0
CIS Guanabara: Fazendo a cultura brilhar através das plataformas do tempo
Posted by Cottidianos
on
00:21
Sexta-feira, 14
de fevereiro
Entrevista Odair
Marques da Silva
“Essa é um pouco
da história inicial desse centro cultural”
Imagem cedida pelo MIS |
(A foto acima,
cedida gentilmente pelo MIS - Museu da Imagem e do Som de Campinas, mostra um dos
trens usados nas antigas ferrovias da região de Campinas. Abaixo, a foto atual
de um pé café, feita enquanto eu pedalava próximo a um cafezal, localizado em uma fazenda, no distrito de
Joaquim Egídio)
Era uma vez...
Há não muito tempo atrás, existiam no Brasil linhas ferroviárias em abundancia
e o apito dos trens se fazia ouvir livremente pelos trilhos que cortavam o país.
Eram tempos de fartura e prosperidade que faziam florescer tanto o cafezal
quanto a cultura. Hummm!! Café bem quentinho, misturado com cultura, quem não
haveria de saborear? Felizmente, chegou o progresso e trouxe as indústrias
automobilísticas e, consequentemente, os automóveis invadiram as ruas das
cidades... E tudo ficou mais rápido e mais fácil. Infelizmente, a insensatez de
administradores da época, decidiu que era preciso aposentar os trens de ferro e
acabar com as ferrovias. Afinal, eles já tinham dado a sua contribuição ao
progresso da cidade. O tempo correu tão e mais depressa que os trens e, nas
estações do progresso, de repente, viu-se que faltava algo importante: o apito
dos trens. Só então, percebeu-se que eles poderiam, perfeitamente, ter andando
junto com as mudanças que se faziam inevitáveis, trilhando os caminhos da
prosperidade. Quando se lança um olhar, hoje, sobre o transito caótico das
cidades, as péssimas estradas usadas por todos os usuários e, principalmente,
os caminhoneiros que delas se utilizam para levar aos portos, os produtos que
serão exportados e trazendo os que são importados... Ah, que falta faz os
trens!
Se, para recuperar
a malha ferroviária brasileira será necessária uma vontade política gigantesca,
para fazer resplandecer a cultura que se produzia naqueles áureos tempos, é um
pouco mais fácil. A Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), tem se
esmerado nessa tarefa. Para isso, trouxe a Universidade para mais perto da
comunidade através do Projeto CIS Guanabara – Centro Cultural de Inclusão e
Integração Social, que foi criado e é vinculado e mantido pela Pró-Reitoria de
Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC), da Unicamp. O conjunto arquitetônico
formado pelas dependências do CIS é tombado pelo patrimônio histórico e
cultural da cidade. No espaço são desenvolvidos projetos gratuitos de educação,
cultura e lazer para toda a população. Estive no CIS-Guanabara e conversei com
o Coordenador do projeto, Odair Marques da Silva. Na entrevista, ele fala de
como as ferrovias foram importantes para o desenvolvimento da cidade, de como
nasceu o projeto CIS-Guanabara, das atividades que lá são desenvolvidas, dentre
outros assuntos.
José Flávio - Sobre o CIS Guanabara: O que é o CIS
Guanabara?
Odair Marques - O CIS Guanabara é um centro cultural,
formado pela Unicamp. Pertence a Universidade Estadual de Campinas e foi
instalado dentro de uma antiga estação de trem, chamada de Estação Guanabara.
Esta estação de trem foi inaugurada em 1893, no dia 1 de março. Ela (a estação)
é fruto de uma reivindicação dos barões do café, porque nesta época, esta é uma
grande região talvez a principal do Estado de São Paulo, produtora de café.
Esse café tinha que ser todo escoado para os portos no litoral, principalmente,
o porto de Santos. Havia uma dificuldade muito grande de exportação desse café produzido
no interior paulista. Então os barões reivindicaram, fizeram um movimento e,
inclusive, cotizando com parte dos recursos para levantamento desse prédio,
dessa estação, que é a única que possui, nessa região, ao lado da estção de
trem, uma estação de armazenamento, que se chama Armazém do Café, que é um
barracão para esse tipo de atividade. Então as carroças chegavam das fazendas e
as sacas eram jogadas no armazém do café. Com a chegada do trem de transporte, as
sacas eram jogadas nesse trem que escoava a produção desse período, 1893,
portanto, há 111 anos...
José Flávio - Em que aspectos, essa estação de trens
colaborou com o desenvolvimento da cidade?
Odair Marques - Ela era - junto com a estação
principal, que hoje está ali, do lado da Rodoviária e também hoje é uma estação
de cultura, ligada a Prefeitura de Campinas - um dos principais pólos do
comércio, na verdade, nem tanto do comércio, mas do transporte desse café,
então o desenvolvimento econômico passava por aqui, além dos moradores que se
deslocavam para a capital ou para todas as cidades daqui dessa região das
águas, até Mogi-Mirim, ela foi o pricnipal meio de transporte da população
dessa época.
José Flávio - Esse desenvolvimento econômico também
puxou um desenvolvimento cultural?
Odair Marques - Ah, sem dúvida, porque era através
dessa estação que chegavam as companhias de teatro, as óperas, até 1950. As
apresentações culturais que eram trazidas por esses barões, muitas vezes até de
fora do país, para vir para Campinas, ou mesmo o deslocamento de nossos grandes
compositores como o Carlos Gomes e outro que utilizavam esse espaço para ir
tocar, se apresentar em outos ambientes. Esse era um núcleo ativo da cidade de
Campinas.
(A foto acima, cedida
pelo Museu da Imagem e do Som de Campinas, mostra a fachada da antiga Estação
Fepasa, hoje também transformada em estação cultural. Abaixo, em foto também
cedida pelo MIS, antiga plataforma da Estação Guanabara)
José Flávio - Isso funcionou muito bem, até 1967,
quando foi desativada?
Odair Marques - Isso! É uma pena que o Brasil, na verdade,
a partir de 1960, mais ou menos, com a entrada dos automóveis no país, com a
vinda das empresas automobilísticas, o país optou por não investir mais nas
suas ferrovias. Isso gera um grande problema nacional, hoje, pois enquanto nos
Estados Unidos e na Europa, as ferrovias cortam o país e são um grande eixo de
transporte, no Brasil, elas foram assustadoramente desativadas, o que está
impactando hoje, em gastos enormes para a retomada dessas ferrovias. Essa aqui,
especificamente, Mogiana, foi desativada,
em 1977, nessa Estação Guanabara passou o último trem, em abril, se não me
engano, de 1977 e os empregados foram, simplesmente, despedidos, a estação foi fechada
e ficou, realmente, em situação de abandono. O que foi crítico nisso, é que
todo prédio foi se degradando, foi perdendo seu patrimônio, as pessoas foram
quebrando os vidros, levando telhas, equipamentos que estavam aqui dentro, e
ela se transformou, na verdade, num espaço ocupado por moradores de rua.
Durante muitos anos, essa estação era vista como local perigoso, um local de tráfico
de drogas, um local de marginalidade, no sentido de roubos. As pessoas tinham
até medo de passar em frente a essa estação, por conta desse descaso que o
poder público acabou tendo pela desativação dessa estação. Isso não aconteceu
apenas aqui, mas em todas as cidades circunvizinhas, mas, nesse caso
especifíco, foi bem crítico.
(A foto acima, cedida
pelo Museu da Imagem e do Som de Campinas, mostra a fachada da antiga Estação
Guanabara. Abaixo, foto da fachada onde, atualmente, funciona o CIS Guanabara)
José Flávio - Quando a Unicamp entrou nessa
história?
Odair Marques - Mais ou menos, entre 1995 e 1997 começou
a haver muitas reivindicações populares na cidade para o restauro dessa
estação, para que ela fosse transformada num ponto cultural e não somente num
lugar de degradação e a Unicamp, através do reitor, à época, Paulo Renato, assinou,
junto com o governo do Estado, um termo de concessão por trinta anos. Isso
ocorre em 1990, portanto esse termo de concessãpo ainda está em vigência. O
grande desgate a partir de 1990, o que demorou 16 anos de trabalho da
Prefeitura através das assistentes sociais da Unicamp, para remoção dos
moradores de rua que aqui estavam instalados. Foi um trabalho muito difícil,
mas um trabalho de sucesso, porque esses moradores não foram jogados ao leo,
foram realocados para moradias populares, tanto é que se preferiu a negociação,
ao invés de uma expulsão. O que, hoje em dia, repercute no bem-estar do próprio
prédio, porque não há pichações, não há pessoas invadindo o prédio porque,
acredito que com esse processo, a cidade acabou se sentindo dona desse espaço
físico e preserva ele com qualidade, isso é uma coisa boa aqui da Estação
Guanabara. Então, somente, em 2006, portanto... Olha de 1990 até 2006, aconteceu
todo esse processo de retomada e, só a partir de 2006, é que começaram as
reformas no prédio, verdadeiramente ditas. Foram produzidas várias plantas
arquitetônicas, o Prof. Dr. Marcos Tognon (IFCH/Unicamp) foi uma grande
liderança nessa discussão relativa ao restauro do prédio. A época, em 2006,
estava em atuação o reitor, Prof. Dr. José Tadeu Jorge (atualmente reconduzido),
o qual foi um grande incentivador, junto com o pró-reitor da instituição que
era o Prof. Dr. Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib (Instituto de
Biologia/Unicamp. Este trio compôs todo um plano de trabalho para transformar o
prédio degradado em um centro cultural vivo, ativo e restaurado. Essa é um
pouco da história inicial desse centro cultural.
José Flávio - Essa concessão será renovada depois
que terminar esse prazo?
Odair Marques - Essa é uma grande polêmica atual do
espaço físico. As pessoas, ás vezes, olham para esse espaço e acham que ele é
todo gerido pela Unicamp, na verdade, a Unicamp gere apenas um pequeno espaço
físico do entorno da estação de trem. O restante da área que, aparentemente,
está abandonada, foi recebida por leilão, por uma empresa privada, que está
aguardando tramitações para transformar isso aqui em empreendimentos
imobiliários. Então a Unicamp, ela só cuida desse pequeno entorno e a outra
parte está na mão da iniciativa privada. A concessão da Unicamp, termina no ano
de 2020, portanto, nós temos mais seis anos de atuação e esperamos que o poder
público municipal e o poder público estadual, realmente, tenham bons olhos e
renovem a concessão da Unicamp para que isso aqui permaneça como espaço de
atividades culturais para a população de Campinas.
(Na foto acima, Grupo Som 7, de Campinas, se apresenta
em evento comemorativo, realizado no CIS Guanabara, em novembro de 2013, por
ocasião do mês da Consciência Negra)
José Flávio - Que atividades são desenvolvidas hoje,
nesse espaço?
Odair Marques - Bom, eu acho que seria legal,
lembrarmos, até por uma questão de crédito, que uma das grandes iniciativas na
recuperação desse espaço, foi o projeto da Campinas Decor, que aconteceu em
2008, na verdade só a partir de 2008, foi que conseguimos que o prédio
começasse a ser utilizado. Porque o Projeto Social e de Empreendedorismo
denominado "Campinas Decor", com sua equipe de trabalho, restauraram
grande parte dos ambientes internos, transformaram salas desocupadas em salas
que pudessem ser utilizadas como escritórios, em salas multiuso para oficinas
culturais, o barracão foi entregue em condições de realizar eventos como: peças
teatrais, palestras, saraus ou uma apresentação de coral ou feiras de produtos
orgânicos. Então, na prática, estas atividades culturais são implementadas a
partir de 2008, portanto há seis anos. No ano passado conclui-se a reforma do
telhado que cobre a área denominada GARE, que é o espaço onde os trens recebiam
os passageiros. Hoje também disponível para os eventos culturais da cidade.
Então, pode-se dizer que de três anos para cá é que começaram a ser oferecidos
volumes maiores de atividades aqui, na Estação Guanabara - que o pessoal chama
hoje de CIS Guanabara - Centro de
Integração Cultural, ligada a pro reitoria de extensão da Unicamp. Nós
sugerimos que entre em nosso site: www.cisguanabra.unicamp.br
e verifique que há uma grande oferta de ações. Nós temos oficinas para
crianças, de contação de histórias, de teatro infantil, existe oficinas de
artesanato e culinária para senhoras, oficinas para jovens, de educação
musical, oficinas de teatro. Nós temos uma média de duas a três peças de teatro
acontecendo aqui todo mês e todas essas atividades são oferecidas
gratuitamente. Então se alguém tiver interessado numa atividade cultural é só
entrar em nosso site, verificar qual a programação da semana e vir aqui, ao CIS
Guanabara.
José Flávio - A Prefeitura Municipal de Campinas
também fornece recursos financeiros a essa instituição?
Odair Marques - Hoje, todas as oficinas e todas as
demais atividades, a única sustentação financeira é a Universidade de Campinas.
Existe uma possibilidade de parceria da Unicamp com o governo do Estado. Mas
ela não está materializada ainda. Estamos aguardando alguma manifestação a esse
respeito... Ou também de pessoas da própria comunidade. Existem instituições
que também utilizam esse espaço, como a Federação Campineira de Teatro Amador (FECAMTA),
o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp (LUME). Então existe
uma série de outras organizações que usam já o CIS Guanabara como local de desenvolvimento
de suas atividades e vamos ver se a gente consegue a partir desse ano, ampliar
as oficinas culturais com o governo do Estado e até com Oficinas da Prefeitura
também, é isso que nós desejamos.
José Flávio - Em fins do século XVII, nessa época em
que foi inaugurada a Estação Guanabara, a cidade de Campinas era tão rica em
cultura que era conhecida como a terra da arte. Após 1965, houve um
arrefecimento nessa efervescência cultural...
Odair Marques - Eu vejo que está acontecendo, nos
últimos dois anos, através das iniciativas particulares e comunitárias, um
reaquecimento da atividade cultural na cidade, quem trabalha, como a gente, em
atividade cultural, percebe isso muito claramente. As pessoas começam a
desenvolver mais atividades culturais, inclusive, em bairros de periferia.
Aqui, nós recebemos muitos pedidos de parcerias em bairros periféricos para que
a gente envie alunos da Unicamp que estão fazendo teatro, música, alunos que
estão no último ano e já tocam muito bem, para irem se apresentar nesses
bairros. Então, é interessante porque é uma atividade que ainda é invisível
para a sociedade, porque não passam na televisão. As televisões, elas não
mostram as ações da periferia e não sai nos jornais, então fica a sensação de
que a cidade não produz cultura, na verdade a cidade produz cultura. O que está
faltando é os órgãos públicos “botarem a mão na massa” e oferecerem espaço para
essa cultura que é disponibilizada para a população. Então, eu acho que
Campinas merece um investimento maior em espaços culturais, lugares para que os
corais, que existem na cidade, possam cantar... Esse é o grande problema,
existem muitas pessoas fazendo atividades culturais, mas não há muitos lugares
onde elas possam mostrar esse trabalho. Somente o Centro de Convivência, e
outros Teatros, não dão conta de tudo o que a cidade quer fazer em termos de
atividade cultural. A cidade precisa mesmo de espaço para atividades culturais,
e esses espaços precisam ser mais organizados, como é o caso da Estação
Guanabara. Então se alguém puder motivar, frequentar, valorizar, elogiar, faça
isso mais intensamente, valorize cada espaço cultural para que a cidade invista
cada vez mais em cultura.
(Na foto acima,
imagem da exposição do artista plástico Laércio Alves, mostra pontos turísticos
da cidade de Campinas feitos em arame e chapas de alumínio. Abaixo, escultura
do Maestro Carlos Gomes – um gênio da musica. As obras estão expostas no CIS
Guanabara, de 09 a 22 de fevereiro)
José Flávio - Uma pergunta fundamental: Porque o CIS
Guanabara deve continuar em atividade?
Postar um comentário