Quarta-feira, 14 de novembro
Neste
domingo, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do também futuro
governo de Jair Bolsonaro, concedeu uma longa entrevista ao programa
Fantástico, da TV Globo, na pessoa da repórter Poliana Abritta. Nela, o o juiz
Sérgio Moro fala de diversos assuntos de interesse do governo e da
coletividade, bem como de seus anseios e dúvidas em relação ao futuro.
A
seguir, esse blog transcreve essa entrevista na íntegra, não se
atendo, porém, a outros comentários introdutórios, pois a entrevista, por si
só, já diz muito e esclarece muita coisa.
O
leitor, ou leitora, pode seguir direto para a leitura deste texto, ou pode ir direto
para o site do Fantástico e assistir a entrevista, por lá. Ou pode
também fazer as duas coisas. Fica a seu critério à escolha.
***
Em
entrevista exclusiva, Sérgio Moro fala sobre a decisão de aceitar o cargo de
futuro Ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro.
Moro:"Não assumiria papel de ministro da
Justiça com risco de comprometer minha biografia"
A apresentadora
do Fantástico, Poliana Abritta, foi a Curitiba para uma entrevista com o juiz
Sérgio Moro, que está de mudança pra Brasília a partir de janeiro. Ele assume o
Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sob elogios e críticas, o juiz
Sérgio Moro aceitou o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Poliana Abritta: O que foi decisivo, juiz, pra esse sim?
Sérgio Moro: O grande
motivador dessa aceitação do convite foi a oportunidade de ir a Brasília numa
posição de poder elevada de ministro da Justiça e poder implementar com essa
posição uma agenda anticorrupção e uma agenda anticrime organizado que não se
encontram ao alcance de um juiz de Curitiba, mas podem estar no alcance de um
ministro em Brasília.
Poliana Abritta: O senhor conversou com familiares ou fez uma
reflexão sozinho?
Sérgio Moro: Conversei com amigos,
com pessoas experientes, conversei também com a minha família. Na verdade, dos
amigos, os conselhos foram diferenciados. Alguns me recomendaram que não,
outros me recomendaram que sim.
Poliana Abritta: Teve algum momento que o senhor pensou em
dizer não?
Sérgio Moro: Sim, isso foi
tudo muito novo. Uma semana antes do segundo turno, dia 23 de outubro, eu fui
procurado pelo futuro ministro da Economia, o senhor Paulo Guedes, com uma
sondagem. Confesso que eu vi essa sondagem e fiquei tentado. Aguardei o
encerramento das eleições. E tudo foi decidido, na verdade, no dia 1º de
novembro.
Nesse dia, o
juiz foi visitar o presidente eleito Jair Bolsonaro na casa dele, no Rio de
Janeiro. Saiu de lá como futuro ministro.
Sérgio Moro: O que eu
percebia nas pessoas comuns era um certo entusiasmo, um desejo de que eu
aceitasse esse convite. As pessoas me procuram, me cumprimentam. Pra mim, é um
sinal de que há uma grande expectativa. E espero corresponder a essa
expectativa.
Poliana Abritta: O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres
Britto disse que essa mudança rápida do senhor da Justiça pro Executivo,
"comprometeria a separação e independência dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário". O que senhor tem a dizer sobre isso?
Sérgio Moro: Tenho grande respeito
pelo ex-ministro Ayres Britto. Eu acho que a avaliação dele, nesse caso, está
equivocada. Existe essa fantasia de que o ex-presidente Lula, que foi condenado
por corrupção e lavagem de dinheiro, teria sido excluído arbitrariamente das
eleições por conta do processo criminal. Mas o fato que ele tá condenado e
preso porque ele cometeu um crime.
Poliana Abritta: A defesa do ex-presidente Lula entrou com um
novo pedido de habeas corpus pela liberdade dele e pela anulação da ação penal
do caso do tríplex. E o principal argumento é de que houve "irremediável
perda da imparcialidade". O senhor, em algum momento, temeu colocar em
risco todo o trabalho feito até agora ao aceitar o convite pro ministério?
Sérgio Moro: Não. Veja,
essa questão pertence hoje às cortes de Justiça, não mais a mim. Mas eu proferi
a decisão em relação ao ex-presidente Lula em meados de 2017. Então, assim, eu
nem conhecia o presidente eleito Jair Bolsonaro. Eu sopesei essas questões,
também levei em conta. Mas, pelo que eu vejo nas pessoas comuns, que eu
encontro por aí, ninguém tem essa sombra de desconfiança.
Na sexta-feira,
depois desta entrevista, o Conselho Nacional de Justiça solicitou que Sérgio
Moro preste informações por "suposta atividade político-partidária"
ao aceitar o convite para ser ministro. O juiz terá 15 dias para se manifestar.
Sérgio Moro: Eu estou indo
pra consolidar os avanços da Operação Lava-Jato em Brasília.
Poliana Abritta: O senhor acha que o momento que a gente vive
hoje, politicamente, é resultado desses quatro anos da Lava-Jato?
Sérgio Moro: Em parte, nas
eleições, havia um sentimento muito forte contra um sistema político que,
apesar de todas essas revelações de casos de grande corrupção, praticamente
nada fez. O atual senhor presidente eleito foi quem, talvez, quem melhor foi
identificado pela população como alguém que modificaria esse status quo.
Qualquer outro candidato que fosse identificado com essa causa anticorrupção
teria boas chances. Sem prejuízo das outras bandeiras do candidato.
Poliana Abritta: O senhor deu
uma coletiva esta semana em que enumerou uma série de medidas que pretende
encaminhar ao Congresso ao longo do governo.
O juiz defendeu:
- que condenados
por homicídio pelos tribunais do júri cumpram a pena imediatamente, sem esperar
o julgamento de recursos.
- que seja
proibida a progressão de pena e a saída temporária de presos que tenham
vínculos com organizações criminosas.
- que crimes
graves demorem mais a prescrever.
- que haja uma
regulação mais clara para que policiais possam trabalhar disfarçados.
- que seja
ampliado o banco de dados genético para esclarecer crimes com exames de DNA.
- que
denunciantes anônimos sejam mais protegidos.
Poliana Abritta: Entre as propostas e bandeiras de campanha
do presidente eleito está a flexibilização da posse e do porte de armas. O que
seria isso na prática, essa flexibilização?
Sérgio Moro: As regras
atuais são muito restritivas pro posse de arma em casa. "Posse" é a
pessoa ter uma arma dentro de casa. Não ela sair por aí passeando com a arma.
Aí é "porte", é diferente.
Poliana Abritta: Hoje a gente tem uma pessoa com 25 anos, que
preencha uma série de requisitos, passe por uma série de testes psicotécnicos,
antecedentes criminais, se ela comprovar a necessidade de ter uma arma, ela
consegue ter uma arma. O que isso mudaria?
Sérgio Moro: Eu acho que
isso não pode ser muito além de uma afirmação de que: "eu quero ter uma
arma em casa. Eu tô preparado, eu não tenho antecedentes criminais, eu fiz os
testes psicotécnicos, e assim eu quero ter uma arma, vamos assim, porque eu me
sinto mais seguro".
Poliana Abritta: Vários estudos mostram que esse armamento
não obrigatoriamente reflete numa diminuição da criminalidade.
Sérgio Moro: Eu acho que a
questão não é exatamente a diminuição ou não da criminalidade. O senhor
presidente foi eleito com base nessa proposição. E me parece que existe um
compromisso com os seus eleitores.
Poliana Abritta: O senhor como juiz tem o direito a ter uma
arma em casa...
Sérgio Moro: Sim.
Poliana Abritta: O senhor tem uma arma?
Sérgio Moro: Sim.
Poliana Abritta: Mas não anda armado?
Sérgio Moro: Bem, são
questões relativas à segurança pessoal, mas prefiro não responder. Mas
normalmente, não.
Poliana Abritta: Tem alguma coisa que tire o sono do senhor
hoje?
Sérgio Moro: Hoje, olha,
eu... exerço a profissão de magistrado na área criminal e não raramente me
deparei casos muito difíceis. Isso sempre envolve uma situação de risco. Mas
vão ser tomadas as providências necessárias pra assegurar a minha proteção
policial durante esse período e das pessoas a mim próximas.
Poliana Abritta: A gente teve, no ano passado, 62 mil
homicídios no Brasil. Qual a meta do senhor pra daqui quatro anos em relação a
esse número?
Sérgio Moro: Eu não tenho
condições de me comprometer com um percentual de redução específico. Porque,
veja, isso não é matemática. O que é importante é iniciar um ciclo virtuoso.
Poliana Abritta: Essa semana, a gente teve no Rio de Janeiro
uma operação no Complexo da Maré em que cinco pessoas foram mortas. Isso é uma
coisa recorrente. Onde o poder público tá errando?
Sérgio Moro: O Estado tem
que ter uma política mais rigorosa em relação a essas organizações criminosas.
Isso segue três padrões: investigações sólidas, direcionada à organização e
seus líderes; prisão dos líderes, isolamento dos líderes; confisco do produto
da atividade criminal e do patrimônio da organização. É assim que se desmantela
organização criminosa. O criminoso vai pra cadeia, o policial vai pra casa. O
confronto tem que ser evitado ao máximo.
Poliana Abritta: Mas hoje, na situação que a gente tem, o
confronto é quase que diário.
Sérgio Moro: Essa é uma
situação que tem que ser evitada.
Poliana Abritta: Como reverter isso pra que esse confronto
seja evitado?
Sérgio Moro: Não é uma
coisa simples. Não vou dizer assim: "não vai acontecer isso depois de
janeiro". Pode acontecer. Mas são situações indesejadas. Não pode se
construir uma política criminal, mesmo de enfrentamento do crime organizado,
baseado em confronto e tiroteio. O risco de danos colaterais é muito grande.
Não só danos colaterais, mas o risco pro policial.
Poliana Abritta: O governador eleito do Rio, Wilson Witzel,
prevê o abate de qualquer pessoa que esteja portando o fuzil. O senhor, como
juiz, vê amparo legal nessa proposta?
Sérgio Moro: Não me parece
razoável que o policial tenha que esperar o criminoso atirar nele com uma
metralhadora ou com um fuzil antes que ele possa tomar qualquer providência. Eu
tenho minhas dúvidas se isso já não é acobertado pela legislação. Mas nós vamos
estudar se é necessário uma reformulação da lei nesse sentido. Eu não tenho
condições de agora efetuar uma crítica apropriada porque eu não sei exatamente
o que ele tá defendendo.
Poliana Abritta: Ele tá defendendo inclusive a compra de
drones que possam ser usados se tiver um bandido numa comunidade no Rio com um
fuzil na mão pra que se possa atirar. Ele disse que vai defender os policiais
juridicamente pra que isso seja feito.
Sérgio Moro: Aí teria que
sentar com ele, conversar pra entender o nível de concreção dessa proposta. Se
tá numa situação de confronto policial, com risco ao policial, de ser alvejado
num confronto, eventualmente.
Poliana Abritta: Não, a proposta dele vai além..
Sérgio Moro: Mas eu não sou
assessor do governador...
Poliana Abritta: É só pra eu saber até que ponto...
Sérgio Moro: São
declarações que ele deu em entrevistas e tal, isso tem que ser conversado com
mais cautela e ponderação pra saber em concreto o que se pretende.
Poliana Abritta: Redução da maioridade penal. O senhor vê
como única possibilidade a redução ou, por exemplo, um aumento da pena, que
hoje é só de três anos?
Sérgio Moro: Bem, não
existe uma posição fechada do governo em relação a isso, isso é uma questão a
ser discutida. Existe uma necessidade de proteger o adolescente. É uma pessoa
em formação. É inegável. Por isso se coloca a maioridade penal em 18 anos. Mas
também eu acho que é razoável essa afirmação de que mesmo um adolescente entre
16 e 18 anos, ele já tenha compreensão de que é errado matar. Isso não resolve
criminalidade, mas tem que se considerar a justiça individual. Pense numa
família que um dos membros foi vítima de um homicídio praticado por um
adolescente acima de 16 anos. As pessoas querem uma resposta do Estado
institucional. E o sistema atual, que prevê sanções muito reduzidas pra crimes
dessa natureza, de gravidade, é insatisfatório.
Poliana Abritta: O senhor disse na coletiva que todos terão
os direitos garantidos pela lei. E o presidente eleito disse que ia colocar um
ponto final, acabar com qualquer tipo de ativismo. Muita gente se sente
ameaçada. Quais garantias o senhor pode dar para comunidade LGBT, negros,
mulheres, de que os direitos não serão retirados, de que as pessoas não serão
atacadas?
Sérgio Moro: Eu acompanhei
todo o processo eleitoral e eu nunca vi, da parte do senhor presidente eleito,
uma proposta de cunho discriminatório em relação a essas minorias. Eu não
imagino de qualquer forma que essas minorias estejam ameaçadas. O fato de a
pessoa ser heterossexual, homossexual, branco, negro, asiático... Isso é
absolutamente indiferente. Nada vai mudar. Eu tenho grandes amigos que são
homossexuais. Algumas das melhores pessoas que conheço são homossexuais. E não
existe nenhuma perspectiva de nada que seja discriminatório a essas minorias. O
governo tem que ter uma postura rigorosa quanto a crises em geral, mas também
em relação a crimes de ódio. Eu não poderia ingressar em qualquer governo se
houvesse alguma sombra de suspeita que haveria alguma política dessa espécie.
Outra questão de
honra para o futuro ministro é o combate à corrupção.
Poliana Abritta: Se um ministro
vier a se envolver a se envolver em alguma denúncia de corrupção, ele será
afastado? O senhor defende o que, nesse caso?
Sérgio Moro: Se a denúncia
for consistente, sim.
Poliana Abritta: Qual o critério jurídico pra gente definir
uma denúncia como consistente?
Sérgio Moro: Tem que ser
avaliado. Eu acho que é uma falácia, muitas vezes, que se ouviu no passado
"ah, tem que esperar o trânsito em julgado".
Poliana Abritta: O que o senhor defende? Se virar réu?
Sérgio Moro: Não, eu
defendo que, em caso de corrupção, se analise as provas e se faça um juízo de
consistência, porque também existem acusações infundadas, pessoas têm direito
de defesa. Mas é possível analisar desde logo a robustez das provas e emitir um
juízo de valor. Não é preciso esperar as cortes de justiça proferirem o
julgamento.
Poliana Abritta: Esse juízo de valor seria dado por quem? O
senhor como ministro da Justiça iria analisar e fazer esse juízo de valor pra
aconselhar o presidente a demitir o ministro em questão?
Sérgio Moro: Provavelmente.
Ou algum outro conselheiro. O que me foi assegurado e é uma condição... Não é
bem uma condição, não fui lá estabelecer condições. Mas eu não assumiria um
papel de ministro da Justiça com risco de comprometer a minha biografia, o meu
histórico. Isso foi objeto de discussão e afirmação do senhor presidente
eleito, que ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do
governo.
Esta semana, em
entrevista coletiva, o juiz saiu em defesa do futuro chefe da Casa Civil do
governo Bolsonaro, o deputado Ônyx Lorenzoni. Ele admitiu, no ano passado, ter
recebido R$ 100 mil por caixa dois para campanha eleitoral. Lorenzoni afirma
que já doou metade para entidades filantrópicas e que, em breve, doará a outra
metade.
Sérgio Moro
disse que o deputado já pediu desculpas e que atuou a favor da aprovação de
medidas anticorrupção no Congresso.
Poliana Abritta: Em 2017, o senhor disse que políticos não
têm interesse em combater a corrupção. Como o senhor pretende fazer essa
negociação com políticos, que muitos, por muitas vezes, vão estar sendo
investigados ou sendo réus em processos justamente de corrupção?
Sérgio Moro: Eu fiz essa
afirmação num contexto muito respeitoso, apesar de todas as revelações desses
crimes de corrupção, não via iniciativas significativas, com todo respeito, por
parte do nosso Congresso Nacional. Agora existe um outro contexto. Em todo
início de governo existe um frescor, uma abertura de diálogo ao Congresso.
Vamos tentar negociar dentro daquele espírito republicano de fazer o que é
melhor pro país do que fazer o que é melhor pras pessoas.
Poliana Abritta: Negociar. Nasce um político aí dentro?
Sérgio Moro: Alguns me
criticaram por assumir esse cargo afirmando que eu havia traído um compromisso
que eu afirmei no passado numa entrevista ao Estado de São Paulo, que jamais
entraria pra política. Eu posso tá sendo ingênuo, mas eu estou sendo
absolutamente sincero quando afirmo que, na minha visão, tô assumindo um cargo
pra exercer uma função predominantemente técnica. Eu não me vejo num palanque,
eu, candidato a qualquer espécie de cargo em eleições, isso não é a minha
natureza.
Poliana Abritta: Há quatro anos, se alguém dissesse "ah,
o senhor vai ser ministro da Justiça daqui a quatro anos", o senhor
concordaria com isso?
Sérgio Moro: Não, de forma
nenhuma. A Operação Lava-Jato começou pequena, ninguém tinha ideia da dimensão
que aquilo ia tomar. No fundo, foi meio um efeito bola de neve. Jamais poderia
cogitar que haveria essa possibilidade de assumir essa posição.
Poliana Abritta: Então o senhor há de concordar comigo que o
senhor não pode dizer que daqui a quatro anos não será, por exemplo, candidato
à Presidência da República.
Sérgio Moro: Não, eu estou
te falando que não vou ser. Eu não sou um político que... minto. Desculpe. Com
todo respeito aos políticos. Mas há sim, bons e maus políticos. Mas existem
maus políticos que, às vezes, faltam com a verdade. Eu não tô faltando com a
verdade.
Poliana Abritta: Mas o senhor então é um político do tipo que
não mente?
Sérgio Moro: Não, eu sou
uma pessoa que, na minha perspectiva, eu tô indo assumir um cargo
predominantemente técnico...
Poliana Abritta: Não, é porque o senhor que falou "eu
não sou um político que minto".
Sérgio Moro: Não sou nenhum
político e não minto. Eu acho que a profissão da política é uma das mais nobres
que existe. Você receber a confiança da população, do voto. Às vezes, essa
confiança é traída. Mas é uma das mais belas profissões. Não tem qualquer
demérito nisso. É uma questão mesmo de natureza e perfil.
Poliana Abritta: O senhor, mais de uma vez, falou que vai
estar subordinado à palavra final, que é do presidente eleito Jair Bolsonaro. E
se chegar numa hora em que vocês divergirem em absoluto?
Sérgio Moro: Depende sobre
o quê. Quem foi eleito foi o senhor presidente. E, eventualmente, se acontecer
uma situação dessas, ele pode desejar me substituir por alguém que possa
cumprir uma política que eventualmente eu discorde em absoluto. Eu vou assumir
esse cargo em janeiro, não com a perspectiva de ser demitido, mas com a
perspectiva de realizar um bom trabalho e ter uma convergência com o presidente
eleito. Mas, se tudo der errado, eu deixo o cargo ministerial e certamente vou
ter que procurar me reinventar no setor privado, de alguma forma.
Poliana Abritta: E o Supremo?
Sérgio Moro: Às vezes é até
um pouco indelicado ficar falando em vaga, em Supremo, quando não existem
vagas. É uma perspectiva, uma possibilidade que se coloca no futuro. Quando
surgir uma vaga, meu nome pode ser cogitado, como o nome de várias pessoas.
Poliana Abritta: A gente está conversando aqui dentro do seu
gabinete de Justiça, mas oficialmente o senhor está de férias. E tem recebido
críticas, porque já está trabalhando, atuando como futuro ministro. Há quem
veja nisso, nessa situação, que ela fere o princípio da legalidade e da
moralidade. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Sérgio Moro: Olha, eu já
anunciei publicamente que vou pedir a exoneração. O que a Constituição proíbe é
que um juiz assuma uma posição, um cargo Executivo. Eu não tô assumindo nenhum
cargo. Eu estou apenas colaborando pra formação de um futuro governo.
Poliana Abritta: Mas, na prática, o senhor já não está
trabalhando como futuro ministro?
Sérgio Moro: Não tô
praticando nenhum ato oficial. E eu tenho recebido, por conta dessas políticas
que nós queremos implementar em Brasília, diversas ameaças. Vamos supor que,
daqui a alguns dias, eu peça uma exoneração. Daqui a alguns dias acontece
alguma coisa comigo, um atentado. Eu, tudo bem, morro, faz parte da profissão.
Não gostaria, evidentemente. Mas minha família fica desamparada. Fica sem
qualquer pensão. O que eu espero é passar esse período de férias. Ao meu ver,
não tô fazendo nada de errado. E em seguida, eu assumo.
Poliana Abritta: Está de malas prontas pra Brasília?
Sérgio Moro: É um período,
literalmente, de transição. Então você fica lá, você fica aqui. Tem que
planejar bastante. Já ir definindo as pessoas e políticas a serem adotadas.
Então esse vai ser um período de intenso deslocamento.
Poliana Abritta: O senhor tem aqui, nesse gabinete, onde o
senhor passou os últimos quatro anos trabalhando na Operação Lava-Jato, livros,
presentes. Vai levar tudo isso pra Brasília?
Sérgio Moro: Boa pergunta,
ainda estou decidindo. Mas vai ser de fato um problema. E certamente vou sentir
muitas saudades desse ambiente aqui.