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Roberto Alvim: a máscara caiu
Posted by Cottidianos
on
22:12
Sexta-feira,
17 de janeiro
“Sei que é
doloroso um palhaço
se afastar dos
palcos por alguém
Volta que a
plateia te reclama, sei que choras palhaço,
por alguém que
não te ama.
Enxuga os olhos
e me dá um abraço,
não te esqueças
que és um palhaço
Faça a plateia
gargalhar,
um palhaço não
deve chorar”
(Palhaço
– Nelson Cavaquinho
Interpretação: Clara Nunes)
“A arte alemã da próxima década será heroica,
será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será
nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não
será nada”.
Foi
no dia 08 de maio de 1933 que o ministro de comunicação da Alemanha de Hitler,
Joseph Goebbels, pronunciou estas palavras dirigindo-se a diretores de teatro,
em uma espécie de orientação artística e estética para a classe.
Dois
dias após esse discurso, Goebbels, o homem forte da propaganda nazista, fez do
dia 10 de maio daquele ano, um marco do auge da perseguição do regime aos
intelectuais que ele considerava “inconvenientes”, ou seja, aqueles artistas
que não estavam alinhados as ideias de Hitler.
Por
toda a Alemanha, principalmente, em cidades universitárias, pilhas de livros —
centenas de milhares deles — foram colocados nas praças, e em seguida, queimados. Das obras que criticavam o nazismo sobraram apenas cinzas,
e daquele dia, tristes lembranças. Era preciso “purificar” a cultura alemã,
disse o poeta nazista Hanns Johst na ocasião.
Surpreendentemente,
87 anos depois, quando todos pensávamos que as palavras pronunciadas por
Goebbels tivesse virado cinzas no tempo, tivemos de ouvi-las novamente, desta
vez, pela boca do secretário Especial de Cultura do governo Bolsonaro, Ricardo
Alvim.
O
cenário: uma sala em tons pasteis. Uma mesa de gabinete, ladeada por uma
bandeira brasileira e pela cruz de Lorena. Ao fundo, um quadro com a imagem do
presidente Jair Bolsonaro. Sob a trilha sonora Lohengrin, ópera romântica,
composta e escrita por Richard Wagner (1813-1883), compositor favorito do
Führer, sentado à mesa, com ar grave, Alvim inicia seu pronunciamento: “A arte brasileira da próxima década será
heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento
emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às
aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada”.
Comparemos a fala de Goebbels com a de Alvim,
e encontraremos aí um plágio. E ainda há todo um conjunto de elementos cênicos
que nos remetem aos tristes tempos do nazismo.
O
vídeo em que Ricardo Alvim aparece fazendo o referido pronunciamento foi
publicado na rede social da Secretaria Especial de Cultura, na noite de
quinta-feira, 16. O vídeo tem o objetivo de divulgar o Prêmio Nacional de
Artes: um programa do governo com o objetivo de patrocinar óperas, contos,
pintura, escultura, espetáculos teatrais e outras produções culturais inéditas.
Segundo informações do governo o valor estimado do prêmio é de R$ 20,625
milhões.
A
seguir trecho completo do discurso de Ricardo Alvim, de onde a citação acima
foi extraída:
Olá, meus amigos, eu sou Roberto Alvim,
secretário Especial de Cultura do governo do presidente Jair Bolsonaro. Eu
venho falar a vocês sobre um assunto muito importante.
Quando eu assumi este cargo em novembro
de 2019, o presidente me fez um pedido. Ele pediu que eu faça uma cultura que
não destrua, mas que salve a nossa juventude. A cultura é a base da Pátria.
Quando a cultura adoece, o povo adoece junto. É por isso que queremos uma
cultura dinâmica e, ao mesmo tempo, enraizada na nobreza de nossos mitos
fundantes. A Pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus,
amparam nossas ações na criação de políticas públicas. As virtudes da fé, da
lealdade, do autossacrifício e da luta contra o mal serão alçadas ao território
sagrado das obras de Arte.
Nossos valores culturais também conferem
grande importância à harmonia dos brasileiros com a sua terra e sua natureza,
assim como enfatizam a elevação da nação e do povo acima de interesses
mesquinhos particulares. A cultura não pode ficar alheia às imensas
transformações intelectuais e políticas que estamos vivendo.
A arte brasileira da próxima década será
heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento
emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às
aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada.
Ao país a que servimos, só interessa uma
arte que cria a sua própria qualidade a partir da nacionalidade plena, e que
tem significado constitutivo para o povo para o qual é criada.
Portanto, almejamos uma nova Arte
nacional, capaz de encarnar simbolicamente os anseios dessa imensa maioria da
população brasileira com artistas dotados de sensibilidade e formação
intelectual, capazes de olhar fundo e perceber os movimentos que brotam do
coração do Brasil, transformando-os em poderosas formas estéticas.
São estas formas estéticas, geradas por
uma arte nacional, que agora começará a se desenhar, que terão o poder de nos
conferir, a todos, energia e impulso para avançarmos na direção da construção
de uma nova e pujante civilização brasileira. É neste espírito que o governo
federal tem o orgulho de lançar os seguintes Prêmios Nacionais de fomento às
Artes...
Em
seguida, é feita uma apresentação do projeto propriamente dito, e ao final, o secretário retorna para o encerramento.
O
pronunciamento de cunho nazista caiu como uma bomba na sociedade brasileira,
vários setores se levantaram contra esse discurso, inclusive a embaixada da
Alemanha, federações israelitas, STF e OAB. Até o ideólogo do governo Bolsonaro
Olavo de Carvalho, disse de Alvim: “talvez
não esteja muito bem da cabeça”.
Os
presidentes da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), também se manifestaram contra e pediram o afastamento
imediato do secretário de Cultura. E foi justamente isso que aconteceu. Nesta
sexta-feira, 17, a assessoria de imprensa da Secretaria Especial de Cultura,
informou que Ricardo Alvim havia sido demitido do cargo.
Quando
as reações à fala dele eclodiram e as críticas vieram fortes, e de todos os
lados, Alvim ainda tentou se justificar, dizendo que havia sido apenas uma
coincidência retórica. Disse também que as críticas eram coisa da esquerda. Mas
era óbvio demais que ele havia plagiado o que de pior havia no governo de
Hitler, e Alvim caiu.
Ainda
na quinta-feira, 16, durante o lançamento do Prêmio, Bolsonaro foi só elogios a
Ricardo Alvim: “Agora temos um secretário
de Cultura de verdade. Da maioria da população brasileira. População
conservadora e cristã. Muito obrigado por aceitar esta missão”, disse ele,
para horas depois, exonerar o secretário.
E
logo Bolsonaro que gosta de fritar gente do primeiro e segundo escalão do
governo. Gosta de ficar enrolando antes de demitir alguém, dizendo de um modo
bem popular. Dessa vez agiu rápido. Deve ter sido aconselhado por assessores de
que a encrenca era grande demais e que ele tinha que agir depressa.
Engraçado,
ou melhor, trágico, é a gente perceber que as promessas de campanha, ficam
exatamente onde foram feitas, na campanha. Em outubro de 2018, ainda em
campanha eleitoral, falando a respeito de educação, Bolsonaro disse que o
ministro da Educação e todo o primeiro escalão do governo iriam ser escolhidos
com base em critérios técnicos: “Tem que
ser alguém que entenda daquele assunto. Assim como na Defesa vai ter um oficial
quatro estrelas, no Itamaraty, alguém do Itamaraty, na Agricultura, alguém que
venha indicado pelo setor produtivo, com a Educação, não é diferente. A gente
está escolhendo por critérios técnicos, né? Competência, autoridade,
patriotismo e iniciativa”, disse ele na ocasião.
E
o que vemos, salvo raríssimas exceções como o ministro da Economia, Paulo
Guedes, e da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, o pessoal do
Bolsonaro só tem feito trapalhadas, seja através de atos ou palavras.
Voltando
as consequências do discurso de Roberto Alvim, quem deve ter assistido de
camarote — com toda a serenidade característica de uma diva — a queda do
secretário de Cultura foi a grande dama do teatro, do cinema e da televisão,
Fernanda Montenegro.
Em
setembro, quando ainda ocupava o cargo de dramaturgo e diretor do Centro de
Artes e Ciências da Funarte, Roberto Alvim, usou as redes sociais para atacar
Fernanda Montenegro por ocasião de uma série de reportagens que estavam sendo
feitas com a atriz por causa do lançamento de sua autobiografia, Prólogo, ato, epílogo.
O
fato que motivou as críticas de Alvim foi uma foto que a atriz fez para a capa
da revista Quatro Cinco Um na qual
ela encarnava uma bruxa medieval sendo queimada numa fogueira de livros.
“A "intocável" Fernanda Montenegro
faz uma foto pra capa de uma revista esquerdista vestida de bruxa. Na
entrevista, vilipendia a religião da maioria do povo, através de falas
carregadas de preconceito e ignorância. Essa foto é ecoada por quase toda a
classe artística como sendo um retrato fiel de nosso tempo, em postagens que
difamam violentamente o nosso presidente”, disse ele nas redes sociais. E
acrescentou: “Então acuso Fernanda de
mentirosa, além de expor meu desprezo por ela, oriundo de sua deliberada
distorção abjeta dos fatos. Fernanda mente escandalosamente, deturpa a
realidade de modo grotesco, ataca o presidente e seus eleitores de modo brutal,
e eu sou grosseiro e desrespeitoso, apenas por ter revidado a agressão
falaciosa perpetrada por ela?”
Depois
desse lamentável episódio, Bolsonaro, ao invés de punir Alvim, o promoveu,
fazendo dele secretário Especial de Cultura.
Quanto
a Fernanda Montenegro, esta respondeu às críticas de Alvim com a melhor e mais
eficaz das armas: o silêncio. Com isso a fenomenal, premiada, e aclamada atriz
nos ensinou que com os tolos não se discute. Eles não merecem a nossa resposta.
E, se ocupam cargos importantes, mais cedo ou mais tarde cairão, pois se tem
cabeça de ouro, peito e braços de prata, ventre e coxas de cobre, pernas de
ferro, mas se tem os pés de barro, eles não se manterão de pé.
No
encerramento de seu tão criticado pronunciamento, o secretário Especial de
Cultura diz: “Trata-se de um marco
histórico nas artes brasileiras, de relevância imensurável, e sua implementação
ao longo dos próximos anos irá redefinir a qualidade da produção cultural em
nosso país. Por tudo isso que afirmo a vocês, meus amigos, 2020 será o ano de
uma virada histórica, 2020 será o ano do renascimento da Arte e da Cultura no
Brasil”.
Joseph
Goebbels, eficiente cérebro da propaganda nazista, também poderia,
perfeitamente, ter encerrado o discurso dele deste modo. Por isso, as palavras
bonitas e as promessas de que o ano de 2020 sejam um “marco histórico nas artes
brasileiras” e o “ano do renascimento da Arte da Cultura”, deveriam nos encher
de alegria, mas ao contrário, nos trazem muitas preocupações.
De
que modo? Na Alemanha nazista a única arte boa e bela era aquela que agradava
ao regime. Se não expressasse a forma com a qual Hitler e seus seguidores viam
o mundo, então não era digna de ser vista, de ser exposta ao público, então
deveria ser banida, queimada, como foram queimados milhões de livros na
Alemanha. Esse era o marco histórico e o renascimento das artes na concepção de
Goebbels.
Para
finalizar este artigo, trago aos leitores e leitoras, as palavras da brilhante
jornalista, Miriam Leitão. Em sua coluna na rádio CBN, na manhã desta
sexta-feira, 17, Miriam comenta o pronunciamento de Roberto Alvim, e ao final
chama a atenção para valores primordiais em nome dos quais todas essas
arbitrariedades na cultura e em outras áreas da vida social estão sendo cometidas em
nosso país: Deus, a Pátria, e a Família.
“Ele (Roberto Alvim), usou no discurso dele,
ele tem usado, ele usou em toda entrevista dele, e o presidente (Jair
Bolsonaro) tem feito isso, e outras autoridades do governo tem feito isso, que
é o uso de valores comuns para favorecer um grupo político como se fosse
propriedade (deles). DEUS não é propriedade de um grupo político. PÁTRIA não é
propriedade de um grupo político. FAMÍLIA todos têm. Eles têm usado essa
manipulação de Deus, Pátria, e Família, como se fossem pertencentes a um grupo
político. Isso sempre foi feito. Por quem? Pelo nazismo. Então, nós temos que
levar esse assunto muito a sério. Não é brincadeira o que aconteceu ontem. Não
se cita um nazista. Uma autoridade brasileira não pode citar palavras de um
nazista”, diz a jornalista.
Se
o leitor, ou leitora, ainda não viu o plágio de Ricardo Alvim do discurso
de Joseph Goebbels, segue o link para a íntegra do vídeo no Youtube: