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Um anjo no inferno

Posted by Cottidianos on 20:52

 Domingo, 23 agosto


Em qualquer situação, se não sabe o que dizer, deve se ficar de boca fechada. Assim evita-se expor em público aquilo que você deve ser guardado com cuidado no coração: a própria ignorância. Ali ela não causa prejuízos a ninguém, exceto a quem a cultiva.

E a ignorância não deve ser exposta em público, principalmente, nas redes sociais. Pois lá, o alcance de uma palavra mal colocada pode causar um prejuízo enorme, tanto para quem a pronunciou tanto quanto a quem ela foi dirigida.

O pior é que a redes sociais estão cheias, lotadas, abarrotadas de falsos defensores da moral e dos bons costumes. De gente que se arvora ao direito de exercer julgamentos sobre terceiros quando na verdade são prisioneiros dos próprios preconceitos. Falsos juízes. Não sabem limpar a podridão que tem dentro de si e querem dar lições de moral à sociedade.





Os posts acima, como veem são todos tirados de redes sociais.

O primeiro post é do padre Ramiro José Perotto, de Carlinda, em Cuiabá. O segundo, de uma professora da rede de educação básica do Estado de São Paulo. A Secretaria estadual de Educação de São Paulo demitiu a professora após a postagem. O terceiro é de Noeli Jucundo de Andrade, uma agente administrativo do Pronto-Socorro de Rio Branco, Acre.

São palavras infelizes que vem de quem deveria se colocar a favor da vida e do sofrimento alheio, mas o que se vê nos posts é bem o contrário.



Tudo começou quando uma criança de 10 anos deu entrada no Hospital Dr. Roberto Arnizaut Silvares, na cidade de São Mateus, norte do Espírito Santo, no dia 08 deste mês. A garota reclamava de dores no abdômen. Os médicos pediram então um exame de sangue, e qual não foi a surpresa ao constatar que a menina estava grávida. Diante do absurdo, o hospital resolveu levar o caso à polícia.

O caso foi investigado e, em menos de 10 dias, a polícia conclui as investigações. Estas, embasadas em exames e no próprio depoimento da garota, revelaram que ela era abusada pelo tio desde os 6 anos de idade. O homem, de 33 anos, foi então indiciado por estupro de vulnerável e ameaça. Fugiu ao saber das acusações. Porém, a polícia o localizou em Betim, Minas Gerais, e o prendeu.

À polícia, a criança disse que o tio a ameaçava e dizia que se ela contasse para alguém, que ele iria prejudicar os parentes dela. Ora, é frequente vermos nos noticiários, casos de mulheres adultas que se calam por anos diante de um caso de estupro por medo do agressor ou por vergonha dos julgamentos da sociedade, imaginem os senhores e senhoras, quando se trata de uma criança. O nó na cabeça dela deve ser então infinitamente maior. Quanto sofrimento, quanta angústia, quanta dor, quanto medo, em um coração que está apenas começando a viver.

A menina foi levada para um abrigo da cidade. Após saber que em seu ventre de criança, carregava um feto, ficou ainda mais assustada, e chorava. A solução pensada pelos médicos e pelas autoridades: um aborto.

Aborto. Tema complexo. Controverso. Divide opiniões. Porém, em todas as situações da vida é preciso ter sensatez. O conservadorismo não pode vencer a sensatez. A capacidade de se colocar no lugar do outro. E nesse caso o bom senso grita no alto a fim de que seja ouvido. Ele implora par ser ouvido pela sociedade.

Uma menina de 10 anos não está pronta para receber uma gestação. Passar nove meses carregando o peso de uma barriga. Como nas grandes tempestades descem as descargas de raios ameaçadores, no corpo da menina desceriam uma carga fenomenal de hormônios que ela não estaria preparada para receber. O ventre não estaria preparado, assim como não estaria preparado a mente da garota. Uma criança grávida já é por si só um absurdo. Imaginem então o peso desse pequeno ser carregar uma gravidez indesejada?

Na sexta, 14, o Ministério Público apresentou um pedido a Justiça do Espírito se colocando favorável ao aborto nesse caso. A Justiça acolheu o pedido, e a menina foi transferida para a capital, Vitória, enquanto o Ministério Público e o governo do Estado decidiam em qual hospital seria realizado o procedimento, autorizado pela Justiça.

Foi então que entrou em cena o circo armado pelos conservadores. Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor? Hoje tem goiabada? Tem senhor? E o palhaço o que é? É ladrão de mulher. Era assim, que o circo anunciava a sua chegada na cidade. Lá ia o palhaço pelas ruas fazendo suas brincadeiras e arrancando sorrisos da criançada. E tudo virava festa e alegria. No circo dos palhaços conservadores, não. Ali não há alegria. Apenas pedantismo. Orgulho. Vaidades. Enfim, o espetáculo é tétrico.

O hospital escolhido foi o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), em Vitória. Porém, mesmo com determinação da Justiça, o hospital se negou a fazer o aborto. Diante das críticas o hospital veio a público dizer que não fez o procedimento porque não tinha condições de fazê-lo devido ao adiantado estado da gravide, cinco semanas, segundo o hospital, e não três, conforme havia sido divulgado.

Baseado nos critérios do Ministério da Saúde, tomou-se a decisão de não realizar o abortamento, dado que, pelo protocolo para realização de abortamento humanizado —que existe desde 2005—, o aborto tem um limite de 20 a 22 semanas de gestação, e um peso fetal de até 500 gramas. Essa criança estava acima desse ponto de corte. Por isso, não tínhamos capacidade técnica para conduzir uma antecipação de parto, já que pelos dados não seria mais um abortamento”, disse Rita Checon, superintendente do Hucam.

Como os serviços público e privado de saúde do Espírito Santo não dispunham de serviços de medicina fetal capazes de dar prosseguimento ao caso de aborto em questão, foi escolhido então o hospital Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), em Recife, Pernambuco, uma referência no estado em aborto legal. A criança, acompanhada da avó, e de uma assistente social, chegaram a capital pernambucana no domingo 16. Na manhã de segunda-feira, 17, enfim, o aborto foi realizado com sucesso e segurança.

Segundo o portal Uol-notícias, pesou também a escolha de um lugar tão distante de onde a menina morava o fato de o hospital recifense ter know-how quando se trata de aborto legal, e também porque ali, há 11 anos atrás, foi feito o aborto de uma criança de 9 anos que estava grávida de gêmeos. Por causa desse procedimento o hospital chegou a ser excomungado pela Igreja Católica.

Não foi nada fácil para uma menina de apenas 10 anos. Entre o primeiro atendimento a finalização do procedimento foram decorridos dez dias. Nesse período a criança passou por quatro hospitais, duas viagens, e uma grande exposição midiática.

Se há 11 anos o Cisam foi excomungado, dessa vez, se não chegou a tanto, também recebeu o peso da fúria dos conservadores.

No domingo, 16, um grupo formado por parlamentares evangélicos e fundamentalistas religiosos se reuniu em frente ao hospital onde a menina estava sendo preparada para o aborto. Eles protestavam contra a realização do procedimento.

Eles Cantaram. Ajoelharam-se. Deram-se as mãos. Rezaram. Louvaram. Certamente não invocavam ao Deus da vida, mas ao deus de suas próprias hipocrisias, de seus próprios preconceitos e falsos valores morais. Chamaram os médicos que realizavam o procedimento de assassinos. Eles também dirigiram ofensas à menina.

O portal Uol-notícias, destacou a fala de uma das representantes desse grupo que tem 12 mil seguidores no Instagram. “Estamos aqui como igreja para dizer que Recife não é a capital do aborto, nós somos pró-vida, e queremos salvar as duas vidas. As duas importam e valem”, disse ela.

No Espírito Santo, a família da menina já havia sofrido pressão de grupos fundamentalistas para que não permitissem a interrupção da gravidez. “E essa equipe que eu tô colocando à disposição da senhora é uma equipe de especialistas, médicos, ginecologistas, médicos que sabem lidar com esse tipo de situação. E tão dando toda a garantia que fazer o que eles querem fazer agora é mais risco do que levar a gestação à frente e fazer uma cesárea com anestesia, com tudo correto, entendeu?”, diz um homem, segundo reportagem do Fantástico, no domingo, 16. A Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus vai investigar esse caso.

Em um momento delicado como esse o que as pessoas mais precisam é privacidade. Mas nem isso os conservadores permitiram a menina. A conhecida militante de extrema direita, Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sarah Winter, ainda na tarde de domingo, 16, divulgou em suas redes sociais o primeiro nome da menina e, em caixa alta, também revelou o endereço do hospital onde seria feito o aborto.

Em sua postagem, Sarah também chamava o médico que realizaria o procedimento pelo termo pejorativo de “aborteiro”. Ela ainda pediu que seus seguidores “rezassem” e “colocassem os joelhos no chão”. De uma só vez, a extremista desrespeitou o momento de sofrimento e angústia de uma criança, violou o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura a preservação da identidade da criança, e também desrespeitou o artigo 286 do Código Penal, que proíbe a incitação pública à prática de crime.

O Youtube, canal onde foi foram feitos a divulgação do dados decidiu excluir a conta da militante por violação dos termos de serviço da plataforma. Com a divulgação dos dados referentes ao caso da menina, a extremista que já estava enrolada com a Justiça no processo das fake News, pode se enrolar mais ainda.

Em ação movida pela promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, o Ministério Público do Espírito Santo entrou na Justiça contra a extremista, e pede que ela pague R$ 1,32 milhões por danos morais coletivos.

Após todo esse drama, a família da menina aceitou participar de um Programa de Apoio e Proteção às Testemunhas, Vítimas e Familiares de Violência (Provita), oferecidas pelo governo do Espírito Santo. O programa oferece apoios como mudança de identidade e de endereço.

A garota e sua família partirão enfim para uma nova vida, sob novas identidades e endereço. As marcas entretanto... Essas ficarão pelo resto da vida. É preciso muito cuidado, muito carinho, muito apoio e tratamento psicológico. São feridas na alma. E essas são as mais difíceis de tratar.

Mas se a menina recebeu pedradas dos hipócritas também recebeu flores, presentes e mimos. Um destes mimos veio dos Youtuberes Felipe Neto e Whinderson Nunes. Eles se ofereceram para ajudar a menina. Felipe Neto se ofereceu para pagar os estudos da garota até sua maioridade, e Whinderson Nunes ofereceu tratamento psicológico à menina.

Cura para as feridas do corpo e da alma é o que nós todos desejamos para garota, para que ela possa ter paz em sua vida. E para o tio, que abusava dela desde os seis anos de idade, que tenha severa punição.

E que a menina livre dos demônios possa, enfim, encontrar o seu céu ainda nesta vida.


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Um ritual marcado pela intolerância religiosa

Posted by Cottidianos on 17:23

 Domingo, 16 de agosto

 

Kate Ana Belintani, mãe de adolescente impedida de realizar ritual

Estou muito feliz. Ela já dormiu em casa, estamos muito felizes. Não desejo o que passei para ninguém. Foram 17 dias sem fim, foram dias tristes, mas agora é aproveitar”.

Esse foi o depoimento de Kate Ana Belintani, manicure, mãe de uma adolescente de 12 anos, ao portal G1 neste sábado, 15, ao recuperar a guarda da filha.

Você que é pai, você que é mãe, já imaginou a aflição de ver seu filho ou sua filha tirada de seus braços, repentinamente, por uma decisão judicial? Já pensou nos dias de angústia e desesperos nos que se seguiriam enquanto lutava para ter de volta ao seu lar aquele ser amado que haviam lhe tirado?

É certo que você não gostaria de passar por tal situação, não é verdade? Creio que ninguém gostaria de experimentar tais aflições. Mas e quanto as pessoas que tem a coragem de fazer isso com outras, o que você pensaria delas? E se essa atitude tivesse suas raízes em algum tipo de preconceito ou intolerância?

O que aconteceu para a mãe dar o depoimento acima citado ao G1? Vejamos.

Era dia 23 de julho deste ano, um grupo de conselheiro tutelares e policiais chegava ao terreiro de candomblé Ilê Asè Egbá Araketu Odè Igbô, localizado no bairro Água Branca, em Araçatuba, interior de São Paulo. A avó de uma adolescente de 12 anos havia feito, junto ao Conselho Tutelar da cidade, uma denúncia de que a neta estava sofrendo maus tratos e possível abuso sexual.

Ao chegarem ao local, os policiais e conselheiros encontraram uma jovem que fazia, de livre e espontânea vontade, sua iniciação no candomblé, em um ritual chamado pelos adeptos da religião de “feitura de santo”.

A vida é ritualística. A própria geração de um ser humano e seus nascimento podem ser entendidos como um ritual. O pequeno embrião está para iniciar um novo ciclo. Desabrochar para uma nova vida que terá suas fases: nascimento, crescimento, envelhecimento, e morte. Se não houver contratempos nesse percurso, esse é o destino de todo ser humano.

Enfim, todos nós, em nossas vidas, vivemos vários ritos de passagem ou de iniciação que ocorrem em nossa vida em sociedade, ou em nossa vida religiosa, o quem vem a ser a mesma coisa, uma vez que a religião existe porque a sociedade existe. O mistério, ao contrário, existe desde sempre, e não precisa das religiões para que se manifeste.

As religiões, todas as religiões são ritualísticas. Todas elas, sem exceção, lidam com o mistério. E o modo que os homens encontraram para lidar com aquilo que não conhecem, que está além da sua compreensão foi mergulhar no ritualismo.

Assim como o mistério permeia a vida e as religiões, não seria diferente para com as religiões afro-brasileiras.

O orixá não obriga nem um filho a fazer os ritos de passagem ou iniciação. Na feitura de santo, por exemplo, durante um período que varia de 16 a 21 dias o iniciado precisa ficar em recolhimento total, distante da vida profana, e até mesmo privado do convívio familiar. É como se ele entrasse no ventre do sagrado e ali passasse por um processo de gestação, do qual surgirá para uma nova vida.

Poderíamos afirmar, sem medo de errar, que a umbanda e o candomblé são religiões altamente ecológicas, e que seus fiéis levam muito a sério essa orientação, porque sabem que poluindo os mares estão maculando a casa de Iemanjá. Se derrubarem as pedreiras estão destruindo a casa de Xangô. Se derrubarem as matas e florestas estão cortando o coração de Oxóssi. Se sujarem os rios estão desagradando a Oxum. E assim por diante, uma vez que cada Orixá tem seu campo de atuação na natureza.

Se nos despirmos do preconceito veremos que as religiões afro possuem uma beleza singular e que, assim como as demais religiões, estão fundadas nos alicerces do amor, da caridade, e da fé.

E no rito em questão — e que motivou a denúncia da avó por maus tratos — o fiel, buscando essa conexão com a natureza, recebe vários banhos de ervas, defumações, e incensos, além de receber lições sobre o fundamento da religião.

Faz parte desse ritual também o ato de raspar a cabeça. Como o leitor pode ver, o rito de iniciação no candomblé é algo que tem que ser levado muito a sério pela sua sacralidade, pela sua beleza, e pela sua entrega, afinal, é nele que o iyawô (filho de santo) vai receber a grande energia que vem dos orixás. Então espírito, corpo, e cabeça devem estar bem preparados.

Foi em meio a essa preparação, a esse ritual sagrado, que os policiais chegaram ao terreiro onde ele estava sendo realizado. E de nada adiantou o pai de santo responsável pela casa, Rogério Martins Guerra, dizer que estava acontecendo um grande mal-entendido. Também não adiantou a mãe da adolescente, chamada às pressas ao local, dizer que havia permitido a iniciação da adolescente, e que estava totalmente de acordo com isso. Muito menos adiantou a própria adolescente dizer que não estava sendo vítima de nenhum abuso sexual ou maus tratos.

Apesar de todas as justificativas dadas pelos envolvidos, mãe e filha foram levadas a uma delegacia que, por sua vez, as encaminhou ao Instituto Médico Legal (IML), onde fizeram exames de corpo de delito. Os exames não detectaram nenhuma lesão. Somente após estes procedimentos, mãe e filha foram liberadas. Também foi pedido pelo delegado que fosse feita uma perícia no local onde estava sendo realizado o ritual. Ali também nada indicou agressões ou violência. Sete dias após o início do ritual, a adolescente foi obrigada a deixar o terreiro por causa desses contratempos.

E o que levou a avó da menina a fazer a denúncia junto ao Conselho Tutelar?

Segundo a mãe da adolescente, o restante da família é da religião evangélica, e duas de suas irmãs teriam influenciado a mãe para que ela entrasse com a denúncia.

Essa parte da família então, mesmo não tendo sido confirmado pelos exames do IML nenhum sinal de abuso ou maus tratos na adolescente, não desistiram. Resolveram apresentar outra denúncia ao Conselho Tutelar, dizendo, dessa vez, que a adolescente era obrigada a ficar no terreiro e fazer o ritual.

Novamente, policiais e conselheiros tutelares foram ao terreiro, e dessa vez não encontraram ninguém. O ritual já fora finalizado. Obviamente, abreviado, e sem a paz necessária para sua realização.

Novamente os familiares da jovem, incansáveis justiceiros, não se conformaram. E recorreram à Promotoria, onde denunciaram o caso como lesão corporal por causa do cabelo raspado da jovem. Enfim, entraram na Justiça e saíram vitoriosas. No dia 03 de agosto, a Justiça concedeu a guarda da menina a avó.

Separadas, mãe e filha apenas se viam em visitas curtas e rápidas ou por conversas pelo celular. Numa dessa visitas, a avó proibiu que a menina se encontrasse com a mãe. A jovem então fugiu e foi encontrar a mãe numa praça da cidade. A polícia foi acionada e chegou até as duas estavam, colocou a jovem na viatura e a levou de volta para a casa da avó.

Foram dias de muita angústia e sofrimento para Kate e para a filha. Nesse período em que estiveram separadas, o G1 a procurou novamente a mãe da jovem e ela afirmou que nem conseguia mais dormir, e que a única coisa que conseguia fazer era chorar. “Não consigo mais dormir. Só choro esperando ela voltar para casa. Eu acredito que o juiz na hora que deu a sentença não sabia que era por questão religiosa”, disse ela. Kate também informou que havia contratado um advogado para fazer com que a menina fosse trazida de volta.

 Enfim, para alívio da mãe da adolescente, do grupo religioso ao qual as duas pertencem, e para parte da sociedade que acompanhou o caso e que torcia para que as duas, mãe e filha, fosse reunidas novamente, na sexta-feira, 14, a Justiça revogou a guarda provisória que havia sido concedida a avó, e determinou a que jovem voltasse a morar com a mãe. No mesmo dia, a ordem foi cumprida. A queda de braço na Justiça foi intensa, mas a verdade prevaleceu.

O caso ganhou repercussão nacional e era grande o número de pessoas que torciam para que o preconceito religioso não separasse duas pessoas que se amam. Na quinta-feira, 13, moradores de Araçatuba se reuniram em frente ao Conselho Tutelar, em um ato ecumênico de protesto contra a intolerância religiosa. Dali seguiram para uma praça da cidade.

As falas das lideranças durante o ato, versavam todas sobre o tema da intolerância. É lamentável que em um país que se diz laico não exista diversidade. O jornal Folha da Região, de Araçatuba, destacou a fala do babalorixá, Rogério Guerra, responsável pelo terreiro onde os fatos ocorreram. “Nós que somos de matrizes africanas sofremos preconceito religioso. Nós só queremos a liberdade de cultuar nossos ancestrais e as divindades nagô. Nós todos temos direito de vivermos nossa fé e em pleno século XXI ainda sofremos”.

O mesmo jornal também destacou a fala do reverendo Paulo Sanda, da igreja Anglicana: “O que está acontecendo em Araçatuba, já acontece há 520 anos com a população indígena que enfrenta constante perseguição. Esquecem da cultura do Brasil e da cultura ‘afro’. Mas nós estamos vivos, felizmente, e estamos na luta”.

Estes fatos dessagráveis devem e merecem receber destaque midiático, e mais importante que isso, devem merecer o repúdio de toda a sociedade para que não se normalize um comportamento animal que advém da intolerância e do preconceito seja ela de qual tipo for.

São recorrentes no Brasil os casos de violência contra os praticantes da umbanda e do candomblé. Já houve no país diversos casos de praticantes dessas religiões que tiveram seus locais de culto apedrejados ou incendiados. Também já houve casos de apedrejamento de pessoas, como foi o caso da adolescente, de 11 anos, no subúrbio do Rio de Janeiro.

Era domingo, 14, de junho de 2015. A adolescente, a avó dela, que é mãe de santo, e outras pessoas, andavam pelas ruas vestidos de branco, com os trajes caraterísticos da religião. Haviam acabado de sair do culto de candomblé. Estavam indo para casa, na Vila da Penha, descansar após o trabalho religioso.

No caminho do grupo, a apareceram dois homens que, com a bíblia nas mãos, gritavam exaltados, chamando o grupo de “diabos”, e dizendo que eles “iam para o inferno”, que “Jesus estava voltando”, e essas coisas.

As agressões não ficaram apenas no nível verbal. Eles pegaram uma pedra e jogaram em direção ao grupo. A pedra bateu em um poste e depois atingiu a cabeça da menina.

Não podemos aceitar mais viver numa sociedade que privilegia o ódio em vez do amor. E hoje, mais do que nunca, devemos repudiar esses comportamentos raivosos. E por que isso se faz mais necessário que nunca?

Ora, é fato que estamos vivendo em nosso país uma grande polarização entre esquerda e direita que não tem nada de bom a nos oferecer. Ao contrário, o que temos visto são as redes sociais recheadas de discursos de ódio. As pessoas já não sabem mais conversar sobre perspectivas, esperanças, e sonhos. Em vez do pão do amor, compartilha-se o pão do ódio. Não sabem conviver com quem pensa diferente.

A classe política e seus seguidores, à exceção de alguns poucos, estão muito mais empenhados em destruir reputações dos adversários, espalhar fake news, do que discutir projetos de um Brasil melhor.

E todo esse quadro de violência respinga em outros setores da sociedade. Resulta na incapacidade de aceitar o outros em suas diferenças sem agredi-los. `

Para terminar este artigo, deixo aos leitores e leitoras duas reflexões. Uma está na fala de Kate Ana Belintani, mãe da adolescente cujos fatos foram relatados nesse texto.

Falando ao portal G1 ela diz: “Felicidade de mãe agora não cabe no peito. Não temo mais perdê-la. Ficou provado que não houve nada. Que fique a lição, com toda a repercussão, que as pessoas não discriminem, não só a religião, mas por raça. As pessoas ainda não entendem a religião”.

A outra reflexão é de Claudia Alexandre, doutora em Ciência da Religião e pesquisadora da PUC-SP. Ao portal UOL notícias, ela chama a atenção de como o ataque a uma religião em particular torna claro a polarização da sociedade. “Eu vejo uma questão muito mais grave, que é como as pessoas não conseguem mais se relacionar, apartadas por um discurso de ódio, de odiar o outro, ao ponto de separar uma criança de sua família, por conta de uma confissão religiosa que o outro tem. É preciso repensar imediatamente em que sociedade estamos, se a lei realmente vai agir no caso do racismo. E quem vai restituir a saúde psicológica de uma criança que passa por uma situação como essa, da família e das pessoas do convívio religioso”.

Para ser seguidor de uma religião, qualquer que seja ela, deve se observar princípios como a paciência, a fé, a tolerância. Se não se tem essas coisas no agir cotidiano, algo está profundamente errado na crença que essa pessoa professa.

Aos atingidos pelo preconceito e pela intolerância é preciso ser muito forte para não se deixar abalar diante dos obstáculos colocados no caminho, nem pelas pedras jogadas na direção deles.


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Ele continua entre nós

Posted by Cottidianos on 02:07
Segunda-feira, 10 de agosto


A 1a rodada do campeonato brasileiro estreou neste fim de semana. De forma atabalhoada, diga-se de passagem, como tem sido tudo por aqui desde o início da pandemia.
No estádio da Serrinha, em Goiânia, a equipe do São Paulo já estava à postos pronta para o início da partida.  Os jogadores faziam aquecimento em campo. O time do Goiás ainda estava no vestiário. As equipes de jornalismo esportivo estavam a postos para a transmissão do jogo.  Tudo pronto para começar a transmissão. Já haviam até anunciado a escalação das equipes. Faltavam cerca de cinco minutos para o início da partida.
Apenas um detalhe precisava ser esclarecido: Haveria jogo ou não.
O caso foi o seguinte.
Na quinta-feira, 06, a equipe do Goiás recebeu funcionários do laboratório do hospital Albert Einstein, para a realização de testes para detecção do Covid-19 em seus jogadores. O laboratório foi indicado pela CBF. Os testes foram feitos, porém a CBF pediu que os testes fossem invalidados devido a ter ocorrido uma falha, por parte do laboratório, no acondicionamento das amostradas coletadas.
Os vinte e seis testes realizados naquele dia foram então invalidados. No dia seguinte, sexta-feira, 07, os testes foram refeitos, porém os resultados dos exames, que deveriam ter sido entregues no sábado, apenas foram entregues neste domingo, 09, na parte da manhã.
E os resultados não foram nada bons para a equipe do Goiás: 10 jogadores testaram positivo para a Covid-19. Oitos desses dez jogadores estavam escalados como titulares. O Goiás resolveu correr contra o tempo e realizar uma contraprova antes do jogo. Dessa vez o resultado deu positivo para 9 jogadores.
Porém, os jogadores já estavam concentrados no Centro de Treinamento do Goiás e, obviamente, ouve contato entre jogadores contaminados e não contaminados, tornando a situação ainda mais perigosa para a equipe.
Diante desse dilema, o Goiás recorreu a Confederação Brasileira de Futebol para que o jogo fosse adiado. A resposta da CBF não vinha. E o tempo passava. O nervosismo da equipe goianiense aumentava. O São Paulo, equipe adversária, não se posicionava sobre o assunto. E a CBF silenciava. Nem dizia sim, nem não ao pedido do Goiás.
Foi então que, cerca de uma hora antes do início da partida, a equipe resolveu recorrer ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), pedindo o adiamento da partida.
E assim, voltamos ao segundo parágrafo deste texto para o desfecho final, quando o São Paulo, já em campo, aguardava a equipe rival. Ao invés de aparecer os rivais, quem apareceu em campo foi o presidente da equipe goiana, Marcelo Almeida, tendo em mãos uma decisão do STJD, na pessoa do seu presidente, Otávio Noronha, na qual estava autorizada o cancelamento do jogo.
A decisão do STJD foi apresentada ao trio de arbitragem que por sua vez a comunicou à equipe São Paulina, que se retirou de campo. Um banho de água fria para o time do São Paulo, chamada de fria pelos dirigentes do Goiás por não ter se posicionado antes pelo cancelamento da partida, e um banho de água fria também para as equipes de rádio e TV que transmitiriam a partida. Entretanto, uma decisão acertada e necessária para o momento.
Outra partida que teve de ser adiada foi a que seria realizada entre as equipes Treze, da Paraíba, e Imperatriz, do Maranhão. Aqui, 12 dos 19 jogadores que atuariam pelo Imperatriz, testaram positivo para Covid-19. Essas duas equipes disputam a série C.
Na série B, também houve problemas. Na partida disputada entre CSA, de Alagoas x Guarani, de Campinas-SP, no sábado, 8, o jogo aconteceu, mesmo que 8 dos atletas do CSA tivessem testado positivo para a doença. Os jogadores testados positivos não jogaram, é verdade, mas tiveram contatos com os não contaminados. E em se tratando de coronavírus, prudência é sempre necessária.
Enfim, os tumultuados fatos deste início de campeonato brasileiro são um retrato fiel de como a sociedade brasileira e as autoridades estão se comportando em relação a pandemia do Covid-19: um tremenda irresponsabilidade.
Os cartolas do futebol resolveram realizar o campeonato, mesmo com um cenário de pandemia fora de controle no país. Era hora de voltar. Não, não era. Situação como as de hoje são possíveis de ocorrer em outros jogos? São. Mas enfim, os interesses pessoais acabam sendo colocados em pedestal mais alto.  
Falando em pandemia, o país atingiu neste fim de semana a triste marca de 100.000 mil mortes por causa do coronavírus. No dia 19 de maio, o Brasil ultrapassou pela primeira vez a marca dos 1.000 mortes em 24 horas. Desde então, raros são os dias em que temos um número de mortes abaixo dessa soma. Estamos nesse maldito platô e dele ainda não conseguimos sair.
É como se estivesse caindo de 3 a 4 aviões de voo comercial por dia em nosso país.
Um dos grandes responsáveis por grandes partes dessas mortes é, principalmente do líder maior da nação, o presidente Jair Bolsonaro. Em segundo lugar, governadores e prefeitos que, cedendo a pressões de empresários, promoveram reaberturas antes da hora. E em terceiro lugar, parte da responsabilidade recai sobre a própria sociedade que negligenciou no combate à epidemia.
Muitos acreditaram em promessas vãs como o anunciado milagre da cloroquina anunciado pelo presidente, que de milagre não tem nada. Aliás, nem comprovação cientifica tem.
Mesmo com toda essa quantidade de mortos, o presidente continua negando a doença, rejeitando os métodos indicados pela ciência para combatê-la, desprezando o isolamento social, e agredindo a imprensa, que apenas diz a verdade dos fatos, sem aumentar nem diminuir.
Segundo dados divulgados pelo consórcio de imprensa formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, neste domingo, 9, já são 101.136 vidas perdidas pela doença, e 3.035.582 os brasileiros infectados pelo novo coronavírus. Os dados são obtidos à partir das secretárias estaduais de Saúde.
No sábado, quando o país atingiu a marca dos 100.000 mil mortes o Jornal Nacional fez um resumo da escalada do coronavírus no Brasil, que a seguir este blog reproduz:
Do primeiro caso registrado no Brasil até atingirmos 1 milhão foram quase quatro meses. Em menos de um mês, chegamos a 2 milhões de casos. E depois levamos 23 dias para ultrapassarmos os 3 milhões.
Evolução de mortes: o primeiro caso foi registrado dia 26 de fevereiro. No dia 17 de março, 20 dias depois, o Brasil registrou a primeira morte; 71 dias depois, tínhamos 25 mil mortos. A partir daí, o número deu um salto em bem menos tempo. Foram apenas 24 dias para chegarmos a 50 mil vítimas. De 50 mil a 75 mil mortos, praticamente a mesma velocidade assustadora: 25 dias. Nos últimos 24 dias, mais 25 mil pessoas perderam a vida e chegamos à triste marca de 100 mil mortos por Covid-19.
E quando olhamos para trás, para o mês de fevereiro quando tivemos o registro do primeiro caso, pensamos que tudo poderia ter sido tão fácil.
Tivemos tempo de ver o que estava acontecendo na China, primeiramente, e depois na Europa. Tivemos tempo de ver os seus erros e acertos e fazer diferente. Tivemos tempo de nos preparar para o pior. Tínhamos um sistema de saúde, que com seus altos e baixos, poderia ter sido bem mais eficaz no combate à doença. Enfim, tivemos condições de vencer o jogo, e se não tínhamos condições de dominar completamente o inimigo, tínhamos condições de diminuir grandemente os seus estragos.
A única coisa que não tivemos de verdade foi um líder que coordenasse o processo todo, que soubesse concentrar forças e reunir esforços, e que dedicasse toda a sua força e empenho para que vidas fossem poupadas.
Faltou um líder que tivesse dado ao ministro Luiz Henrique Mandetta, carta branca para neutralizar o inimigo e que com ele tivesse somado forças para combater a doença.
Mas o líder que fez? Em vez de dar apoio ao médico-ministro, virou-lhe às costas e o demitiu. O mesmo fez com o sucesso de Mandetta, Nelson Teich. Ambos eram médicos e sabiam o que estavam falando e como deveriam agir no meio da tempestade. Mas como dizer de ciência a quem a nega?
E agora já vamos entrar para 3 meses que não temos um ministro efetivo da saúde que realmente entenda de saúde, pois o ministro interino que aí está, Eduardo Pazuello, é militar, entende de estratégias, é verdade, mas não entende de saúde. É a mesma coisa que entregar um avião nas mãos de quem não é piloto, ou seja, é tragédia anunciada.
No início de março deste ano, passava por uma das bancas de revista aqui do centro de Campinas, cidade onde moro e via estampada na capa da revista daquela semana a manchete de capa:
ELE ESTÁ ENTRE NÓS: A confirmação da chegada do coronavírus ao Brasil provoca alarme e exige atenção. Mas o sistema de saúde está bem preparado para evitar um mal maior.
Prossegui meu caminho e enquanto ia aquela capa de Veja meu incomodou. Achei muito prepotente para tratar de um vírus.
Hoje reconheço que a Veja estava certa e eu errado. O vírus chegou e se impôs. E se impôs porque a sociedade, de certo modo, lhe deu poder: o poder de matar.
Outra coisa em que Veja estava certa é sobre o sistema de saúde: ele estava preparado, mas as autoridades não ajudaram, e o problema ficou grande demais para que o SUS pudesse evitar o mal maior.
E o presidente que apenas pensava na economia, em detrimento da vida, hoje vê vidas e economias em descida. Se tivesse dado prioridade à primeira já teríamos vencido a pandemia ainda em junho ou julho.
E agora olhamos para a frente e nem temos previsão de quando isso ocorrerá, porque ao novo coronavírus vieram se somar outros vírus que podem ser igualmente letais: o vírus do descaso com a vida humana, o vírus da ignorância, e o das fake news.
Triste realidade.


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Líbano: É preciso renascer das cinzas

Posted by Cottidianos on 18:02

Quinta-feira, 06 de agosto


 Não protele. Não adie. Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Isso para vale para uma infinidade de coisas. Inclusive para coisas de governo. Se você fica, adiando, adiando, hora ou outra as coisas podem explodir. Foi o que aconteceu no Líbano.
Há semanas o la Rhosus seguia a rota do Mediterrâneo. Era um navio cargueiro russo com bandeira moldavia. Navegou por muitos lugares. Até que no dia 21 de novembro de 2013 precisou parar para fazer reparos técnicos em Beirute. O objetivo da parada no porto libanês tinha também um quê de ganancia. O navio já estava com uma carga pesada, mas aproveitou a parada no lugar para pegar uma carga extra a ser entregue na Jordânia. O material era muito pesado e a tripulação no conseguiu estocar o novo carregamento. A parada em Beirute foi um pedido feito pelo dono do navio ao capitão.
Os inspetores libaneses, em inspeção de rotina, subiram ao cargueiro e encontraram mais duas mil toneladas de nitrato de amônio. Um componente que tanto pode ser utilizado na fabricação de fertilizantes como de explosivos.
O material havia saído de uma fábrica de fertilizantes, na Geórgia, e seguia em direção a uma fábrica de explosivos, em Moçambique. As autoridades portuárias ordenaram então a apreensão do material para apurar irregularidades.
Diante do impasse, o dono da embarcação abandonou o cargueiro à própria sorte. O capitão e 3 tripulantes ainda passaram 11 meses no navio, sem salário e com pouca comida. Eles esperavam o desfecho de uma disputa que se arrastava na justiça.
Enquanto isso, o carregamento de nitrato de amônio continuava na embarcação. Apenas quando os ocupantes do navio resolveram deixa-lo foi que os funcionários do porto libanês recolheram a carga explosiva e a colocaram no armazém de número 12, à beira-mar.
Segundo o capitão do navio, em entrevista à agencia Reuters, os responsáveis pelas operações portuárias não armazenaram o material de modo adequado e seguro. De qualquer modo, eles esperavam que esse armazenamento fosse durar, no máximo, algumas semanas. Porém o tempo passou, e nada aconteceu. Nada mudou. A carga foi ficando armazenada no porto de Beirute.
O navio, abandonado pelo seu proprietário, também foi ficando no porto, e, sem manutenção, acabou afundando.
As autoridades, após o acidente trágico, tem dito que os responsáveis tem de ser identificados e punidos severamente. E nesses casos, há quem mereça, realmente, a punição, e quem não a mereça. E um desses funcionários que não merecem punição é Shafik Merhi, diretor da Alfandega do Porto de Beirute.
Lembremos que o navio atracou em Beirute em 21 de novembro de 2013. Em 26 de junho de 2014, já tendo se passado, exatamente, 07 meses e 5 dias, do ocorrido e da identificação da carga, Shafik enviou a primeira comunicação aos superiores na qual pedia instruções sobre o que fazer com ela. Nessa primeira comunicação, o diretor também advertia para os riscos gravíssimos referentes a ela.
Nos anos seguintes, Shafik Merhi, enviou ainda outras cinco comunicações semelhantes. A resposta para todas elas foi o silêncio. Os funcionários nem sequer se deram ao trabalho de responde-las.
No exterior, se discutia muito, e se fazia pouco. Os responsáveis se colocavam em duas linhas de raciocínio diferentes: uns diziam que as exportações cabiam ao Exército, e outros diziam que a venda era de responsabilidade do setor privado. Decisão prática mesmo, não se tomava nenhuma.
Enquanto isso, a grande maioria dos libaneses deitavam e acordavam com o perigo do lado e nem se davam conta disso.
Enfim, o silencio, o impasse e a responsabilidade cobraram seu preço na última quarta-feira e o mundo inteiro viu como ele foi alto, fumacento, ensurdecedor, aterrorizante, e danoso para a economia e para a sociedade libanesa.
E assim como os libaneses, o mundo inteiro se pergunta: Como não foram tomadas as medidas necessárias diante de uma carga tão ameaçadora? Outra pergunta que fica no ar é: Havia outros materiais explosivos armazenados no porto? Especialistas afirmam que sim.
As autoridades libanesas tinham conhecimento desse perigo à beira-mar? Se haviam outros materiais explosivos no porto, quem eram os donos?
Enfim, muitas são as perguntas para o que aconteceu, de fato no Líbano. Em seu artigo no italiano Corriere Della Sera, sob o título Beirute,todos os mistérios do explosivo que chegou ao porto em um navio russo, publicado nesta quarta-feira, 06, o jornalista Guido Olimpio, escreve: “Á espera do resultado das investigações podemos especular interminavelmente acompanhados pelo ditado, costurado na pele de Beirute, que "não há verdades, apenas versões”. Há verdades escondidas, é verdade. Mas ela aparecerá. Mais cedo ou mais tarde ela aparecerá.
Agora, Beirute, como um fênix, precisará se reerguer das cinzas da destruição. Segundo autoridades libanesas, metade da cidade foi destruída pelas explosões, e os prejuízos podem variar entre 3 e 5 cinco bilhões de dólares, o equivalente a 15 e 26 bilhões de reais.
Os prejuízos econômicos são imensos. Grandes parte dos grãos consumidos no país vem do exterior, e grande parte desses produtos, cerca de 85%, estavam nos armazéns do porto, agora totalmente destruídos.
E agora, os libaneses que já vinha enfrentando dias difíceis em termos econômicos, terão essa situação ainda mais agravada. Além disso, terão que se preocupar com a nuvem tóxica que se espalhou pelo país, além do coronavírus, contra o qual já vinham lutando.
Já são 135 o número de mortes por causa do acidente. O número de feridos já passa de 5.000 mil, além de outros milhares de desabrigados e uma centena de desaparecidos. O caos se instalou no Líbano, país já tão maltratado.
Para finalizar esse artigo, este blog reproduz as palavras do jornalista Pedro Vedova, correspondente da Globo, em Londres, em sua brilhante reportagem exibida ontem, 05, no Jornal Nacional. Diz o texto: “Um país que já viveu atentados, guerra civil, invasões. Um povo famoso pela sua resiliência. Que tenta se reconstruir outra vez”.

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Passando a boiada

Posted by Cottidianos on 01:21
 Quarta-feira, 05 de agosto



Terror em Beirute

O mundo assistiu estarrecido as imagens da explosão ocorrida em Beirute, capital do Líbano nesta terça-feira, 04. Horripilantes. Aterrorizantes. Impressionantes. Não há palavras para descrever o fato ocorrido. Parecia cenas apocalípticas. Lembrou, de algum modo as bombas jogadas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial, e também o 11 de setembro, nos Estados Unidos.
Nuvens de fumaça já chamavam a atenção na zona portuária de Beirute quando duas explosões, uma seguida da outra levantaram bolas de fogo que formavam uma gigantesca de coluna de fumaça amarelo alaranjada que podia ser vista a quilômetros de distância. O ensurdecedor barulho também se fez ouvir muito longe dali.
Um caos nas ruas da capital libanesa: paredes de prédios destruídas, vidros de janelas espalhados pelo chão, pessoas feridas, destroços bloqueando ruas. Cinzas e fumaças por todos os lados. Nervosas sirenes de ambulância percorriam as ruas da cidade em socorro aos feridos.
Segundo o ministro da Saúde daquele país, foram ao menos 78 mortos e quase 4.000 feridos.
Ao que tudo indica, trata-se de um acidente. Há eventual possibilidade de também ter sido um atentado, mas a primeira hipótese é a mais provável. Segundo, Hassam Diab, premiê do Líbano. O motivo de tanto estrago, segundo autoridades libanesas, foram 2.750 toneladas de nitrato de amônio: uma substancia usada em fertilizantes e em materiais explosivos.
É um explosivo altamente potente” afirma Reinaldo Bazzito, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo. “Ele não explode sozinho. É preciso um gatilho muito grande para que uma explosão ocorra. No caso do Líbano, se for isso que aconteceu, acredito que a explosão pode ter sido causada pelo incêndio que estava ocorrendo antes”, acrescenta o professor.
E todo esse potencial explosivo estava armazenado no porto de Beirute, desde 2014, de maneira não segura.
O presidente do país, Michel Aoun, disse que a capital vai declarar estado de emergência pelas próximas duas semanas e acrescentou: “É inadmissível que um carregamento de nitrato de amônio, estimado em 2.750 toneladas, esteja em um armazém há seis anos, sem medidas preventivas. Isso é inaceitável e não podemos permanecer calados”.
Uma investigação está em curso e o Conselho Supremo de Defesa do Líbano afirmou que os responsáveis deverão enfrentar “punição máxima”.
É lamentável que além de enfrentar a pandemia do coronavírus, como todo mundo aliás tem enfrentado, os libaneses ainda tenham que passar por momentos tão difíceis. No Líbano são 5.062 casos confirmados de coronávirus e 65 mortes. Em 12 de maio, o país decretou o lokdown, o confinamento total do país, para frear o avanço da doença. Com uma população de 7.919,528 habitantes, pode-se dizer que o país obteve relativo sucesso no combate a pandemia.

Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles

Passando a boiada

No cenário nacional, o país amanheceu em polvorosa com a notícia de que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles queria mudar a meta para reduzir a devastação ambiental no Brasil. A reportagem/denúncia foi feita pelo jornal O Estado de São Paulo.
O documento obtido pelo jornal aponta que o ministro queria rever, reconsiderar, a meta de diminuir o desmatamento e os incêndios ilegais em 90% em todo o país. Essa meta é prevista no Plano Plurianual (PPA), elaborado pelo próprio governo e é vigente até o ano de 2023.
Em lugar disso, Ricardo Salles propõe que a preservação das florestas seja guiado pelo recém-criado programa Floresta + Amazônia, que defende a preservação de uma área específica da Amazônia, equivalente a 390 mil hectares de vegetação nativa. Um nada. Uma coisa insignificante diante do aumento das queimadas e desmatamentos e do que precisa ser protegido em termos de meio ambiente.
O ofício foi enviado à equipe do ministério da Economia, comando por Paulo Guedes, em 10 de julho. Os técnicos analisaram a proposta e viram que ela era insuficiente, e assim se manifestaram a respeito da proposta: “Tem-se que a meta proposta para o combate ao desmatamento e incêndio florestal no País objetiva proteger 0,07% da cobertura florestal amazônica com um projeto piloto de pagamento de serviços ambientais da floresta. Dessa maneira, acreditamos que o Programa Floresta+ é relevante, porém insuficiente”.
O que deixou todo mundo ainda mais surpreso foi o fato de o ministro da Economia, Paulo Guedes dizer, também nesta terça-feira, 04, que concordava com a proposta de Salles, contrariando assim parecer dos próprios técnicos do ministério da Economia.
Penso que os leitores e leitoras devem se recordar da famosa reunião ministerial ocorrida em 22 de abril na qual Ricardo Salles diz: “O Meio Ambiente é o mais difícil, de passar qualquer mudança infralegal em termos de infraestrutura, instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no Judiciário, no dia seguinte. Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
Ou seja, escandalosamente, o ministro queria se aproveitar de uma situação para driblar as regras legais e os acordos firmados anteriormente para dar carta branca para que as nossas florestas sejam cada vez mais devastadas, incendiadas, por bandidos que nenhuma preocupação e compromisso tem com a questão do meio ambiente.
Na verdade, o que Ricardo Salles está querendo fazer é a mesma coisa que dá um tiro no próprio pé. Ainda se fosse no pé dele próprio, não teria prejuízos para a nação, mais o tiro no pé nesse caso, seria o do país, e com isso, todos nós, brasileiros, sentiríamos a dor.
Recentemente, em junho deste ano, 29 fundos de pensão e investimentos, que juntos são responsáveis pela administração de quase 4,1 trilhão de dólares, o equivalente a 21,6 trilhões de reais, enviaram carta a 7 embaixadas brasileiras na Europa, Japão, e Estados Unidos, pedindo para que fosse marcada uma reunião para discutir o desmatamento na Amazônia.
Também em junho, 29 deputados do parlamento europeu em carta enviada ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na qual afirmavam estar preocupados com o modo como a questão ambiental está sendo tratada no Brasil e de como as medidas que estão sendo tomadas nessa área podem ter o potencial de pôr em risco o meio ambiente brasileiro.
A palavra dos deputados europeus tem peso não apenas por serem eles do parlamento europeu, mas também por eles pertencerem a comissão de meio ambiente e também participarem de comitês que lidam com agricultura e comércio exterior.
Enfim, a pressão está vindo de todos os lados para que o Brasil cumpra sua parte no que diz respeito ao desmatamento, não apenas na Amazônia, mas em todo o território nacional. E ela vem de investidores, de ONGs nacionais e internacionais, e de diversos setores da sociedade.
E o governo continua fechando os olhos e os ouvidos a todos esses apelos.
Qualquer grande acordo mundial que vier no futuro, eu acho que essa questão vai estar sendo discutida, não tem como fugir dela”, disse o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, Roberto Azevedo, em evento que participou no Brasil.
Outra aberração que o ministro Ricardo Salles quer fazer, e está fazendo, é calar a voz da sociedade civil e tirar dela o poder de voto nos conselhos que discutem a questão do meio ambiente. Na verdade, os membros da sociedade civil estão bem mais consciente que o ministro quando se trata da questão da preservação ambiental, e ela seria um grande incomodo nesses conselhos. Ou seja, persona non grata em tais ambientes onde Ricardo Salles navega.
Enfim, ainda na noite de ontem, depois da repercussão negativa do fato, o ministério do Meio Ambiente recuou da insana tentativa de alterar a meta de reduzir o desmatamento e os incêndio ilegais no país em 90%. A volta atrás foi anunciada pelo ministério da Economia. Permanecerá o que está definido no Plano Plurianual, que é de reduzir os desmatamentos e incêndios ilegais em nossos biomas em 90% até 2023.
É preciso ficar de olhos para que o ministro Ricardo Salles, que não é amigo do meio ambiente, não vá por ai passando boiadas e mudando as regras num setor vital: o meio ambiente.
Afinal, o meio ambiente não é só riqueza econômica, ele, acima de tudo, um questão de sobrevivência, o cerne da própria vida humana. Destruam o meio ambiente e estarão destruindo o habita natural do bicho homem.

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