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Marielle Franco, Anderson Gomes, Adriano da Nobrega, e os véus do mistério
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22:21
Domingo,
16 de fevereiro
“Brasil!
Mostra
tua cara
Quero
ver quem paga
Pra
gente ficar assim
Brasil!
Qual
é o teu negócio?
O
nome do teu sócio?
Confia
em mim”
(Brasil – Cazuza)
2018
Era
noite de 14 de março na cidade do Rio de Janeiro. A vereadora do PSOL, Marielle
Franco, Fernanda Chaves, assessora da vereadora, e o motorista, Anderson Gomes,
entraram no carro para retornarem as suas casas. Marielle havia participado de
um debate com jovens negras, na Casa das Pretas, no Bairro da Lapa.
A
alguns metros, um outro veículo, um Cobalt, aguardava, silencioso a saída do
grupo do local. Imediatamente após Marielle e, Anderson, e a assessora,
deixarem o local o misterioso veículo passou a segui-los sem que o grupo ao
menos notasse que estava sendo seguido.
Já
havia se passado cerca de meia hora desde que o grupo havia deixado a Casa das
Pretas, no bairro da Lapa. Nesse momento, o Colbalt que os seguia, emparelha
com o carro da vereadora, baixa os vidros, e aponta uma metralhadora. 13
disparos foram efetuados. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça, e
Anderson Gomes, com três tiros nas costas. Nenhum dos tiros acertou a assessora
da vereadora que também estava no carro.
Além
de estimular o empoderamento das mulheres negras, e a causa daqueles a quem o
sistema vomita para longe de suas engrenagens, Marielle também os defendia da
ação das milícias, tão perigosas quanto as ameaças dos traficantes. E por isso
era persona non grata entre eles. Talvez nem ela própria soubesse que
incomodava tanto ao milicianos.
Posteriormente,
as investigações mostraram que a arma usada para matar a vereadora era uma
submetralhadora de uso restrito no Brasil. Em 2011, durante um recadastramento,
notou-se que cinco dessas armas haviam simplesmente sumido do arsenal da
Polícia Civil. Os investigadores também chegaram à conclusão de que as balas
que atingiram a vereadora e o motorista eram de um lote que foi vendido à
Polícia Federal, em 2006.
Em
12 de março de 2019, dois dias antes de o assassinato de Marielle e Anderson
completar um ano, a Operação Lume, ação conjunta entre a Polícia Civil e o
Ministério Público do Rio de Janeiro, prendeu dois homens acusados de
participação no assassinato da vereadora: Ronnie Lessa, e Elcio Vieira de
Queiroz.
Segundo
as investigações, Ronnie teria sido o autor dos disparos, e Elcio era quem
dirigia o Cobalt usado para a prática do crime. Ronnie Lessa é o PM reformado
que mora no mesmo condomínio onde moram o presidente Jair Bolsonaro e o filho
dele, Carlos. Ronnie e Elcio foram denunciados por homicídio qualificado pelas
mortes de Anderson e Marielle, e por tentativa de homicídio de Fernanda,
assessora da vereadora.
O
crime gerou enorme repercussão no Brasil e no mundo. Porém, a pergunta chave,
aquela que fecharia o quebra-cabeças do caso Marielle/Anderson ainda não foi
respondida. Quem ordenou a morte de Marielle Franco?
Já são quase dois anos e, apesar de
terem sidos presos os autores do crime, a polícia ainda não conseguiu montar o
quebra-cabeças por completo. Os mandantes ou o mandante do crime ainda está por
aí, livre, leve, e solto. Provavelmente, rindo da impunidade, e das
investigações.
2020
Era
manhã de domingo, 9 de fevereiro.
O
cenário.
Um
sítio, situado na tranquila e pacata Palmeiras, distrito de Esplanada, no norte
da Bahia. Naquela manhã de domingo a população do lugar se assustou quando viu
passar pelas estradas e adentrar as veredas um batalhão de policiais do Bope, e
do Batalhão de Operações Especiais da Bahia.
Chegaram
ao sitio e fizeram o cerco. No pacato sitio estava escondido um homem perigoso:
Adriano Magalhães da Nobrega, um ex-capitão da PM do Rio. O “capitão Adriano”
estava foragido desde janeiro do ano passado. Ele era acusado de chefiar o Escritório do Crime, nome dado ao
ramo da milícia suspeito de assassinar Marielle Franco e Anderson Gomes. Adriano
também é autor de diversos homicídios.
Quando
os policias chegaram ao local, Adriano fez da casa sua trincheira e começou o
tiroteio. Dois disparos da pistola Glock, calibre 9mm, teriam atingido o escudo
usado por um dos policiais. A polícia teria então reagido matando Adriano. Ainda
segundo a polícia, após ser baleado, o miliciano foi levado ainda com vida a um
hospital da região.
Mas
a história toda em volta da morte de Adriano é muito estranha. Parece muito
mais uma execução do que uma morte por reação a tiroteio. Primeiro, pela
quantidade da força policial destacada para prender o miliciano. Eram setenta
no total para prender um único homem. E não eram as forças policiais comuns
não. Quem foi destacado para prender Adriano foi o Bope e o Batalhão de
Operações Especiais. Ou seja, grupos altamente treinados para agir em operações
de grande periculosidade e complexidade.
Quando
as forças policias baianas souberam que Adriano da Nobrega estava na Bahia,
passaram a monitorá-lo. Duas semanas antes de ser morto, o ex-capitão esteve em
uma mansão na Costa do Sauipe, no litoral da Bahia. A polícia foi até o local e
lá encontrou apenas documentos falsos. Adriano teria fugido antes da chegada
dos policiais. Aí fica a pergunta: Quem teria avisado a ele que a polícia
estava no seu encalço? Por que, com tantos homens, no sítio onde estava
escondido, a polícia não buscou vencê-lo pelo cansaço, como orientam os manuais
da polícia para os casos de cerco policial. Afinal, do local onde ele estava, e
com a quantidade de policiais envolvidos na operação, não havia a menor
possibilidade de fuga.
Reportagem
da Folha-Piauí revela que uma análise feita por um perito sob a condição de
anonimato, contradiz a versão de confronto apresentada pela polícia. Em paragrafo
recuado, abaixo, é apresentada trecho dessa reportagem:
“Há uma grande poça de sangue na sala da
casa, próxima à porta de acesso aos quartos, indicando onde Nóbrega foi
assassinado. Também há sangue borrifado na parede branca, mas a uma altura
pequena, de poucos centímetros. No chão, uma trilha de sangue, indicando que um
corpo foi arrastado, e gotas de sangue em uma única direção, da esquerda para a
direita, são sinais de que o ex-capitão estava deitado quando foi morto. Fotos
do cadáver divulgadas pela revista Veja indicam que os disparos foram efetuados
a curta distância; também revelam um ferimento na cabeça e marcas do lado
esquerdo do peito, sinais que poderiam indicar um coronhada – os ferimentos não
constam no relatório da perícia divulgado pela Secretaria de Segurança Pública
da Bahia. Em nota, o Departamento de Polícia Técnica negou que os disparos
tenham sido feitos a curta distância e que o ferimento na cabeça possa ter sido
causado pela queda de Nóbrega após ter sido atingido.
Embora os dois projéteis que atingiram
Nóbrega tenham transpassado o seu corpo, só um deles foi localizado e
apreendido – os projéteis são importantes para definir a distância entre os
policiais e a vítima e também as posições de cada um na cena. Por fim, como o
ex-capitão “aparentava estar vivo”, o Bope optou por levá-lo para o hospital
São Francisco, em Esplanada, onde, segundo os policiais, ele já chegou morto. Para
o legista consultado pela piauí, porém, é certo que Nóbrega teve morte
instantânea devido à quantidade de sangue no chão – no laudo do Instituto
Médico Legal consta que ele morreu em decorrência de anemia aguda. Por isso o
corpo deveria ter sido mantido intacto, para facilitar o trabalho da perícia”.
Outro
fato intrigante é que o sítio onde Nobrega estava escondido pertence ao
vereador do PSL baiano, Gilson Lima, o Gilsinho de Dedé. Ao saber da morte, o
vereador negou que soubesse que o miliciano estava escondido em sua propriedade
e negou conhece-lo.
Adriano
sabia que iria ser morto. Que a polícia não estava ao seu encalço apenas para
prendê-lo. Sabia que era uma peça importante no esclarecimento de muitas
questões ainda envolta em nevoas, como é o caso do próprio assassinato de
Marielle Franco e Anderson Gomes, como também no caso das rachadinhas, na
Assembleia Legislativa do Rio, envolvendo o senador Flávio Bolsonaro e seu
ex-assessor, Fabrício Queiroz.
É
tanto certo que, de alguma forma, Adriano fora avisado da operação policial que
se estava montando contra ele, que, horas antes de ser morto, fugiu da fazenda
onde estava escondido, Parque Gilton Guimarães. A fazenda é uma área de
vaquejada e pertence a Leandro Guimarães, um empresário influente na região. Seus
pensamentos deviam estar em um turbilhão e seu coração acelerado quando entrou
na picape branca, Hylux, e percorreu os 8 km até chegar ao sítio do vereador do
PSL, Gilsinho de Dedé, irmão do deputado estadual baiano, Alex Lima (PSB).
Mais
uma vez surgem perguntas sem respostas, se o sítio estava abandonado e sem
caseiro, como diz o dono da propriedade, quem organizou a pequena estrutura
para que Adriano ficasse escondido ali?
Porque
a polícia não isolou a área logo após o incidente? Do dia 09 ao 13 a
propriedade ficou completamente a descoberto, lugar propício para que curiosos
circulassem por lá, e por quem tivesse interesse em alterar a cena do crime.
Adriano
da Nobrega estava entre os suspeitos de ligação com o crime que vitimou a
vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, mas a polícia o
procurava pelo crime, pelo qual foi denunciado pelo Ministério Público Federal:
grilagem de terras, que é o ato de comprar, vender, e alugar imóvel de forma
irregular. O MP também o denunciou por cobranças de taxas irregulares dos
moradores das favelas, por extorsão e receptação de mercadorias roubadas.
Era
esse homem com ficha pra lá de suja, participante de um grupo responsável pelo
mando ou execução de diversos homicídios que era amigo da família Bolsonaro,
expulso da PM por envolvimento no jogo do bicho. Ele chegou a ser homenageado
por mais de uma vez pelo então deputado, Flávio Bolsonaro.
O Jornal Nacional, exibido no dia 10 de fevereiro, mostrou um paralelo entre
Adriano da Nobrega e a família Bolsonaro. A reportagem de Mônica Sanches começa
mostrando um caso acontecido em maio de 2003,
Naquele
ano, os policiais militares Adriano da Nobrega e Fabrício Queiroz, ex-assessor
de Flávio Bolsonaro ligado ao esquema das rachadinhas, faziam parte do mesmo
batalhão: o 18º Batalhão da Polícia Militar. Durante uma ronda policial eles
mataram um técnico de refrigeração na Cidade de Deus. O auto foi registrado
como ação de resistência. Quase 17 anos depois o inquérito ainda não foi
concluído.
Ainda
em outubro de 2003, o deputado Flávio Bolsonaro, diz a reportagem, fez a
primeira homenagem a Adriano da Nobrega, que era tenente na ocasião. Entre as
qualidades mencionadas na Moção de Louvor com a qual Flávio homenageou Adriano
estão dedicação e brilhantismo no desenvolvimento das funções.
Três
meses depois, em Janeiro de 2004, Adriano matou um guardador de carros, que, na
véspera do assassinato, havia denunciado um grupo de milicianos. Um ano e meio
depois, em junho de 2005, Flávio Bolsonaro resolveu homenagear novamente
Adriano, concedendo-lhe a mais alta honraria concedida pela Assembleia
Legislativa do Rio: a Medalha Tiradentes. A reportagem diz que Adriano não
compareceu na Assembleia para receber a medalha, pois ainda estava preso.
Ainda
em outubro daquele ano, um júri popular condenou o miliciano pelo crime.
Passaram-se quatro dias da condenação e o então deputado federal, Jair
Bolsonaro fez um discurso na Câmara em defesa de Adriano, e reforçou o elogio
de que o ex-policial era um brilhante. O advogado de Adriano recorreu da
sentença, e, em um novo julgamento, em 2007, foi absolvido.
Foi
também em 2007, que Fabrício Queiroz, também expulso da polícia, começa a
trabalhar no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro, na Assembleia
Legislativa do Rio. Foi Queiroz quem indicou a ex-mulher de Adriano, Danielle
Mendonça da Costa Nobrega, para trabalhar no gabinete do deputado, na função de
assessora.
Em
2008, Adriano se envolve em um atentado contra o pecuarista Rogério Mesquita e é
preso novamente. Rogério era inimigos de bicheiros. Em 2013, Adriano foi,
finalmente, expulso da PM porque estava envolvido com o jogo do bicho.
Em
2016, mais uma parente de Adriano também foi trabalhar no gabinete de Flávio Bolsonaro.
Dessa vez o deputado acolheu em seu quadro de funcionários, a mãe de Adriano.
Em
dezembro de 2018, o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu 22 procedimentos
investigativos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), baseados em
dados repassados ao órgão pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf). O objetivo desses procedimentos era investigar a movimentação
financeira de assessores de deputados estaduais, cujas contas apresentavam uma
movimentação muito mais alta do que os valores que eles recebiam.
Foram
estas investigações que levaram as ligações suspeitas entre Flávio Bolsonaro e
Fabrício Queiroz no esquema de rachadinhas, que é quando o servidor é obrigado
a devolver ao parlamentar parte do salário que recebe.
O
Ministério Público também chegou à conclusão de que, além de Fabrício de
Queiroz, o ex-parceiro dele dos tempos da PM, Adriano da Nobrega, também fazia
parte do esquema criminoso que acontecia no gabinete do deputado Flávio
Bolsonaro.
Ainda
segundo a reportagem exibida no Jornal Nacional, dia 10 de fevereiro, a mãe e
ex-mulher de Adriano receberam R$ 1.029.042, 48, em salários. Salário fácil de
ganhar, diga-se de passagem, pois as duas não apareciam para trabalhar. Elas
faziam parte do vergonhoso grupo dos chamados “funcionários fantasmas”. Desse total recebido pelas duas “fantasmas”,
RS 203 mil foram transferidos para as contas de Fabrício Queiroz, que eram quem
operava o esquema das rachadinhas no gabinete do deputado. Outros RS 200 mil
foram sacados em dinheiro vivo. Diz a reportagem que os promotores afirmam que
essa quantia foi repassada pessoalmente ao esquema.
Depois
da descoberta do esquema, Fabrício Queiroz demitiu a ex-mulher de Adriano, em
06 de dezembro de 2018, via WhattsApp, na tentativa de evitar a vinculação dela
ao gabinete. Na verdade, uma tentativa de proteção a Flávio. Mais uma.
Interceptação telefônica autorizada pela justiça mostra que Adriano orientou a
ex-mulher a não prestar depoimento. A mãe do miliciano também foi exonerada
naquele ano.
Como
vimos, morreu Adriano da Nobrega, e como podemos deduzir, morreram com ele
também muitas repostas importantes no esclarecimento tanto do esquema das
rachadinhas, como no assassinato da vereadora Marielle Franco, e do motorista,
Anderson Gomes.
Mais
um motivo para se acreditar que a morte de Adriano tenha sido uma queima de
arquivo, é o depoimento doa advogado do miliciano, Paulo Emílio Capa Preta. O
advogado afirmou a reportagem que seu cliente tinha certeza de que iria ser
morto pela polícia. “Falou que tava
temendo pela vida dele, porque ele tinha certeza, segundo ele me disse, que
essa operação para prendê-lo, não era para prendê-lo verdadeiramente, mas era
para matá-lo. Ele falou em queima de arquivo. Ele falou: “eu temo por ser uma
queima de arquivo”. Disse o advogado. As autoridades baianas negam essa
versão.
Não
esqueçamos que, pelo que se deduz dos fatos apresentados nesse artigo, Adriano
tinha informantes dentro da própria polícia. Tanto é que foi avisado nas duas
vezes que a polícia estava indo pra prendê-lo. Tanto na Costa do Sauipe, quanto
na fazenda Parque Gilton Guimarães, de onde conseguiu fugir para o sítio onde
foi morto. Ali cercado por setenta homens da polícia, não tinha mesmo como
fugir. Então não é difícil também deduzir que os seus informantes o tenham
colocado a par de uma possível “queima de arquivo”.
Na
novela Vale Tudo, exibida pela Rede
Globo, entre 16 de maio de 1988 a 6 de janeiro de 1989, no horário das 20h, o
público passou boa parte da trama, com a pulga atrás da orelha, se perguntando
quem teria matado Odete Roitman, personagem vivido pela atriz, Beatriz Segall,
uma vez que na cena em que personagem é morta só apareciam a mão e arma do
assassino. E o mistério só foi revelado no último capítulo quando se descobriu
que quem havia matado Odete Roitman foi Leila, personagem vivida pela atriz
Cássia Kis Magro.
Ao
final, Leyla não apenas se livra da prisão, como foge do Brasil na companhia do
marido corrupto, e do filho, debochando da justiça brasileira.
Já
faz dois anos que, tal qual em Vale Tudo, permanece em segredo os mandantes do
assassinato de Marielle Franco e do motorista, Anderson Gomes. No caso atual,
sabemos que foram os assassinos, mas a questão crucial permanece: Quem encomendou
a morte da vereadora e do motorista dela ainda permanece selada pelos véus do
mistério.
E
agora, será que teremos que fazer também a pergunta: Quem mandou matar Adriano
da Nobrega?
Que
venha logo esse último capítulo da novela real para que possamos conhecer os
rostos e nomes dos mandantes.
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