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A ferro e fogo
Posted by Cottidianos
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23:42
Quarta-feira,
31 de agosto
“Vocês que fazem parte dessa massa
Que
passa nos projetos do futuro
É
duro tanto ter que caminhar
E
dar muito mais do que receber
E
ter que demonstrar sua coragem
À
margem do que possa parecer
E
ver que toda essa engrenagem
Já
sente a ferrugem lhe comer
Êh,
oô, vida de gado
Povo
marcado
Êh,
povo feliz!”
(Admirável Gado Novo – Zé Ramalho)
O
dia de hoje, 31 de agosto de 2016, representou mais um dia histórico para o
Brasil. Uma marca para a nação igual a essas marcas com a qual o vaqueiro fere
o gado no campo: a ferro e fogo. Dessas marca eu entendo bem, pois vivi boa
parte de minha vida no campo. Apesar de nunca ter sido um cowboy, quando
criança vi muitas vezes essa cena de marcar o gado. Esquentava-se o ferro nas
chamas até que ele ficasse vermelho como brasa, e depois se encostava o ferro
na pele do animal. Deveria ser dolorido para o animal, muito dolorido, diga-se
de passagem. Imaginem um ferro quente, em brasa, marcando a pele do bicho?
Acho
que ninguém, em sã consciência, gostaria de estar na pele de um boi, ou de uma vaca,
não é mesmo?
Disse
mais um dia histórico para me referir, não a um fato histórico qualquer, mas a
um fato histórico cuja natureza se assemelha ao de hoje.
Era
30 de dezembro de 1992 e o Brasil dava uma virada na sua história. Por 76 votos
a favor e 3 contra, o Senado brasileiro cassava o mandato de Fernando Collor de
Melo, o falso “caçador de marajás”. Collor havia renunciado antes, mas não foi
aquela renúncia pensada, meditada, não pensem isso. Ele só renunciou um dia
antes da votação, porque sabia, com certeza, que perderia o mandato. Então, na
esperança de evitar o impeachment, e, caso isso não fosse possível, tentar preservar
os direitos políticos, ele renunciou.
A tentativa
de Collor falhou, pois, os Senadores, em plenário, decidiram mesmo assim, finalizar
o processo, pois Collor não poderia evitar o impeachment, através de uma carta
tardia de renúncia. Resultado, Collor perdeu a faixa presidencial, e ficou
inelegível por oito anos. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, Itamar
Franco. Esse foi o primeiro processo de impeachment da América Latina.
Vinte
e quatro anos se passaram, e dessa vez, quem perdeu a faixa presidencial foi
uma mulher: Dilma Rousseff, a “protetora dos marajás” — e já adianto que essa alcunha,
vocês não encontrarão em nenhum lugar, pois foi criada agora por mim.
Pra
falar a verdade, não encaro o fato com alegria, mas até mesmo, com certa
tristeza. Tristeza não pelo fato de ser partidário de Dilma, mas sim, pelo fato
de ser partidário da democracia. Democracia que Dilma afirmou que morreria,
caso os senadores votassem pela sua deposição.
E,
agora, sentando em frente a esse computador, e enquanto vos escrevo este texto,
me pergunto: o impeachment de Dilma Rousseff é bom ou ruim para a nossa
democracia? Não me atrevo a dar uma resposta, prefiro ponderar.
Mas
enfim, se estivéssemos mesmo maduros em termos de democracia, não teríamos o
Congresso e o Senado que temos, e muito menos, dois casos de impeachment em tão
pouco tempo.
Afinal,
o Brasil viveu os anos de chumbo — confesso que era criança naquela época, e
não conseguia compreender o sentido de tudo aquilo. Só lembro-me de, na escola,
ter aulas de Educação Moral e Cívica. De receber material escolar do governo
com a foto dos presidentes estampadas nas contra capas dos cadernos, e de as
turmas de meninos e meninas, em seus uniformes escolares, perfilarem-se, pelo
menos uma vez por semana, sob sol, suave para as turmas da manhã, e bem quente
para as turmas do turno da tarde, pois morava no nordeste, e por lá o frio é coisa
rara. Ah, também me lembro dos desfiles cívicos do dia 07 de setembro, que eram
por demais exaustivos para as crianças, que desfilavam com passos militares, e
bem interessante para quem apenas acompanhava o desfile pelas ruas. Mas, dessa
coisa de tortura, e tudo o mais, isso me fugia ao alcance. Vim tomar
conhecimento de todo esse horror bem depois, depois que havia passado a doce
vida de criança.
Divaguei
um pouco nas minhas lembranças, mas foi porque o texto pediu, mas agora retorno
a minha linha de raciocínio.
O fato
é que nos livramos desse fardo pesado e cruel da ditadura, e nas primeiras
eleições diretas, já tivemos que depor um presidente.
Avançamos
na democracia, ainda que incipiente — se alguém discorda de mim nesse ponto,
basta apenas olhar para os lados e ver a grande desigualdade social e econômica
que existe em nosso país, e ver quão grande é o abismo que separa ricos e
pobres, e veja se estou dizendo alguma bobagem — e, vinte e quatro anos depois
temos um novo caso de impeachment.
Nos
dois casos, tanto no impeachment de Collor, quanto no impeachment de Dilma, o
pano de fundo é mesmo: corrupção. Maldita corrupção.
Passamos
pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, e lá também a corrupção esteve
presente, ainda que não de uma forma não tão escancarada como o foi nos
governos petista de Lula e Dilma.
Depois
de dois anos sob o governo de Fernando Henrique, elegemos aquele que batalhou
com Fernando Collor e perdeu. Batalhou com Fernando Henrique, e perdeu. Mas enfim,
depois desses dois adversários políticos, Lula venceu a primeira eleição em
2003.
Era
uma promessa para o Brasil. Nordestino, de origem humilde, veio de Pernambuco
para São Paulo de pau-de-arara, um tipo de transporte muito rudimentar, militou
nos sindicatos em favor dos trabalhadores, conseguiu um feito para que é para
poucos, mesmo para quem nasce em berço de ouro: ser presidente do Brasil.
Foi,
inicialmente, aclamado pelos brasileiros, e pelos líderes mundiais. Obama
chegou a dizer que ele era o cara. E, de fato, ganhou respeito e consideração
dos líderes mundiais.
Confesso
que havia votado em Lula nas vezes em que ele havia se candidatado. Votei nele
também, na eleição que o tornou presidente. E votei, não apenas por votar:
votei com entusiasmo e esperança.
Mas,
diferentemente, de outros brasileiros que permaneceram na ilusão — e muitos
deles ainda permanecem, mesmo após todos os fatos e evidencias — minha decepção
começou com as revelações do escândalo do mensalão. Ali, já percebi que aquele
no qual eu depositará esperança, não era um amigo do povo, mas um homem sem escrúpulo.
Percebi que, por trás de todos aqueles belos projetos sociais, e do discurso de
acabar com a pobreza, havia um homem sedento de poder, e poder a qualquer
custo. Morreram ali minhas esperanças de um líder que revolucionaria a
educação, e através dessa arma poderosa, revolucionária o país o inteiro.
Veio
Dilma, e vi nela um fantoche, uma sombra do ex-presidente. Ambos sem nenhum
senso critico, sem a capacidade de reconhecer o erro. Jamais, em lugar algum,
ouvi Lula admitir que houvera errado em qualquer coisa. Posso estar enganado,
mas até onde me permite minha observação dos fatos, não vi nenhuma declaração
nesse sentido. Ao contrário, a conversa era sempre a mesma: “estamos sofrendo
perseguição”. “A elite está querendo nos destruir”. Enquanto isso, ele se
banqueteava com a elite em seus banquetes regados a muita corrupção.
Aliás,
o que fez Dilma, quando sentiu que o processo de impeachment começara? “Um
golpe”. “Estou sendo vítima de um golpe”. Também nunca vi Dilma dizer em lugar
algum: “realmente, essa política econômica foi equivocada” “o país está em
crise”. Ao contrario, tudo estava desabando ao redor dela, e ela afirmava
sempre: “é só um vento passageiro e sem consequência”.
Ao
dois, Lula e Dilma, faltou uma qualidade que fica bem em qualquer ser humano,
seja ele rico ou pobre, estudado ou analfabeto, poderoso ou gente simples do
povo: humildade.
Quanto
a Lula, já disse nesse blog outras vezes e repito, sem medo de errar: jogou sua
bela biografia na lata do lixo, e levou Dilma a fazer o mesmo com a dela.
Acho
que o parágrafo abaixo deveria ter vindo logo no início do texto, mas, enfim, o
importante é que seja dito, não importa se no início, no meio, ou no fim.
Nesta
quarta-feira histórica, 31 de maio, o Senado aprovou por 61 votos a favor, e 20
contrários o afastamento definitivo da presidência, sob a acusação de ela ter
cometido crimes de responsabilidade fiscal, ou como ficou mais conhecido o caso
“pedaladas fiscais”, e os decretos que foram assinados sem a autorização do
Congresso Nacional.
Por
causa do julgamento em separado da perda dos direitos políticos, Dilma, à
exemplo de Collor não se torna inelegível por oito anos. Um ato de misericórdia
dos “nobres” senadores, ou um modo de tirar um peso da consciência? Julguem
vocês a questão.
Assim
temos um novo presidente, que perde a condição de interino, Michel Temer. Vejo
com desconfiança esse novo governo, também ele aliado aos poderosos, e envolto
nas mesmas falcatruas e roubalheiras praticadas pelo PT. Mas, enfim, é o nosso
governo e resta a nós todos, brasileiros e brasileiras, ficar de olho, vigiar,
e continuar acreditando em um país livre da praga da corrupção.
Um
governo que tira da boca de seu povo o pão da educação e da cultura não é um
governo digno de aplausos, nem de confiança.
E Temer
tem dado sinais de que caminha nessa direção. Logo no inicio de seu governo,
quis eliminar o ministério da Educação e Cultura, e só não o fez porque a
classe artística, como diz o ditado popular, “botou a boca no trombone”.
No
final da semana passada, escondido em meio a toda essa algazarra gerado pelo
impeachment, o governo Temer interrompeu o programa do governo Federal que
ensina jovens e adultos a ler e escrever. E isso porque o Brasil está entre os
países com piores taxas de analfabetismo. No Brasil são 13 milhões de pessoas
que não sabem ler um simples bilhete.
A educação
é uma luz a guiar os homens em meio as trevas da ignorância. Se assim é, um
governo que apaga essa luz é, para dizer o mínimo, um mau governo.
E ainda
tem a questão do corrupto Eduardo Cunha, que o governo, e o Congresso,
vergonhosamente, têm protegido. Gostaria de falar disso também, mas fica para
outra postagem, se não essa de hoje ficará extensa demais.
Diante
do cenário, que se apresenta aos nossos olhos, só me resta recorrer àquele que
é todo poderoso: Senhor, Deus de misericórdia! Têm piedade desse nosso sofrido
Brasil.