Terça-feira, 11 de setembro
“A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente”
(Inútil – Ultraje a Rigor)
A gente sabe escolher presidente? É só dar uma
olhada rápida para as escolhas que fizemos após a abertura democrática, para
ver que não. Como eleitores, fizemos uma escolha pior do que a outra. Tudo bem
que numa democracia as pessoas têm todo o direito de errar, e, conseqüentemente,
pagar pelos seus erros obviamente... Mas acho que não precisávamos errar tanto.
Mas, de certa forma, não são os eleitores que
estão errados. É todo um sistema político que não funciona bem, sistema esse que
está profundamente entranhado numa cultura de pequenas corrupções que, como uma
bola de neve, formou e legitimou o grande mar de lama de corrupção que vemos em
Brasília, e nas casas legislativas, bem como em diversas repartições públicas
de todo o país.
É o tal do jeitinho brasileiro de querer
levar vantagem em tudo, e quem quer levar vantagem em tudo, passando por cima
dos direitos da maioria, acaba não lucrando coisa alguma, e ainda trazendo para
a nação um retrocesso no progresso moral e ético, bem como grandes perdas econômicas
que se fazem sentir no plano individual e em um contexto mais geral.
Voltando ao fato de que não sabemos escolher
presidente já reparou que, nos momentos turbulentos de nossa história, tendemos
a escolher sempre salvadores da pátria? E o que fazem tais salvadores da pátria
após conquistarem o voto dos eleitores e alcançarem o troféu almejado: a
vitória nas urnas. Decepcionam, sempre. Lembram do Fernando Collor, que se
apresentava como o caçador de marajás? Caçou algum deles? Não. Pelo contrário,
foi caçado.
Depois vieram outros, defensores dos fracos e
oprimidos. E o que estes fizeram? Depenaram a nação. Deram alguns centavos para
o povo e, com o muito que sobrou, compraram carne da boa e da melhor... E
fizeram um churrasco de primeira linha regado a bebidas caríssimas.
Tanto descaso para com a nação por parte de
nossos políticos tem provocados efeitos nocivos sobre a nossa democracia. Em primeiro
lugar, o povo não acredita mais na classe política. Há um sentimento de revolta
para com essa classe por toda a nação. E isso tem levado a quadros
preocupantes.
A coisa anda tão feia que tem gente flertando
com a volta da ditadura com esperança de que a ordem seja restabelecida no
país. Quem viveu uma ditadura aqui ou em qualquer lugar do mundo sabe que essa
não é a melhor saída, o melhor remédio. Invocar a violência para viver uma
cultura de paz é uma insensatez.
Nos tempos da cortina de ferro no Brasil,
ainda havia uma juventude disposta a lutar e dar a vida pela liberdade. Era uma
juventude consciente que sabia fazer uma melhor análise da realidade em que
viviam... E não compravam gato por lebre. Aqueles jovens se tornaram uma pedra
no calcanhar da ditadura. E como diz o ditado, água mole em pedra dura tanto
bate até que fura... E aquela juventude rebelde, de certa forma ajudou a furar a
pedra dura do regime feroz.
E a juventude de hoje? Ah, essa não seria
pedra no calcanhar de regime algum de tão alienada que anda. Ela mesma, vítima
do próprio sistema que lhes privou de uma educação mais apurada e do
desenvolvimento do pensamento crítico, tornando-se dessa forma, ótimas massas
de manobra nas mãos de políticos inescrupulosos.
Outra coisa que temos visto são os fortes
radicalismos que tem tomado conta da cena política.
O presidente Lula, hoje preso em uma cela, em
Curitiba, já foi alvo desse radicalismo. Ainda antes de se tornar prisioneiro,
quando andava em campanha eleitoral antecipada, por diversas cidades
brasileiras, teve dois dos três ônibus da caravana que o acompanhava atingido
por tiros. Segundo a polícia, foram três os disparos que atingiram os veículos.
Felizmente ninguém saiu ferido do episódio.
Neste 06 de setembro, véspera do feriado do
Dia da Independência, foi a vez do candidato do PSL, Jair Bolsonaro. O candidato
fazia campanha, em Juiz de Fora, Minas Gerais quando foi atingido, na barriga,
por uma facada, desferida por Adélio Bispo de Oliveira, não filiado a nenhum
partido político.
À polícia, Adélio disse que havia tomado tal
atitude por discordar em diversos pontos de vista com Bolsonaro. Disse também
que havia sido mandado por Deus para cometer tal violência. A PF ainda
investiga o caso.
Bolsonaro, passou por cirurgia e está fora de
perigo. E assim, o primeiro colocado nas pesquisas para a corrida presidencial
passou por um grande susto.
Qualquer forma de violência é condenável. Todos
têm o direito de votar em quem bem quiser e entender. Assim como os candidatos,
em uma democracia, podem defender suas idéias, por mais esdrúxulas que possam
parecer. É a democracia, essa faca de dois gumes, que tanto pode trazer
felicidades como pode trazer lágrimas a um povo, dependendo das escolhas que
esse povo venha a fazer.
Há uma
questão que foi bem analisada pela
escritora, repórter, e documentarista, em artigo no jornal El País Brasil. No artigo,
intitulado, Profissionais da violência, Eliane Brum faz uma análise das reações
do candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, e as
reações de Mourão ao ataque sofrido por Bolsonaro são tão preocupantes quanto o
próprio atentado sofrido por candidato.
A seguir esse blog compartillha com os
leitores o referido artigo de Eliane Brum.
***
Profissionais da violência
A reação de Mourão, o vice “faca na caveira” de Bolsonaro, aponta como o Brasil será governado em caso de vitória da chapa de extrema direita
ELIANE BRUM
10
SET 2018 –
“Se
querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”. A frase é do
general Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro
(PSL). Foi dita à revista Crusoé, após o ataque à faca contra o candidato na
cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, em 6 de setembro. É uma frase para se
prestar toda atenção.
Os
vices com freqüência têm chegado à presidência no Brasil. Mas o mais importante
é o que a declaração nos conta sobre a chapa que, sem Lula, está em primeiro
lugar nas intenções de voto para a disputa presidencial das eleições de
outubro. O que significa um candidato a vice-presidente se anunciar como “nós”
e como “profissional da violência” num momento de tanta gravidade para o
Brasil?
Abalado
pela brutalidade do episódio, Mourão poderia ter escolhido pelo menos duas
variações que mudariam a intenção: “os profissionais da segurança” ou “os
profissionais da proteção”. Palavras como segurança e proteção levariam à ideia
de amparo e de defesa —e não à ideia de ataque, de retaliação e de confronto.
Mas não. Mourão usou um “nós”— e usou “profissionais da violência”. Ao ser
perguntado quem era o “nós”, o general disse que se referia “aos militares e ao
uso da força pelo Estado”.
Mourão
declarou ainda: “Eu não acho, eu tenho certeza: o autor do atentado é do PT”.
No mesmo dia, o presidente do PSL, Gustavo Bebianno, afirmou ao jornal Folha de
S. Paulo: “A guerra está declarada”.
É
bastante revelador que um general da reserva, hoje político e candidato, se
considere no direito de falar em nome do Estado, em plena campanha eleitoral
para se tornar governo. A declaração de Mourão mostra que ele acredita falar
pelos militares, como se os representasse e os comandasse. E como se os
militares fossem uma força autônoma, uma espécie de milícia de Bolsonaro e de
Mourão. E não o que a Constituição determina: uma instituição do Estado, paga
com recursos públicos, subordinada ao presidente da República.
Ao fazer
essa declaração, Mourão trata as Forças Armadas como se fossem a sua gangue e o
país como se fosse a sua caserna. Alguém machucou o meu amigo? Vou ali chamar a
minha turma para descer o cacete. E faz isso na condição de político e de
candidato, como se o processo democrático fosse apenas uma burocracia pela qual
é preciso passar, mas que pode ser atropelada caso se torne inconveniente
demais.
Mais
tarde, Mourão baixaria o tom, segundo ele a pedido do próprio Jair Bolsonaro.
Uma orientação curiosa para um candidato que divulgou uma foto sua na cama do
hospital fazendo com as mãos o sinal de atirar. No dia seguinte à agressão,
durante entrevista à Globo News, o vice de Bolsonaro afirmou que, em caso
hipotético de “anarquia”, pode haver um “autogolpe” do presidente, com o apoio
das Forças Armadas.Ao
comentar a convocação à violência por ele e outras pessoas da campanha, Mourão
afirmou: “Realmente subiu um pouco o tom (no início), mas temos que baixar,
porque não é caso de guerra”. Disse ainda que, se forem eleitos, vão “governar
para todos, e não apenas para pequenos grupos”.
As
declarações do vice de Bolsonaro no primeiro momento dão pelo menos duas
informações sobre ele que vale a pena registrar. Mourão decide baixar o tom
depois de elevar (muito) o tom. Poderia se pensar se é esse tipo de reação
passional que se espera de um general, uma pessoa numa posição de comando
ocupando o posto máximo da hierarquia do Exército, cujas ordens podem afetar
milhares de vidas humanas. Pela trajetória de Mourão, a dificuldade de agir com
racionalidade em momentos de tensão não parece ter afetado a sua carreira.
Neste
momento, porém, Mourão é um político e candidato a vice-presidente. Diante da
crise, representada pela agressão a Bolsonaro, aquele que quer ser
vice-presidente do Brasil explode, confunde o seu lugar e o lugar das Forças
Armadas, e bota gasolina na fogueira que deveria conter. E deveria conter não
apenas por ser candidato, mas por responsabilidade de cidadão.
É
importante que Mourão tenha finalmente entendido que não se trata de uma guerra
e tenha parado de encontrar inimigos entre as faces da população. Mas as
declarações irresponsáveis já produziram um efeito cujas consequências são
difíceis de prever. Como ele mesmo lembrou, “há um velho ditado que diz: as
palavras, quando saem da boca, não voltam mais”.
O
que Mourão faria com poder real diante das tantas crises que esperam um
governante? Como governará essa dupla, caso eleita, um que invoca mais
violência em palavras e outro que, recém operado após sofrer uma agressão, faz
sinal de atirar? Como governarão, com sua lógica de guerra, na qual o inimigo
não é outro exército, mas a parte da população que discorda deles?
A
segunda informação que emerge das declarações é a rapidez e a leviandade com
que Mourão julga e condena. De imediato ele responsabilizou o PT pela agressão
à faca. Não havia —e não há— um único indício de que o autor da facada tenha
qualquer ligação com o PT ou faça parte de um plano do partido. Adelio Bispo de
Oliveira afirma ter agido sozinho e “a mando de Deus”. Declarar publicamente
uma “fakenews” ou mentira, num momento de tanta gravidade para o país, também
pode ter consequências imprevisíveis. Não adianta voltar atrás depois de ter
afirmado uma mentira como “certeza” justamente na hora em que os ânimos estavam
mais acirrados.
É
importante observar como esse protagonista se comporta diante da crise, já que
governar um país é lidar com várias crises todos os dias. Se sem poder de
governo ele encontra culpados, para além do culpado que já está preso, e invoca
publicamente a violência como reação imediata, o que fará caso tenha poder de
governo e a possibilidade de convocar o que Mourão chama de “profissionais da
violência” e a Constituição chama de “Forças Armadas”? Se, quando precisam
convencer eleitores de que são a melhor escolha, os homens de Bolsonaro invocam
a guerra dentro do próprio país, o que farão quando já não precisarem convencer
ninguém?
É
importante observar que não conseguem refrear seus instintos nas horas mais
duras, mas também é importante acreditar no que dizem quando não são capazes de
se conter. Tanto Bolsonaro quanto Mourão têm se esforçado para mostrar que são
“profissionais da violência”. Ao pregarem que a população deve se armar, como
se esta fosse a melhor estratégia para enfrentar a questão da segurança, é
assim que se apresentam.
As
declarações contra as mulheres, contra os negros, contra os indígenas e contra
os LGBTs também são um exercício da violência que revela uma visão de mundo e a
fortalece entre aqueles que dela comungam. Semanas atrás, Mourão chamou os
negros de malandros e os indígenas de indolentes. Desta afirmação que saiu da
sua boca ele não se arrepende. Como disse Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do
candidato: “Tem que botar um cara faca na caveira para ser vice”. Botaram.
No
dia seguinte ao atentado, quando segundo ele mesmo o tom deveria baixar, o vice
de Bolsonaro enalteceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais
notórios torturadores e assassinos da ditadura civil-militar (1964-85). “Os
heróis matam”, justificou ele na TV.
Sempre
vale lembrar ao menos um episódio entre as tantas mortes e torturas ordenadas
ou executadas pelo “herói” de Bolsonaro e de Mourão. O torturador Ustra levou
os filhos de Amélia Teles, presa nos porões do regime, para que vissem a mãe
torturada. Amelinha, como é mais conhecida, estava nua, vomitada e urinada.
Seus filhos tinham quatro e cinco anos. A menina perguntou: “Mãe, por que você
está azul?”. A mãe estava azul por causa dos choques elétricos infligidos em
várias partes do seu corpo e também nos seios e na vagina. Este é o farol de
Bolsonaro e Mourão, em primeiro lugar nas pesquisas para a presidência do
Brasil, o que diz bastante também sobre os eleitores.
Armar-se
é uma das principais plataformas da campanha de Bolsonaro-Mourão, o capitão da
reserva e o general da reserva. E é preciso levá-los a sério. Não só porque
Bolsonaro e Mourão lideram as intenções de voto, mas porque é legítimo que os
eleitores queiram votar em “profissionais da violência” para governar o Brasil.
É possível discordar de quem aposta em “profissionais da violência”, mas o
direito de escolher uma pessoa que invoca a violência é legítimo numa
democracia.
Há muita gente clamando por
“civilização” contra o que nomeiam de “barbárie” que atravessa o Brasil, às
vésperas de uma eleição em que o candidato em primeiro lugar nas pesquisas está
na prisão e é proibido pelo judiciário de se candidatar e o candidato em
segundo lugar leva um facada durante um evento de campanha e precisa passar por
uma cirurgia.
Mas
o que chamamos de civilização tem sido sustentado pela barbárie cotidiana
contra os negros e os indígenas. A civilização sempre foi para poucos. A
novidade que uma chapa Bolsonaro-Mourão apresenta é a suspensão de qualquer
ilusão. Não é por acaso que alicerçam sua prática antiga, tão velha quanto o
Brasil, nas redes sociais, o espaço onde toda a possibilidade de mediação foi
rompida e os bandos se fecham em si mesmos, rosnando para todos os outros.
A
barbárie dos “profissionais da violência” sempre sustentou a civilização de uns
poucos. O que Bolsonaro e Mourão dizem, como “profissionais da violência” que
são, é que já não é preciso fazer de conta. Neste sentido, rompem o mesmo
limite que a internet rompeu, ao tornar possível que tudo fosse dito. E também
ao dar um valor ao dizer tudo, mesmo que este tudo seja o que nunca deveria
poder ser dito, já que é necessário um pacto mínimo para a convivência coletiva
e o compartilhamento do espaço público.
Ao
representar a velha boçalidade do mal expressada na novidade das redes,
Bolsonaro-Mourão são os representantes mais atuais deste momento. Eles sabem
que a guerra não existe no Brasil. O que sempre existiu foi o massacre. São os
mesmos de sempre que continuam morrendo, como os camponeses de Anapu nas mãos
dos pistoleiros da grilagem e as crianças das comunidades do Rio em cujas
cabeças as balas explodem.
Ao
inventarem uma guerra para encobrir o massacre, Bolsonaro e Mourão inventam
também a ideia de que as armas serão iguais e acessíveis para todos, bastando
para isso o “mérito” de passar em eventuais testes e o “mérito” de ser capaz de
pagar pelas melhores. Conheceremos então o discurso da meritocracia aplicado às
armas.
Bolsonaro
e Mourão sabem muito bem que não haverá igualdade ao armar a população. Se
Bolsonaro, o “profissional da violência”, teve alguma sorte na tragédia, é a de
que Adélio Bispo de Oliveira era um amador e era pobre. Ele tinha apenas uma
faca e nenhum plano para depois. Se ele fosse um “profissional da violência”
como Mourão, Bolsonaro não teria tido a chance de fazer o gesto de atirar na
cama do hospital, depois de ser salvo pelo SUS, sistema público de saúde que
ele não se esforça para defender.
Marielle
Franco, a vereadora do Rio pelo PSOL, não teve esta sorte. Seus assassinos
arrebentaram sua cabeça com arma de alto calibre e uso restrito e até hoje,
seis meses depois, não se conhece nem a identidade do executor nem a do
mandante. Negra, lésbica e favelada, Marielle está no lado dos que morrem e
cujas mortes permanecem impunes. Marielle está no lado dos massacrados, não dos
que massacram.
Mas
não é sorte o que Bolsonaro teve ao ser atacado por um amador. Tanto ele quanto
Mourão sabem o que dizem quando reivindicam serem “os profissionais da
violência”. Eles são. Resta saber se a verdade da maioria dos brasileiros é
também esta: a de desejar profissionais da violência comandando o país onde
vivem.
Se
a maioria dos brasileiros mostrar nas urnas que quer esse tipo de político no
poder, então é isso que escolheram. Faz parte do processo democrático que as
pessoas se responsabilizem por suas escolhas e as consequências que delas
resultam. Se você chama “profissionais da violência” para comandar o país onde
você e sua família vivem, você deve saber o que terá.
Eliane
Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção
Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A
Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com
Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook:
@brumelianebrum