
É
assim que vai andando o atual Governo, meio de lado. Sem que os “inimigos”
façam qualquer coisa de muito espetacular contra ele, é ele próprio quem se
embaraça com sua sombra. De repente, quando não há nenhum embaraço novo,
nenhuma “crise”, o presidente não se contém: fala e cria uma confusão.
É
verdade que o governo federal não teve sorte. Não foi ele quem criou a pandemia
que nos aflige, nem a paralisação da economia, que já vinha de antes. Mas a
confusão política, desta ele se pode apropriar: foi coisa inventada pelo
próprio presidente e seus fanáticos.
Por
certo ela se agrava com a crise econômica e a da saúde pública. Mas o mau
gerenciamento das crises e da política é o que caracteriza os vai-e-vens do
Governo Bolsonaro. No Congresso e nos Tribunais (apesar de tão mal falados nos
comícios pelos adeptos presidenciais) tem havido resistências à inação governamental
e a suas investidas contra as instituições.
Comecemos
pelo que mais importa, a saúde pública e a de cada um de nós. O governo federal
desconsiderou os riscos da situação epidêmica no início, e, depois, passou o
bastão às autoridades locais. Compreende-se que sejam estas, mais perto das
populações, a gerenciar o dia-a-dia. Mas o papel simbólico é sempre, para o bem
e para o mal, de quem exerce a presidência, tenha ou não culpa no cartório.
Além disso é o que prescreve a Constituição, no seu art.23, sobre as
competências comuns, entre as quais está a de zelar pela saúde pública, como
deixou claro o STF em sua decisão a respeito.
Da
mesma maneira é inacreditável que em tão pouco tempo o Governo haja substituído
dois ministros na pasta da Educação e que o país ainda não saiba quem será o
próximo ministro. Os anteriores o pouco que fizeram foi suficiente para darmos
graças por se terem afastado. Mas quem virá? E logo numa área crucial para o
país.
Governo
que não tem rumo nas principais áreas sociais dificilmente encontrará a
lanterna mágica para levar-nos a bom porto. Não são apenas pessoas mal
escolhidas. É a falta de projetos, de esperança, o que nos sufoca.
Talvez
esteja aí a falta maior do presidente: ele fala como qualquer pessoa, o que
pode parecer simpático. É um “uomo qualunque”. Diz o que lhe vem à cabeça, como
qualquer mortal. Mas este é o engano: o papel atribuído pelas pessoas ao
presidente, qualquer deles, exige que ele, ou ela, mesmo sendo simples (para
não dizer simplório), não pareça ser tão comum na hora de decidir ou de falar
ao povo sobre os destinos da nação.
Em
certos momentos muita gente no país pode até apreciar a semelhança entre si e o
chefe-de-estado. A maioria mesmo: pois não foi ele quem ganhou as eleições?
Afinal o presidente, dirão, é uma pessoa como qualquer outra. Mas quando há
crises, é quando mais se precisa que haja comando, rumo. Talvez por isso os
“homens comuns” no poder acabem por ser incomuns, singulares na sua
incapacidade de definir um rumo. Quando têm personalidades autoritárias,
investem e esbravejam contra as instituições democráticas. No Brasil, elas têm
respondido bem ao desafio.
Onde
iremos parar? Não tenho bola de cristal, mas é melhor parar logo. Se pudesse eu
lhe diria: presidente, não fale; ou melhor, pense nas consequências de suas
falas, independentemente de suas intenções. Sei que é difícil, afinal estava em
seu lugar quando houve o “apagão” e também durante algumas crises cambiais. Não
adianta espernear: vão dizer que a “culpa” é sua, seja ou não. E, no fundo, é
sua mesma. Não se trata de culpa individual, mas, política. Quem forma o
governo (sob circunstâncias, é claro) é o presidente. A boca também é dele.
Logo, queiramos ou não, sempre haverá quem pense que o presidente é
responsável. Vox Populi, dir-se-á...
É
assim em nosso sistema presidencialista e, talvez, seja assim nas sociedades
contemporâneas. Com a internet as pessoas formam redes, tribos, e saltam as
instituições. Por isso é mais necessário do que nunca que haja lideranças. Em
nossa cultura e em nosso regime, já de si personalistas, com mais forte razão
os líderes exercem um papel simbólico, falam pela comunidade. O líder maior é
sempre o presidente, pelo menos enquanto continuar lá. Por isso é tão
importante: se não souber falar, se tiver dúvidas, que o presidente se cale.
Como nesta semana. Melhor, contudo, é que se emende e fale coisas sensatas, que
cheguem ao coração e faça sentido na cabeça das pessoas razoáveis.