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O mundo do futebol condena a atitude desprezível dos torcedores do Real Garcilaso
Posted by Cottidianos
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Terça-feira, 18 de fevereiro
Imagem: http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL1588240-9825,00.html |
"Ao Senhor Paulo César Fonseca do Nascimento (Tinga)
Caro Tinga,
Receba minha total solidariedade pelos odiosos atos de racismo de que foi vítima em partida disputada no Peru no último dia 12 de fevereiro. Abraço
Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal".
Antes
de chegar à situação que provocou o envio desse e-mail, vamos voltar um pouco
no tempo.
Já
era decorrida metade do ano de 2006 e um Tinga, feliz anunciava: “Esse título foi o maior momento da minha
carreira. Não vou esquecer jamais”. Ele se referia à conquista do título da
Copa Libertadores da América, pelo Sport Clube Internacional, de Porto Alegre,
Rio Grande do Sul. Um dia depois de vencer a Libertadores pelo clube gaúcho, o
jogador anunciava sua ida para o Borussia Dortmund, um dos grandes times da
Alemanha. "É assim. Saio de um clube
grande e vou para outro lugar maior. Você busca sempre a ida para algum lugar.
Todo mundo gostaria de ir para a Europa e este é meu caso agora",
disse ele na ocasião. Tinga foi muito bem recebido pelos alemães e, no Borussia
Dortmam, desenvolveu um excelente trabalho e conquistou títulos. Ficou na Alemanha
por quatro anos. Ainda hoje, nas entrevistas que concede aos jornalistas, ele
sempre se refere à Alemanha e ao Borussia Dortmund com bastante carinho. Mas
tudo o que é bom, dura pouco. E, por
causa dessas transações que ocorrem com freqüência no mundo do futebol, Tinga
voltou ao Brasil. A sua despedida do time alemão, em maio de 2010, foi
memorável. Ladeado por dirigentes do clube alemão e por uma moça que segurava
nas mãos um cacho de rosas amarelas, cor do time, e enquanto recebia presentes
e homenagens, Tinga viu e ouviu a apaixonada torcida do Borussia ovacionar o
seu nome. Era demonstração de carinho e reconhecimento pelo trabalho que ele
desenvolvera no clube e pelas qualidades pessoais do jogador.
A
vida é uma escola na qual a história é professora mestra. Depois de ser autora
de casos de intolerância que marcaram de modo negativo a história da humanidade,
o país aprendeu com as lições da história. Hoje há na Alemanha, pelo menos é o
que diz quem passou por lá, uma integração racial que se traduz na prática
cotidiana. Quem dera todos os povos e todas as gentes apressem com as lições da
história. Mas nem todos são bons alunos. Enquanto uns tem a dignidade e a capacidade
de aprender e fazer diferente, outros ignoram essa oportunidade... E continuam
a cometer erros tão básicos que os colocam no nível dos ignorantes.
Fechado
esse parêntesis, voltemos a falar de Tinga. O jogador viveu e vive momentos
gloriosos pelos campos do Brasil e do mundo. Mas, infelizmente, nem só de
glórias vive um homem negro. Às vezes os vermes do preconceito e da
discriminação fazem doer alma do guerreiro e dilaceram-lhe o coração, fazendo o
vencedor querer trocar todos os títulos por um pouco de dignidade e igualdade
entre as raças.
Noite chuvosa de quarta-feira, 12 de fevereiro, às 22hs, os times Real Garcilaso e Cruzeiro realizavam partida valida pelo grupo 5 da Copa Libertadores da América. Era estréia do Cruzeiro na competição, jogando contra a equipe peruana, Asociación Civil Real Atlético Garcilaso, mais conhecida como Real Garcilaso. O time mineiro jogava na altitude de 3.200 metros de Huancayo, cidade localizada a 300 km de Lima, capital do Peru. As condições físicas do estádio eram muito precárias. No dia anterior, o time já havia enfrentado uma queda de energia durante o treino de reconhecimento do gramado e, agora, jogava sem água em seu vestiário. Mesmo assim o Cruzeiro, apesar de todas as dificuldades, começou bem o jogo. Em um lance de escanteio cobrado por Dagoberto, a bola caiu nos pés de Bruno Rodrigo e ele abriu o placar aos dezenove minutos do primeiro tempo. Entretanto, os jogadores Britez e Rodríguez,da equipe de Cuzco viraram o jogo no segundo tempo, terminando a partida com o placar de 2x1 para o Garcilaso.
Imagem: http://jovempan.uol.com.br/esportes/futebol/copa-libertadores-2014/folego-acaba-e-cruzeiro-leva-virada-na-altitude-na-estreia-na-libertadores.html |
Noite chuvosa de quarta-feira, 12 de fevereiro, às 22hs, os times Real Garcilaso e Cruzeiro realizavam partida valida pelo grupo 5 da Copa Libertadores da América. Era estréia do Cruzeiro na competição, jogando contra a equipe peruana, Asociación Civil Real Atlético Garcilaso, mais conhecida como Real Garcilaso. O time mineiro jogava na altitude de 3.200 metros de Huancayo, cidade localizada a 300 km de Lima, capital do Peru. As condições físicas do estádio eram muito precárias. No dia anterior, o time já havia enfrentado uma queda de energia durante o treino de reconhecimento do gramado e, agora, jogava sem água em seu vestiário. Mesmo assim o Cruzeiro, apesar de todas as dificuldades, começou bem o jogo. Em um lance de escanteio cobrado por Dagoberto, a bola caiu nos pés de Bruno Rodrigo e ele abriu o placar aos dezenove minutos do primeiro tempo. Entretanto, os jogadores Britez e Rodríguez,da equipe de Cuzco viraram o jogo no segundo tempo, terminando a partida com o placar de 2x1 para o Garcilaso.
A
atitude vergonhosa e reprovável dos torcedores do Real Garcilaso aconteceu aos
20 minutos do segundo tempo. Ricardo Goulart e Dagoberto foram substituídos por
Tinga e William. Tinga percebeu sons
estranhos no momento em que foi assinar a sumula, mas estava focado no jogo e
seu objetivo era ajudar o Cruzeiro a ser campeão. Foi então que aconteceu o
fato embaraçoso. Toda vez que ele tocava na bola, a torcida peruana imitava sons
emitidos pelos macacos. Logo de início,
o jogador não percebeu o que estava acontecendo, só então, ao ver que cada
toque de bola realizado, era acompanhado por sons que imitavam os macacos,
ficou claro para ele, e para o mundo, que se tratava de um evidente caso de
racismo. O filho de Tinga, de 11 anos, que assistia à partida em casa, no
Brasil, chorou ao ver a imagem do pai sendo humilhado e ele não poder estar
junto para lhe dar um abraço. No dia seguinte o menino, constrangido, se
recusou a ir à escola. O jogador cruzeirense aproveitou o ato de racismo da
torcida peruana para reforçar os valores que ensina aos dois filhos. Em
entrevista ao programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, ele confessou que
havia dito ao garoto que fosse à escola de cabeça erguida, e que isso servisse
de lição para o filho não criar diferença em relação a qualquer outro preconceito,
seja ele racial, social, sexual, ou qualquer outra situação. Uma pergunta,
porém, deixou Tinga sem resposta. Foi quando o filho de quatro anos, perguntou
para ele: “Pai, por que eles estavam fazendo aquele som de macaco”. Como
explicar isso para uma criança de quatro anos de idade. O jogador preferiu dar
uma desculpa qualquer.
Imagem: http://gramadomagazine.com.br/revista/revista1.php?c=125 |
(Na foto acima, Tinga e a esposa Milene)
“Fico muito chateado. Joguei quatro anos na
Alemanha e nunca passei por isso. Agora acontece em um país parecido com o nosso,
cheio de mistura. Trocaria um título pela igualdade entre as raças e classes.”
“Eu trocaria todos os meus títulos
pelo fim de preconceito. Trocaria por um mundo com igualdade entre as raças”.
“Liguei para casa e soube que meu
filho estava chorando e assistindo TV, nem mesmo quis ir à escola. Isso é ainda
mais chato”.
“Quem sou eu para não perdoar!
Muita gente lá se solidarizou comigo. O presidente do clube e o técnico do time
me pediram desculpas”.
Estas
foram algumas declarações que o jogador cruzeirense deu à imprensa, logo após a partida.
De
volta ao Brasil, Tinga recebeu manifestações de carinho dos brasileiros comuns
e de autoridades. Dilma Roussef, presidente do Brasil e Joaquim Barbosa, se
juntou a outros tantos que queriam dar uma palavra de apoio. As manifestações
de carinho vieram de técnicos e jogadores de times adversários e também de
jogadores que atuam no exterior, como Neimar.
Paulo César Fonseca do Nascimento ganhou
o apelido de Tinga, por causa do bairro que morava, em Porto Alegre, chamado Restinga.
Foi nesse bairro que dona Nadir, sua mãe criou ele e mais três filhos, com o
salário de faxineira. Ele tinha 19 anos quando acompanhado de uma equipe de TV,
foi à um clube onde a mãe trabalhava como faxineira, contar a ela do primeiro
salário que recebera: R$ 2.500. Naquela época, o jovem era uma revelação no
time do Grêmio, uma promessa de grande jogador, porém, logo se tornaria um nome
renomado no futebol e mudaria, radicalmente, a vida da família. Com o jogo em
campo, o menino da restinga, que foi criado sem a presença do pai - que
abandonou a família quando ele ainda era criança - mudou a vida dos familiares
e a dele próprio. Tinga se tornou um vencedor. Venceu campeonatos importantes
como o Campeonato Gaúcho, o Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Recopa
Sul Americana, Super Copa da Alemanha. Entretanto, no jogo da vida, há mudanças que
demoram a acontecer, pois não depende de uma consciência individual, mas de uma
consciência coletiva. O preconceito revela-se não apenas nos estádios de
futebol, pois, preconceito no mundo do futebol é apenas reflexo de uma
sociedade. Não é o futebol que é preconceituoso, é a sociedade
que é preconceituosa e leva essa bestial atitude para dentro dos estádios. A
discriminação racial revela-se no dia a dia, nos olhares, nas atitudes. Tinga,
e toda a raça negra, ainda terão muito que lutar e muito que jogar até que
consigam levantar a taça da igualdade racial.
Imagem: http://bloguerreiro.com/2012/05/confira-tudo-que-falou-o-tinga-em-sua-coletiva-de-apresentacao/ |
Imagem: http://globoesporte.globo.com/platb/conexaogontijo/2012/06/ |
O
Brasil ficou comovido com o caso de Tinga, mas não devemos nos esquecer que
jogadores brasileiros já sofreram ofensas racistas em estádios brasileiros, em
jogos do campeonato brasileiro. Da mesma forma como Tinga foi hostilizado pelos
peruanos, foi hostilizado em seu próprio país. Esse fato, igualmente
lamentável, aconteceu em 2005. No dia 22 de outubro daquele ano, jogavam
Internacional x Juventude, no Alfredo Jaconi. Todas as vezes que Tinga tocava
na bola, nesse jogo, os torcedores do Juventude imitavam o som característico
dos macacos. Pelo episódio, o Juventude foi punido pelo Superior Tribunal de
Justiça Desportiva (STJD), com a perda de dois mandos de campo e uma multa de
R$ 200 mil, tornando-se dessa forma, a primeira equipe brasileira a ser punida
por episódio racista.
A
escravidão no Brasil já acabou faz tempo, mas o legado deixado por ela, ainda
está por aí, ainda que de forma velada. No caso do racismo nos estádios, cabe
aos órgãos de justiça desportiva, fazer o que fez a Inglaterra: educar punindo.
Não basta apenas os jogadores segurarem faixas no início dos jogos com dizeres
como: “ABAIXO O RACISMO” ou “RACISMO, NÃO”, nem lerem cartas ou fazerem
discursos contra o tema. É necessário mais que isso: Faz-se urgente, punições
efetivas. É o que todos esperam que aconteça com a equipe do Real Garcilaso.
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