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Espiral de confusões

Posted by Cottidianos on 02:15

Sábado, 28 de setembro



O Brasil parece ter se metido no últimos tempos numa espiral de confusões que parece interminável, não bastasse a metralhadora verborrágica do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos que veem um atentado aos bons costumes até na própria sombra, e que enxergam comunistas por todos os lados e em todos os lugares, ainda podemos nos surpreender a cada curva da estrada, ou a cada passagem por alguma esquina escura e deserta.
Parece que estamos dentro de um daqueles romances cheios de mistérios e com enredo surpreendente, de tramas intrigas e corrupção, nos quais à morte parece estar á espreita ao final de cada capítulo.
Nesta quinta-feira, o holofote das confusões quase saiu de todo do presidente ou de seus filhos e caiu sobre o ex-procurador da República, Rodrigo Janot.
Janot, em entrevista aos jornais, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, e à revista Veja, fez uma revelação estarrecedora. Ele disse que em dado momento de sua atuação como procurador-geral da República cogitou matar o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, e, em seguida, suicidar-se. Ele chegou a ir, armado, a uma sessão do Supremo Tribunal Federal, ocasião na qual ficou a uns dois metros de distância de Gilmar Mendes, mas, no último momento, desistiu do atentado contra a vida do ministro.
O fato teria acontecido em 2017. Naquela época, Janot apresentou um pedido de suspeição de Gilmar Mendes em relação a um processo que tramitava no Supremo e que dizia respeito ao empresário Eike Batista. O argumento de Janot era o de que a esposa de Gilmar Mendes era sócia do escritório que defendia o empresário.
Janot diz que diante do pedido de suspeição protocolado pela PGR, o ministro teria enviado à presidência do STF um ofício no qual afirmava que a filha de Janot havia prestado serviços como advogada para a empresa OAS em um processo no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Segundo Janot, a filha dele nunca havia atuado em processos da OAS, e as acusações de Gilmar o haviam irritado muito.
Tomado de ira o então procurador-geral da República havia decido então cometer dois atos extremamente violentos: homicídio e suicídio. Diz Janot em um dos trechos da entrevista aos veículos de comunicação já citados acima: “Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha”.
Afirma ele próprio que, só não concretizou o ato, porque a “mão invisível do bom senso” não lhe permitiu executar tal ato extremo contra a vida do ministro Gilmar Mendes e do próprio Janot.
Quatro meses após o episódio, chegava ao fim o mandato de Janot à frente da PGR, instituição cujo comando havia estado em suas mãos por quatro anos.
Essa revelação nunca havia sido tornada pública até que Janot escreveu um livro de memórias no qual tornou público o fato. No livro, ele relata o episódio, mas não cita o nome de Gilmar Mendes, entretanto aos jornais, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e a revista Veja, ele revelou que realmente o alvo de sua ira era o ministro do STF Gilmar Mendes.
Ontem, sexta-feira (27), Gilmar Mendes recomendou a Janot tratamento psicológico. Ele disse também lamentar que, por muito tempo, parte do processo legal tenha ficado refém nas mãos de alguém que confessa ter impulsos homicidas.
Eu fui no STF sempre um crítico dos métodos do procurador Janot. Divergências de caráter intelectual e institucional. Não imaginava que nós tivéssemos um potencial facínora comandando a Procuradoria-Geral da República. Imagino que todos aqueles que foram responsáveis por suas indicações - ele foi duas vezes PGR - devem estar hoje pensando nas suas altas responsabilidades de indicar alguém tão desprovido de condições para as funções”, afirmou Gilmar.
Nesta sexta-feira, 27, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou ação de busca e apreensão em endereços ligados ao ex-procurador geral, em Brasília. Nestes locais a Policia Federal apreendeu uma arma, um tablet e um celular.
Moraes determinou ainda que Janot fosse ouvido, “salvo se houvesse recusa”. Janot também está proibido de se aproximar de qualquer um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como acessar as dependências do STF e seus anexos, ele também perdeu o direito à posse de arma.
Alexandre de Moraes é responsável pelo inquérito que apura ofensas e ameaças aos ministros do STF aberto em março.
No início deste texto este blog afirmou que os holofotes quase saíram de todo do presidente ou de seus filhos. O “quase” é exatamente porque eles não conseguem ficar longe de polêmicas e confusões.
O candidato e indicado à embaixada do Brasil nos Estados Unidos foi protagonista de duas atitudes que estão bem distantes da seriedade de que quem pretende ocupar um dos postos chaves da diplomacia brasileira. 

Foto original publicada por Greta Thumberg

Foto fake publicada por Eduardo Bolsonaro

Na quinta-feira, 25, o deputado federal, Eduardo Bolsonaro, publicou em suas redes sociais uma foto falsa da jovem ativista ambiental sueca, Greta Thumberg, de apenas 16 anos. A foto original foi publicada por Greta, em uma viagem de trem ocorrida em janeiro no qual ela aparece fazendo uma refeição. Ao fundo, pela janela, vê-se árvores na paisagem.

Na foto postada pelo deputado aparecem duas fotos: a original postada em janeiro por Greta, mas no fundo não aparecem às arvores e sim crianças africanas sentadas na calçada de alguma residência naquele país.
Ainda nesta publicação fake o deputado escreve: “A garota financiada pela Open Society de George Soros”, apesar da ativista sueca não ter nenhum vinculo com Soros.
Outras postagens ironizando a ativista também foram postadas pelo deputado ao longo do dia. Em uma delas, ele o deputado troca uma palavra de uma frase dita por Greta em seu discurso na ONU. A jovem afirmou em seu discurso dirigindo-se aos chefes de estado: “Vocês roubaram minha infância”.
Sobre a foto do pai, Jair Bolsonaro, tirada em uma padaria, comendo um sonho, Eduardo fez uma paródia da frase dita pela ativista ambiental. Assim escreveu ele no referido post: “Vocês roubaram meus sonhos”.



Em outra de suas traquinagens o “menino” Eduardo, ainda na quinta-feira (26), dia em que parecia estar inspirado às traquinagens, postou nas redes sociais uma foto fazendo uma gesto de arma com as mãos enquanto posa para uma foto junto a uma escultura desarmamentista  localizada na entrada da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.  
O monumento chamado de Non-Violência (“sem violência”, em inglês) mostra um revólver com um cano amarrado. A escultura é de autoria do artista sueco, Carl Fredrik Reuterswärd e foi feita a pedido de Yoko Ono, viúva de John Lennon, após o assassinato do músico a tiros. Inicialmente colocada no Central Park, em 1998 a obra ganhou uma versão que foi colocada na entrada da ONU.
As operações de paz da ONU acertadamente usam armas. Mas na entrada do prédio da ONU em NY fica essa escultura desarmamentista. Como todo bom desarmamentista eis a máxima 'armas para mim, desarmamento para os outros”.
Duas atitudes, no mínimo infantis, para quem quer ocupar o posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.
Eduardo foi indicado pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, para o posto, mas precisa da aprovação de pelo menos 41 dos 81 senadores. Certamente, se o nome do deputado for aprovado pelos senadores para o cargo foi mais porque a velha política, que eles tanto combateram durante a campanha à presidência, entrou em ação e não por seus méritos e capacidades.
Lembrando que a velha política é baseada no toma-lá-dá-cá onde o dinheiro, e não as capacidades, é quem manda e impera.

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O grande acordão

Posted by Cottidianos on 02:03

Segunda-feira, 16 de setembro


Prezados leitores e leitoras, hoje compartilho uma das análises mais suscintas e mais precisas que já li nos últimos dias sobre o atual momento político pelo qual passamos. Tudo parece tão confuso e desordenado, mas nessa confusão toda as peças do quebra estão todas se encaixando, porém só consegue perceber isso quem tem um olhar perspicaz sobre a realidade.
O artigo que compartilho, cujo título é: O grande acordão do governo Bolsonaro, foi publicado neste domingo (15), pelo jornal Folha de São Paulo, e é de autoria do jornalista Vinicius Torres Freire. O artigo mostra um resumo do Brasil político atual em apenas oito tópicos.

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O grande acordão do governo Bolsonaro
No tumulto aparente, se ajeitam interesse de família, de elites econômicas e dos Poderes
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

A gritaria ultrajante do bolsonarismo e as crises de governo criadas pelo próprio governo produzem queimadas e fumaças políticas que obscurecem acontecimentos da selva brasileira. Os casos da Amazônia, do teto de gastos e da CPMF são sintomáticos. Mas, desde a aprovação da reforma da Previdência, faz dois meses, há certa ordem notável sob o tumulto que é o Brasil sob Jair Bolsonaro. Por exemplo:
1) quase no mesmo instante da votação favorável da Previdência, Bolsonaro passou a radicalizar no ultraje, no mandonismo, na aproximação com os neopentecostais, no elogio da ditadura e deixou ainda mais claro que está em campanha eleitoral;
2) parte pequena da elite econômica, de resto quase toda acomodatícia e tolerante das barbaridades, passou a insinuar que o presidente é um risco também para a economia. O projeto da "centro-direita" para 2022 reapareceu. Ainda assim, a maioria se cala, por colaboracionismo, gosto, cinismo ou interesse cru. Bolsonaro ainda seria preço razoável a pagar por "reformas";
3) mas as reformas são tocadas pelo Congresso. Ainda resiste o parlamentarismo branco, acerto definido em março por Rodrigo Maia e o miolão do Parlamento. Na economia, o governo quase se limita a conter gastos, a animar a torcida e a prometer planos para "breve". No mais, o governo se dá tiros no pé (teto, CPMF), até porque a administração econômica e social do país desinteressa a Bolsonaro;
4) o Congresso parece quieto, mas continua a aprovar mudanças enormes. Por exemplo, revisou a velha Lei Geral de Telecomunicacões (de 1997). Desregulamentou um tanto do setor e, além de melhorias para o público e doutros benefícios privados, ajudou empresas a evitar falência ou a se associar ao capital externo. Outras mudanças virão (a seguir, o setor elétrico). Em outubro, começa para valer o debate da reforma tributária;
5) vexames como o sururu da CPMF, além do "parlamentarismo branco", fazem com que o governo continue sem protagonismo na economia, como na reforma tributária; são prejudicados grandes projetos do Ministério da Economia (capitalização, alívio tributário para empresas, CPMF, desmonte da lei trabalhista);
6) agosto foi o mês de implementação de um grande programa bolsonarista, um programa de família. Como se sabe, Bolsonaro tenta proteger Flávio da polícia e nomear Eduardo para a embaixada. Para tanto, Bolsonaro tenta ou consegue intervir no Coaf, na Polícia Federal, na Receita e na Procuradoria-Geral, por exemplo;
7) essas intervenções de Bolsonaro são na prática toleradas na cúpula político-judicial. Esse o verdadeiro pacto entre os Poderes ou entre alguns de seus líderes (e não aquela conversa fiada de Dias Toffoli e Bolsonaro, de fins de maio). Em nome do programa de família e do acordão, Bolsolnaro se arrisca a perder apoio entre sua milícia virtual e entre os pares da extrema direita;
8) o objetivo do acordão tácito é limitar a força das instituições de controle e polícia (PF, Receita, PGR etc.) e contra-atacar o Partido da Lava Jato. Abafa-se a CPI da Lava Toga (dos juízes e Supremo), com a ajuda de Flávio 01; aprova-se a lei de abuso de autoridade, com veto para inglês ver de Bolsonaro, que também não chia contra os dinheiros e facilidades que o Congresso deu aos políticos para a eleição de 2020, mas não apenas.
Não é uma conspiração, claro. Mas os grandes blocos de pedra do poder vão se encaixando no terremoto constante.

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O uivo das estrelas mortas

Posted by Cottidianos on 02:25
Sexta-feira, 13 de setembro

Prezados leitores em relação ao mundo das notícias e habilidade em escrevê-las estou como o personagem da música A banda, de Chico Buarque: vendo a banda passar. Vejo as notícias, porém, no momento, só posso pensar sobre elas, mas não escrever sobre elas. O motivo é que estou me recuperando de uma queimadura na mão esquerda. Obviamente, me falta habilidade para digitar. É complicado digitar apenas com uma das mãos, como estou fazendo agora. Ainda levara alguns dias para que os tecidos se recomponham. Enquanto isso, compartilho textos de outros veículos de comunicação, como agora, por exemplo, em que compartilho um texto do jornalista, Juan Arias, do El País Brasil. O artigo foi publicado ontem (12), no referido jornal.

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O uivo das estrelas mortas
Muitas estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar uivando” e se alimentando das companheiras, dizem os astrofísicos

JUAN ARIAS

12 SEP 2019 - 14:06 BRT

O mundo de hoje, como sempre desde o tempo dos primeiros feiticeiros, gira em torno da política que é quem governa os destinos do nosso hoje e do nosso amanhã. O problema não é a política, mas os políticos que a encarnam. Existem aqueles que acreditam estar vivos, mas, na realidade, são estrelas mortas que há muito perderam sua luz e sua força. Como no cosmos, também existem políticos, não importa a idade, que desapareceram há muito tempo porque se tornaram estéreis e perderam o relógio do tempo.
Se quiséssemos aqui, no Brasil, na América Latina e até na velha Europa, descrever o panorama político atual, poderíamos escolher a semelhança do que está acontecendo no cosmos, onde especialistas explicam que “o centro da nossa galáxia está cheio de estrelas jovens e velhas, buracos negros e outras variedades de cadáveres estelares, um enxame inteiro ao redor de um buraco negro supermassivo chamado Sagitário A.”
Além disso, muitas dessas estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar uivando” e se alimentando de estrelas companheiras, dizem os astrofísicos. Uivos metafóricos que assustam igualmente.
O Brasil vive, de fato, neste momento, um cataclismo estelar no qual se ouvem ecos de autoritarismo e nostalgias de ditaduras passadas que nem sequer são dissimulados. Na segunda-feira, dia 9, Carlos, um dos três filhos políticos do presidente Bolsonaro, vereador da importante Câmara Municipal do Rio de Janeiro, provocou um terremoto ao escrever nas redes: “a transformação que o Brasil quer não acontecerá pelas vias democráticas”. A alusão à necessidade de usar métodos ditatoriais era evidente. O vereador continuou escrevendo: “Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes”.

Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, cujo pai é um dos desaparecidos durante a ditadura militar, declarou: “Não podemos aceitar uma família de ditadores”, e acrescentou: “A família Bolsonaro tem uma história de declarações a favor da ditadura militar de 64 a 85”. Da ditadura e da tortura, sempre exaltada por Bolsonaro.
E é verdade que a gravidade das declarações de Carlos Bolsonaro não pode ser vista como um deslize pessoal do jovem político que já era vereador aos 17 anos. O mais grave é que seu pai, o presidente do Brasil, que estava se recuperando naquele momento em um hospital em São Paulo de uma operação de hérnia e postava fotos andando pelo corredor do hospital, não teve uma única palavra de repreensão às declarações do filho, a quem chama de pit bull, seu cão de guarda. O vereador ficou famoso quando o protocolo lhe permitiu acompanhar, no banco traseiro do Rolls Royce presidencial, as duas vezes que Bolsonaro o usou junto com a esposa, Michelle, a primeira-dama: no dia do desfile da posse como presidente e dias atrás, durante o desfile solene do aniversário da Independência.
O grave é que hoje no Brasil todos sabem que quem governa não é apenas o capitão da reserva, Jair Bolsonaro, mas também seus três filhos: o senador Flavio, o deputado federal Eduardo e o dinâmico vereador, Carlos, considerado o gênio da Internet e quem organizou a campanha das eleições presidenciais nas redes sociais. Acaba de pedir afastamento como vereador para se dedicar, certamente, de novo a adestrar nas redes os seguidores mais fanáticos e fiéis que estavam diminuindo com a queda vertical na popularidade do presidente, que chegou a 29%, algo que nunca aconteceu nos primeiros oito meses de Governo com nenhum dos ex-presidentes da democracia.
Há quem defenda hoje que os poetas deveriam parar de usar palavras como estrelas, lua ou sóis em suas composições. Esquecem-se de que poucas realidades evocam, até na política, tantas imagens e tantas metáforas quanto o mistério do cosmos. Não por acaso são os cientistas que nos lembram que nós, humanos, “somos feitos do mesmo pó das estrelas”. Somos pedaços do universo.
E se o céu estelar, que tanto fascina grandes e pequenos, nunca poderá abandonar as imagens da criação poética, tampouco deveria fazê-lo o complexo e confuso mundo da política que também está povoado, por exemplo, de estrelas que já não existem embora acreditamos que estão vivas. E o pior é que mesmo mortas continuam uivando ameaçadoras e se alimentando dos vivos.
É verdade, de acordo com a ciência, que existem estrelas que fascinam com seu brilho e, no entanto, já não existem. Já estão, como acontece com muitos políticos em todos os níveis de poder, mortas, embora ainda vorazes. E esses políticos são hoje o centro do nosso pessimismo. Eles acreditam que estão vivos, querem comer o mundo, fazê-lo retroceder aos tempos dos extermínios e dos escravos, e ainda uivam nas noites das longas facas de traições e conspirações.
E se é o pessimismo da razão e do coração que nos arrasta até desprezar a nobre arte da política que sempre governou o planeta, também existe não digo o otimismo, que é uma palavra de que não gosto, mas a esperança de que, também ao contrário, existam estrelas no cosmos que já nasceram e estão vivas, embora sua luz distante ainda não tenha chegado a nós. É a esperança de que algo novo esteja vindo, sem uivos e traições, mas com cantos de paz e de diálogo, e com a vontade de criar um mundo menos desumano para que as estrelas que um dia chegarão, em vez de uivar gritos de velhas guerras, nos cantem versos de vida.
Penso que hoje aqui no Brasil, um país que vive um momento mais de uivos de estrelas mortas e ainda vorazes do que de hinos de liberdade, vejo com alegria que os vivos, de todas as vertentes, estão se reunindo em um grande abraço contra a barbárie que lhes querem impor. Vimos isso na reação maciça e nacional, especialmente dos mais jovens, contra a arbitrariedade do prefeito evangélico do Rio, Marcelo Crivella, que mandou policiais à grande festa da Bienal do Livro, visitada por milhares de crianças, para recolher um livro de literatura infanto-juvenil, de história em quadrinhos, em que dois jovens se beijam.
E estamos vendo essa reação contra os políticos estrelas mortas seguidores do violento e autoritário capitão, que gostaria de transformar o país em uma teocracia presidida pela Bíblia e não pela Constituição e em um país armado com licença para matar. Um país sem liberdade de expressão no qual ele zomba abertamente da defesa dos direitos humanos que sonharia abolir.
Justamente, as perigosas afirmações do filho de Bolsonaro insinuando que seu pai não poderá transformar este país “por vias democráticas” aconteceram quando jornalistas e intelectuais de todas as formações políticas e de todos os grandes jornais se reuniram na importante Universidade de São Paulo (USP) para reafirmar o direito à liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura ou ameaça à imprensa. Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil, insistiu, por exemplo, na necessidade de que os jornalistas se tornem “uma caixa de ressonância”, já que acrescentou: “Não temos o direito de claudicar”.
O Brasil, que de repente se viu golpeado por medidas autoritárias e ilegais que pressagiam um perigo para as liberdades, começou a acordar. A responsabilidade é grande. A História nos ensinou no passado como é fácil, de escorregão em escorregão, sem capacidade de reagir, acabarmos afundados no abismo.
O NÃO às feridas contra as liberdades conquistadas democraticamente e contra a Constituição, que de laica se deseja transformar em confessional, tem de ser claro e vigoroso se não quisermos chorar amanhã, ou que o façam aqueles que nos seguirão, por nossa cumplicidade com a política vista mais como um conjunto de estrelas mortas do que como um cosmos que se move nesse maravilhoso equilíbrio cujo milagre nos surpreende quanto mais o conhecemos.
O cosmos fascina porque seu mistério e sua grandeza nos emocionam. Nada nele, dizem os astrofísicos, é banal. Transpondo para o nosso mundo político, poderíamos dizer que aqui estamos nos antípodas dessa grandeza. Hoje, nela, como o filósofo Alain Deneault acaba de denunciar, o que prima é a “mediocracia” e “o que realmente importa não é evitar a estupidez, mas adorná-la com a aparência de poder”. São as alucinações das estrelas mortas que ainda se permitem nos assustar com seus uivos.

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