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Presidente pai coruja
Posted by Cottidianos
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00:58
Terça-feira,
23 de julho
Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro |
Ah,
as paixões! Deusas e bruxas ao mesmo tempo. Podem elevar a alma do homem aos céus
quando bem vividas, bem ponderadas, e temperadas com um pouco de racionalidade.
Quando, ao contrário, carecem do tempero da razão, quando são vividas de uma
forma egoísta e mesquinha, podem levar o homem a ruína.
O
problema é justamente chegar a essa equação, a esse equilibro entre razão e
emoção. A tendência do ser humano, e o seu erro também, é se jogar nos
extremos: ou à razão exagerada, ou à paixão sem limites.
Quando
essa batalha íntima, experimentada por qualquer ser humano, acontece dentro do
universo particular de cada um, é fácil de resolver. Bem, digamos, não é tão
fácil assim. Mas é mais fácil atravessar esse mar sem que muitas pessoas fiquem
sabendo destas contendas. É mais fácil dominar a situação.
Mas,
e quando a dualidade razão e emoção escapa do campo do ambiente privado, quando
ela sai de dentro das quatro paredes da consciência de cada um e aparece na
cena pública? Pior ainda, quando ela acontece nos salões do governo e nas
cadeiras presidenciais?
O
governo do nosso presidente, Jair Bolsonaro chega aos 200 dias. E, Deus do céu!
Quantas polêmicas! Quanto tempo gasto em tolices, disputas, e manifestações do
governo sem sentido. Se a ex-presidente colecionava alguns troféus na categoria
“non sense”, o atual presidente não está ficando atrás nessa questão, não. São
tantas as esquisitices que nem dá pra eleger uma, nem também dá para citar
todas.
É
uma coisa de apenas cuidar da questão ideológica como se o diabo estivesse
presente em cada esquina, ou em cada pessoa que não compartilha das mesmas
correntes ideológicas do presidente e de seus filhos. Como se aqueles que não
pensam da mesma forma, aqueles que tem uma religião diferente, ou que fizeram
uma opção sexual diferente, ou que tenham ideias políticas diferentes devessem
ser lançados nas fogueiras medievais, sem direito à defesa.
Um
governo, no entender desse blog, deve ser feito para todos os que estão
abrigados sob o manto de uma nação, de um país. Afinal, se há pensamentos divergentes,
o dinheiro que paga os impostos ao governo é o mesmo para ricos e para pobres. Se
o voto foi o elemento que deu legitimidade a um governante, e se a maioria
selou essa legitimidade, parte dos outros eleitores que votaram em candidatos outros
também carecem enquanto participes do mesmo governo eleito de merecer também
respeito e atenção por parte desse mesmo governo.
Essa
semana, Jair Bolsonaro esteve com sua metralhadora de palavras mais afiada que
nunca. Foi tiro verbal para tudo quanto é lado. Sobrou até para os “paraíba”, quando
se referiu aos governos do nordeste, e, por extensão a todo o povo nordestino.
Ressaltando-se que “paraíba” é um termo pejorativo e preconceituoso para se
referir ao povo nordestino. Imaginem, se essa palavra soa preconceituosa na
boca de qualquer outro cidadão, imaginem na boca de um presidente da nação?
Mas,
comecemos destacando a ideia maluca que tem rondado a cabeça do presidente há pouco
mais de uma semanas pelo menos. Que é fato de ele querer indicar o filho, o
zero 03, Eduardo Bolsonaro, para um dos cargos chaves do governo, e um dos mais
importantes do serviço diplomático no exterior: a embaixada do Brasil nos Estados
Unidos.
Já
quando o presidente aventou essa possibilidade no dia 11 deste mês, a ideia foi
recebida com muitas críticas e espanto por pessoas do meio jurídico, por políticos
e por diplomatas. Isso de um presidente da República nomear um parente em primeiro
grau para uma embaixada, e, principalmente para uma embaixada tão importante
como a dos Estados Unidos, é algo totalmente sem precedentes na história
política brasileira.
Ainda
se fosse um homem qualificado para isso, mas sabe-se que o deputado federal, Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP), não tem a experiência necessária para um cargo de tal
investidura. As qualificações apresentadas pelo presidente e pelo filho para o
cargo beiram o ridículo, e são mais propícias a um programa de humor do que aos
atos presidenciais: são elas basicamente: saber fritar hambúrgueres e ser amigo
da família de Donaldo Trump.
Dias
atrás, em transmissão pelo Facebook, o presidente, sob os holofotes de todas as
críticas, insistiu, ferrenhamente, na indicação do filho, como tem defendido em
todas as ocasiões que lhe aparecem, com argumento no mínimo, sem sentido: “Lógico,
que é filho meu, pretendo beneficiar filho meu, sim. Pretendo, se puder, dar
filé mignon, eu dou, mas não tem nada a ver com filé mignon, nada a ver, é
realmente, nós aprofundarmos um relacionamento com um país que é a maior
potência econômica e militar do mundo”, disse ele.
E
assim, não sabendo exatamente, os limites entre o governo e o familiar, aquele
que apregoou durante a campanha a moralidade no serviço público, quer praticar,
ele mesmo, aberta e escancaradamente, um ato de nepotismo. Tudo para satisfazer
os desejos do filho.
Aliás,
a intromissão dos filhos do presidente no governo —
outra coisa sem precedentes na história política do país — não é nenhuma
novidade para os brasileiros. Eles, os filhos do presidente, já foram responsáveis
pela queda até de ministros de Estado. Não importa se eles eram aliados ou não do
presidente, se foram homens de confiança na campanha ou não, virou desafeto dos
filhos do presidente, virou também desafeto dele, e, consequentemente, a cabeça
está a prêmio.
Isso
lembra uma passagem bíblica. A decapitação do profeta João Batista. A filha de
Herodes com sua esposa Herodias, dançou tão bem na presença do pai, que este
prometeu dar-lhe qualquer coisa que a moça pedisse. A jovem, então, instruída
pela mãe, pediu a cabeça de João Batista numa bandeja. Como palavra de rei não
volta atrás, lá se foi a cabeça de um inocente cortada fora.
Mas
há questões bastante perigosas envolvidas nesse caldeirão de intrigas e polêmicas,
como é o caso, por exemplo, da questão ambiental. Bolsonaro não aceita os dados
divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Durante
café da manhã com jornalistas estrangeiros o presidente questionou os dados do órgão
sobre o aumento do desmatamento da Amazônia. O presidente nega qualquer aumento
no desmatamento da área, quando todos os dados de um instituto sério como o Inpe,
dizem o contrário.
Posteriormente,
pela postura do presidente e pelas suas falas, percebe-se que a intenção é
esconder os dados gritantes sobre o fato para que o Brasil não fique malvisto
lá fora. Traduzindo em miúdos isso se chama jogar sujeira para baixo do tapete.
O
diretor do Inpe, Ricardo Magno Osório, também não deixou barato e, em entrevista
à imprensa, disse: “A primeira coisa que eu posso dizer é que o sr. Jair
Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em
público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se
estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem
nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas
que trabalham pela ciência desse País”.
São
muitos os aspectos a comentar, mas para complementar o presente texto, deixo
aos leitos uma excelente matéria escrita pela respeitada e premiada jornalista de
economia, Miriam Leitão. O artigo tem por título “Entre o grotesco e o perigoso”,
e foi publicada no jornal o Globo, no último dia 21 de julho.
***
Entre
o grotesco e o perigoso
POR
MÍRIAM LEITÃO
21/07/2019
04:00
Pense
no que o presidente Jair Bolsonaro fez e falou de grotesco em 200 dias. Você só
conseguirá se lembrar de tudo se recorrer a uma pesquisa. São tantas
esquisitices diárias que a gente se esquece porque precisa cuidar da vida. O
presidente investiu contra radar, cadeira de criança, taxa cobrada em Noronha.
Defendeu o trabalho infantil, disse que, sim, beneficiará filho seu, postou
notícia falsa, deu visibilidade a uma cena escatológica no carnaval e tratou
com escárnio valores fundamentais. Qualquer lista que for feita aqui ficará
incompleta. O problema é que junto com atos e palavras sem noção há perigo real
contra pessoas e instituições.
Governar
um país não é comandar um programa humorístico. As palavras bizarro e tosco têm
sido usadas com frequência, mas talvez devamos pensar mais na palavra perigo.
Enquanto renova o estoque da “última de Bolsonaro”, a Presidência contrata o
desastre em inúmeras áreas.
Os
ataques ao meio ambiente são diários, a educação perdeu um semestre, o Brasil
se aproximou na ONU de países párias nos direitos da mulher, o governo
naturalizou a intolerância, suspendeu a fabricação de remédios essenciais,
escalou a liberação de agrotóxicos, estimulou o preconceito, encurralou a
cultura e esteve nas ruas com quem pediu fechamento do Congresso e do Supremo.
Enquanto
tudo isso acontecia, a economia continuou em crise, a queda da atividade se
aprofundou, o desemprego permaneceu alto, a confiança caiu. Há relação entre
uma coisa e outra. Até agora o que se tem é um governo sem rumo em todas as áreas,
inclusive na economia. Alguns integrantes da equipe econômica se dedicam ao
extremo a determinadas ações, mas o governo tem apresentado miragens como se
fossem projetos em andamento. A lista de não eventos está cheia. De concreto,
houve dois avanços em seis meses. A aprovação da reforma da Previdência em
primeiro turno na Câmara e o anúncio do acordo Mercosul-União Europeia. Na
Previdência, o parlamento avançou a despeito da balbúrdia do governo. No acordo
comercial há ainda uma longa estrada até virar realidade. Não se pode contar
ainda como conquista consolidada. A falta de fatos concretos na administração
Bolsonaro mantém nos agentes econômicos a desconfiança em relação à retomada do
crescimento. Os investidores da economia real precisam de sinais mais sólidos.
Há
perigos agudos. O ministro Ricardo Salles visitou madeireiros, foi aplaudido
por eles e os elogiou no mesmo local onde duas semanas antes madeireiros haviam
queimado um caminhão tanque do Ibama. Foi em Espigão D'Oeste, Rondônia. O
combustível abasteceria três helicópteros que seriam usados para fiscalizar a
retirada ilegal de madeira na Terra Indígena Zoró. Não houve a operação.
Criminosos queimaram patrimônio público, retiraram madeira de terra protegida,
ameaçaram um órgão do governo, abortaram uma ação de fiscalização. A extração
ilegal de madeira é a principal suspeita. O ministro do Meio Ambiente deveria
ter sido mais cauteloso ao ir ao local se solidarizar com os madeireiros.
A
lista dos perigos é tão extensa quanto a das tosquices. É importante ficar
atento. O governo Bolsonaro tem um padrão. Ele vai encurralando e
desmoralizando os órgãos públicos. O que há de comum entre defensoria pública,
Ibama, ICMbio, Itamaraty, Inpe, IBGE, Inep, Fiocruz, tantos outros, é que o
governo tem tentado impedir que eles façam o seu trabalho. De forma sutil ou
ostensiva funcionários são neutralizados. Os contribuintes pagam os salários
dos servidores para que eles exerçam funções específicas, e o governo tenta
paralisar as atividades. É desperdício de um recurso público valioso e caro: o
capital humano. Isso enfraquece o Estado nas funções que precisam ser
fortalecidas.
Há
áreas mais vulneráveis porque viraram os primeiros alvos, mas outros órgãos
estão na mira. Para legitimar seus atos, o governo dirá que a reação de
funcionários é corporativismo, quando é a saudável defesa da sua missão dentro
do Estado. Depois de 200 dias não há mais como se enganar. O governo não é
apenas incompetente. Ele está criando perigos reais para o país.
*
Ficarei duas semanas de férias. Alvaro Gribel com Marcelo Loureiro ocuparão
este espaço escrevendo uma coluna de notas, com o brilho já conhecido pelos
leitores.
Com
Alvaro Gribel (de São Paulo)
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