O fim de uma caçada. O início de outra.
Quarta-feira,
29 de junho de 2021
Tarde
de segunda-feira, 28 de junho de 2021
O
pequeno distrito de Girassol estava em festa. Cerca de 35 viaturas, desfilaram
pelas ruas. As sirenes ligadas não anunciavam perigo, mas alívio. Os policiais
acenavam para a população. A população, em reposta, aplaudia a força policial.
Era também possível ver e ouvir fogos de artifícios explodindo no céu, soltados
por alguns moradores eufóricos. A força policial e população podiam,
finalmente, respirar aliviados, e afastar para longe de si as nuvens de tensão
que pairava sobre a cabeça de todos havia vinte dias.
Toda
essa alegria representava o fim de intensas buscas realizadas numa operação em
conjunto entre as polícias Militar e Civil de Goiás e do Distrito Federal,
Polícia Rodoviária Federal, e Polícia Federal. Uma operação muito cara aos
cofres públicos, pois envolvia um conjunto de cerca de 300 policiais,
helicópteros, viaturas, cães farejadores.
Tudo
isso para prender não uma quadrilha, um grupo, mas um homem apenas: Lázaro
Barbosa, 32 anos. Um serial killer que matou 4 pessoas da mesma família, em
Ceilândia, além de praticar outros crimes de furtos e ameaças a moradores, e
espalhar terror no Distrito Federal e arredores.
Foi
em 2009 que Lázaro começou sua carreira de crimes, de acordo com registros
oficiais. Naquele ano, ele foi preso por roubo, porte ilegal de armas, estrupo
e roubo. A carreira do criminoso terminou com sua prisão em uma caçada
cinematográfica que durou vinte dias. Caçada que estamos a ver nos filmes
produzidos por Hollywood, mas não na vida real. Segundo a polícia, no momento
da prisão, o bandido reagiu. Os policiais então atiraram nele, Lázaro ainda
chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital.
Ao
final da operação, surgiram indícios de que Lázaro não agia sozinho, mas a
mando de alguns fazendeiros da região, ou mesmo de pessoas da cidade. Porém, se
Lázaro era um arquivo vivo, agora ficará mais difícil para a polícia esclarecer
estas questões. Pode até chegar à verdade, porém será um caminho mais árduo.
12h54min
O
deputado Luís Miranda troca mensagens com um assessor do presidente Jair
Bolsonaro, através de um aplicativo de mensagens
Boa
tarde
Avise
ao PR que está rolando um esquema de corrupção pesado na aquisição de vacinas
dentro do Min. Da Saúde.
Tenho
as provas e as testemunhas.
Sacanagem
da porra... a pressão toda sobre o presidente e esses FDPs roubando!
As
13h06 o assessor responde com uma figurinha de bandeira do Brasil.
Uma
hora mais tarde o deputado envia outra mensagem
Não
esquece de avisar o PR. Depois não quero ninguém dizendo que eu implodi a república.
Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar.
Às
14h11min o assessor responde com outra figurinha de bandeira do Brasil.
Às
16:07 minutos o deputado Luís Miranda, então escreve a seguinte mensagem
Estou
a caminho.
Sinalizando
que estava a caminho do Palácio da Alvorada para encontrar pessoalmente o
presidente.
De
fato, Luís Miranda foi a residência oficial do presidente da República, e levou
junto com ele, o irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, que desde 2011 é
servidor de carreira no ministério da Saúde. Desde que entrou no MS, Luís
Ricardo é lotado no departamento de Logística. Está à frente do setor de
importação do ministério desde 2016. O setor no qual ele trabalha é responsável
pela importação de insumos estratégicos como vacinas, e medicamentos. Assinados
os contratos, é o setor de importação quem prossegue com o processo para a aquisição
dos insumos. É a parte final do processo. A ponta.
O
que tanto preocupava o deputado Luís Miranda e o servidor de carreira, seu
irmão, era justamente problemas e inconsistências com o contrato de importação
do imunizante indiano, Covaxin.
Algo
estava muito errado e eles achavam que o presidente precisava ser alertado a respeito
disso.
O
irmão de Luiz Miranda foi a esse encontro munido de documentos que comprovavam
o que estava dizendo, além de relatar as pressões sofridas dentro do ministério
da Saúde.
O
servidor relatou ao presidente que o setor em que ele trabalhava já havia feito
o primeiro embarque da vacina do consórcio Covax (Facility, da OMS), que
durante essa importação havia ocorrido alguns contratempos, mas que,
finalmente, eles haviam conseguido resolver os problemas relativos à importação,
e que não haviam sofrido nenhuma pressão nesse caso. Em todos os outros
processos de aquisição de insumos, em nenhum deles haviam sofrido pressão para acelerar
as importações ou de qualquer outro tipo.
Mas
no caso da Covaxin estava sendo diferente. A pressão era enorme em cima dos servidores
que cuidavam da área de importação. Havia muitas reuniões. Questionamentos. Toda
hora tinha alguém perguntando como estava a documentação. Além disso, a
documentação técnica apresentada divergia em muito do que estava estipulado no
contrato. Mesmo assim, faltando documentação técnica, era grande a pressão por
parte dos superiores para que fosse solicitada a aprovação da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa). A solicitação à Anvisa até foi feita, como
exigia o superior, mas a agência negou o pedido.
As
pressões vinham principalmente de Alex Lial Marinho, coordenador do CGLOG (Coordenação
Logística de Insumos Estratégicos da Saúde), de Roberto Ferreira Dias, diretor
do departamento de Logística, e do Coronel Pires, assessor da Secretaria Executiva.
Luís
Ricardo revelou inclusive que o Coronel Pires havia ligado para ele às 23 horas
do dia 19 de março, pressionando para que ele agilizasse as licenças de
importação. O coronel disse que o representante da empresa havia ido falar com o
secretário executivo, Élcio Franco, naquela sexta-feira, à noite, para que o
mesmo agilizasse as licenças de importação para que as vacinas pudessem ser
embarcadas ainda naquela semana.
Os
dois relataram ao presidente que havia sido feito pedido de pagamento antecipado
para importar três lotes de vacinas que estavam próximas do prazo de validade. O
contrato para a aquisição da Covaxin não previa pagamento antecipado, mas houve
pressão para que ele assinasse recibo para que isso fosse feito no caso desse
lote de vacinas.
O
preço cobrado era no valor de US$ 45 milhões, o equivalente a R$ 222,6 milhões.
A área técnica achou que esse valor estava sendo cobrado indevidamente e o
servidor se recusou a assinar o recibo.
Enfim,
todas as cartas desse contrato pra lá de suspeito foram postas na mesa do
presidente. Este ouviu tudo com atenção, a até demonstrou uma certa surpresa, e
disse que iria falar com o chefe da Polícia Federal para que fosse feita uma
investigação do caso. Porém não fez o que prometera. A PF não recebeu do
presidente nenhum pedido de investigação para esse caso.
O
deputado postou fotos do encontro com o presidente nas redes sociais, mas disse
que tinha ido tratar de vacinas e combustíveis, escondendo de seus seguidores o
real motivo da visita.
Os imãos Miranda em depoimento na CPI
Depois do encontro com Bolsonaro, Luís Miranda ainda continua esperando um posicionamento de Bolsonaro sobre o assunto.
No dia 22 de março ele questiona o assessor:
Pelo
amor de Deus. Isso é muito sério. Meu irmão quer saber do PR como agir.
Dessa
vez, nem figurinha de bandeira do Brasil recebe.
Então
volta a tentar mais uma vez no dia seguinte:
Bom
dia, irmão. O PR está chateado comigo? Algo que eu fiz?
Só
precisamos saber o que fazer em uma situação como essa.
Então
o assessor do presidente responde:
Bom
dia.
Negativo,
deputado.
São
muitas demandas. Vou relembrá-lo.
Luís
Miranda responde:
Obrigado,
irmão. Você sabe que a vontade é de ajudar! Estamos juntos!
A
conversa continua no dia 24. Luís Miranda chama a atenção do assessor para o
prazo da validade das vacinas.
Os
caras estão mandando vacina que vencem em abril e maio kkkkkk que rolo.
Como
parte da mensagem o deputado envia print de parte de um documento que detalha
os prazos para uso dos imunizantes.
O
texto acima foi baseado na entrevista que Luis Ricardo Fernandes Miranda deu ao
jornal O Globo em 23 de junho, e no depoimento que os irmãos Miranda deram à
CPI da Covid, na sexta-feira, 25.
O
depoimento dos dois irmãos foi um dos mais fortes até agora na CPI e a obrigou
a mudar de rumo. O início de uma nova fase. A CPI que, em relação ao governo
federal, apurava as ações e omissões deste em meio à pandemia, agora também se
depara com um casos de corrupção no ministério da Saúde, escândalo esse do qual
o presidente teria sido informado e nada fez. E se nada fez, como sustentam os
irmãos Miranda, comete o crime de prevaricação, que é quando o servidor público
é conhecedor de alguma ilicitude e demora ou não faz nada para impedi-la.
Se
o depoimento dos irmãos Miranda foi o mais forte até agora dessa CPI, também
certamente foi o mais tumultuado, principalmente, por parte dos governistas que
estavam particularmente nervosos naquela sessão. Interrompiam a toda hora os
colegas que faziam perguntas, e aos depoentes.
Como
pontos suspeitos do contrato o deputado citou, além do pagamento antecipado, a
existência de uma terceira empresa que não constava no contrato, e a qual seriam
repassados os valores. Essa empresa era uma offshore, ou seja, uma empresa
aberta em local sem tributação. Havia também a questão do envio de doses dos imunizantes
menor que o contratado, além dos custos de importação que também ficariam a
cargo do ministério da Saúde.
Logo
no início de seu depoimento, Luís Miranda, disse que, na conversa do dia 20 de
março entre os três; o presidente, o deputado, e o irmão deste, que quando contaram
ao presidente sobre essas irregularidades, Bolsonaro tinha citado o nome de um
deputado como sendo o responsável por esse “rolo”, por essas irregularidades.
Durante
todo o depoimento dos irmãos, que começou à tarde, os senadores ficaram tentando
arrancar dele o nome dessa pessoa. Mas Luís Miranda sempre dizia que não se lembrava
do nome citado pelo presidente pois que eram muitos deputados, 513, e ele não
lembrava.
Já
próximo do fim da sessão, perto das 22hs, finalmente, o deputado disse o nome
desse deputado. Disse não, praticamente sussurrou. Dizem que a senadora Simone
Tebet (MDB-MS ) fez o gol por ter conseguido o deputado dizer o nome citado por
Bolsonaro no encontro do dia 20 de março. E foi mesmo. Mas ela recebeu o passe
de presente do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE).
Alessandro
Vieira, que havia feito as perguntas antes de Simone Tebet disse ao depoente
Luís Miranda:
“O
Sr. assumiu o compromisso, e agora aqui, diante do Brasil, não tem a coragem e
falar o nome. Eu falo: deputado federal Ricardo Barros. Será ouvido se a CPI
assim o entender”.
Luís
Miranda o interrompeu:
“O
Sr. Acha que eu já não tive coragem demais de estar aqui senador? O sr. Acha que
eu e meu irmão aqui, nos expondo da forma que estamos nos expondo...”
“Seu
irmão, sim. O seu irmão, que é um servidor público concursado, cumpriu a missão
dele. O senhor faltou com a sua missão”.
Foi
a vez então da senadora, Simone Tebet. Ao final de suas perguntas aos dois
irmãos, ela disse:
“Nós
já temos indícios. Nós já temos documentos. E nós temos como rastrear. Se vossa
excelência tiver a coragem de dizer o nome, eu posso garantir, não se preocupe
com o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que nenhum deputado vai ter
coragem de se insurgir contra Vossa Excelência, contra a opinião pública,
contra a massa de brasileiros que saber a verdade, buscar a verdade dos fatos. Pode
falar o nome do deputado, porque nós já sabemos...”
“A
sra. Sabe que seu eu fizer isso...”
“Vossa
Excelência não irá pro Conselho de Ética...”
“Eu
vou ser perseguido. Já perdi a minha relatoria da reforma tributária que foi
uma promessa do presidente Arthur Lira pra mim, já perdi todos os espaços, já
perdi tudo o que eu tenho, já acabaram com a minha política, que mais vocês
querem que eu faça?”
“Bom,
deputado, vossa excelência só confirma que sabe e não quer dizer, eu respeito
como parlamentar, eu entendo a posição de vossa excelência. Mas Vossa Excelência
só confirma que sabe qual é o nome do deputado e nós vamos buscar...”
A
senadora já se preparava para encerrar seus questionamentos, quando o deputado
Luís Miranda, quase num sussurro, disse:
“A
Sra. Também sabe que é o Ricardo Barros que o presidente falou”.
A
senadora nem percebeu que o depoente havia dito o nome tão esperado, e continuou
seu raciocínio.
“...
Vamos buscar a verdade a favor do país”.
Ao
revelar o nome de Ricardo Barros, o deputado Luís Miranda caiu em prantos. Sabia
da gravidade do que tinha dito e das pressões e ameaças que poderia sofrer.
Luís
Miranda era um deputado da base governista. Fazia passeios de moto com
Bolsonaro, e frequentava o Palácio da Alvorada. Como ele próprio afirmou em
depoimento, acreditava que Bolsonaro fosse fazer alguma coisa para melhorar o
país, como por exemplo, não tolerar casos de corrupção. Foi mais um dos tantos
milhões de eleitores de Bolsonaro que foi vítima de um estelionato eleitoral.
Ricardo
Barros é líder do governo na Câmara, e um dos homens mais influentes do governo
Bolsonaro.
Apesar
de todas essas irregularidades, o contrato para aquisição das vacinas Covaxin estava
mantido. Apenas na data de hoje, 29 de junho, depois da repercussão deste
escândalo, o ministério da Saúde decidiu suspender o contrato para a aquisição
de 20 de milhões do imunizante indiano. A medida foi um pedido feito pela
Controladoria Geral da União.
Eis
que no dia de hoje, 29, surge outro indício de corrupção no ministério da
Saúde. A Folha de São Paulo trouxe uma matéria que bota mais lenha nessa
fogueira.
Em
entrevista ao jornal o representante de uma vendedora de vacinas afirma que
recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose para fechar contrato com o
ministério da Saúde.
A
reportagem diz que o nome desse representante é Luiz Paulo Dominguetti Pereira,
e que ele se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply. Quem
cobrou a propina, segundo o representante, foi o diretor de Logística do ministério
da Saúde, Roberto Ferreira Dias. O fato aconteceu em um restaurante de Brasília,
em 25 de fevereiro.
O
representante disse que ouviu de Roberto que, para trabalhar com o ministério
da Saúde, tinha que compor com o grupo, ou seja, entra no esquema criminoso que
operava dentro do MS, e que a vacina teria que ter um preço diferente do que
ele estava ofertando. Que ele tinha que acrescentar um dólar a mais no valor de
cada imunizante.
O
representante disse também à Folha que, depois daquele encontro no restaurante,
houve outra reunião dentro do ministério da Saúde, e que a mesma proposta foi
feita a ele. Na ocasião além dele mesmo e de Roberto Dias, estava presente
também o secretário-executivo na ocasião, Élcio Franco.
O
representante não aceitou a proposta. Então Roberto Dias e Élcio Franco ficaram
de entrar em contato com a Davati para fazer a comprar e nunca mais entraram em
contato. A empresa tentou entrar em contato com o ministério da Saúde novamente,
mas não teve sua proposta aceita. “Ninguém queira vacina”, disse o
representante da Davati
Medical Supply à Folha.
Naquele
dia 25, dia em que o representante da Davati encontrou Roberto Dias no
restaurante, o Brasil atingia a triste marca de 250 mil mortes por Covid-19.
Segundo
a Folha, Roberto Dias foi indicado pelo líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros (PP-PR), e sua nomeação ocorreu em 08 de janeiro de 2019, quando o
ministro da Saúde era Luiz Henrique Mandetta (DEM). O deputado federal nega ter
indicado Roberto Dias.
É
isso, caros leitores e leitoras. A cada dia vemos cada vez mais cair as
máscaras de um governo que se dizia honesto. E olhem que a CPI apenas
atravessou a soleira dessa nova segunda fase de investigações. Imaginem então o
que ainda pode sair disso.