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Ponte sobre águas turvas
Posted by Cottidianos
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00:23
Quinta-feira,
18 de dezembro
“Se a solidão for demais
E em teu coração não sentires a paz
Eu quero estar bem perto
Como alguém que torce por teu bem
Como ponte sobre as águas turvas
Hás de me encontrar
Como ponte sobre as águas turvas
Hás de me encontrar”
(Ponte Sobre Águas Turvas, versão de
Bridge Over Trobled Water – Paul Simon, no Cd, Francisco e Clara – O musical)
Finalmente,
terminou a guerra de braços entre Estados Unidos e Cuba. Com isso, as duas
nações só tem a ganhar em termos de acordos comerciais e com a liberdade de ir
e vir, e paz entre americanos e cubanos. Na mediação desse acordo, teve
importante papel o Papa Francisco. Podemos dizer que Francisco atuou como “ponte
sobre águas turvas”. Fico feliz, pois acho que é de paz que o mundo precisa,
mais do que nunca. Faço votos de que muitos muros ainda venham a cair e que
muitos corações se abram para a paz entre as nações.
Abaixo,
compartilho matéria publicada pelo jornal El País – Brasil
***
Nova
era entre dois históricos adversários
MARC
BASSETS - Washington
A
Guerra Fria terminou nesta quarta-feira na América. Um quarto de século depois
da queda do muro do Berlim, Estados Unidos e Cuba deram o primeiro passo para
normalizar suas relações e encerrar uma das últimas anomalias da política
externa norte-americana: um sistema de sanções em vigor desde 1961, que afinal
foi inútil para seu propósito, o fim do regime dos irmãos Castro. O presidente
Barack Obama anunciou o início de conversações com a ilha para restabelecer as
relações diplomáticas, rompidas há 53 anos, e para abrir uma embaixada em
Havana. Obama determinou uma revisão da presença de Cuba na lista de
patrocinadores do terrorismo. Washington facilitará as viagens e o comércio. O
degelo foi anunciado horas após a revelação de que haveria uma troca de dois
presos norte-americanos em Cuba por três cubanos que estão nos EUA. O acordo,
depois de uma conversa de Obama com Raúl Castro, é resultado de mais de um ano
de negociações, nas quais o Papa teve um papel central.
O
presidente Obama, que em 2009 chegou à Casa Branca com a promessa de dialogar
com os líderes rivais, justificou a decisão pela ineficácia das sanções
diplomáticas e do embargo comercial. “No final das contas”, disse em uma
declaração solene, “esses 50 anos demonstraram que o isolamento não funcionou.
Chegou a hora de um novo enfoque”.
A
tensão marcou as relações com Cuba por parte de todos os presidentes
norte-americanos desde Dwight Eisenhower. Nesse período, o exílio cubano
transformou o sul da Flórida. A pressão para evitar qualquer concessão aos
Castros, afiliados à União Soviética durante a Guerra Fria, e o desinteresse de
Havana pela perda do argumento de vítima do embargo, frearam as tentativas e
aproximação.
As
medidas anunciadas nesta quarta-feira por Obama –ao mesmo tempo em que Raúl
Castro se dirigia aos cubanos pela televisão– rompem a política dos EUA e se
deparam com uma forte resistência no Congresso, refratário até agora a qualquer
sinal de distensão se, em troca, Cuba não se democratizar. Líderes republicanos
como o senador Marco Rubio, filho de cubanos, prometeram fazer o possível para,
em suas palavras, “bloquear essa tentativa perigosa e desesperada do presidente
de abrilhantar seu legado às custas do povo cubano”.
Obama
não pode levantar por sua conta o embargo, um complexo emaranhado normativo.
Suprimir boa parte das sanções econômicas requer a aprovação do Congresso. Mas
ele dispõe, sim, de margem para relaxar a tensão, e essa é a via que adota com
a anuência do presidente Castro. A conversa telefônica de Obama e Castro – a
primeira oficial de um líder norte-americano e outro cubano desde a Revolução
Cubana, em 1959– foi o ponto culminante na terça-feira de meses de negociações
secretas entre emissários da Casa Branca e do Governo cubano. Obama e Castro
falaram por cerca de uma hora.
Na
primeira hora desta quarta-feira a Casa Branca anunciou que Cuba libertava Alan
Gross, um subcontratado norte-americano preso em Havana desde 2009, e também um
misterioso espião de nacionalidade cubana, que trabalhava para os EUA e estava
havia quase vinte anos preso. Em troca, os EUA soltaram três espiões cubanos
que estavam havia mais de uma década detidos no país. A Casa Branca insistiu
durante anos que a detenção de Gross era o obstáculo decisivo para qualquer
aproximação.
A
negociação tinha começado muito antes, em junho de 2013. Os emissários se
reuniram várias vezes no Canadá. A reunião decisiva se realizou neste semestre
no Vaticano. O papa Francisco atuou como mediador.
Obama
e o papa abordaram o problema em março, quando o presidente dos EUA visitou
Roma. E em meados do ano Francisco enviou uma carta a Obama e a Castro na qual
fazia um chamamento para que resolvessem a detenção dos presos em ambos os
países.
O
ocorrido nesta quarta-feira é o primeiro gesto de aproximação de Obama em
relação a Cuba. Nos seis anos em que está na Casa Branca, ele suavizou as
condições para que os cubano-americanos viajassem para a ilha e enviassem
remessas de dinheiro. Em paralelo, Castro adotou algumas medidas para
liberalizar a economia cubana.
O
contexto mudou nos EUA e no sul da Flórida em relação à Guerra Fria e os anos
posteriores à dissolução do bloco soviético. Miami já não é a capital dos
exilados intransigentes, como foi em outra época, embora esse grupo mantenha
uma decisiva influência política em Washington. As novas gerações de cidadãos
de origem cubana se distanciam das posições mais duras contra o castrismo. Uma
pesquisa recente indicou que 52% da comunidade cubana em Miami se opõe à
manutenção do embargo.
Figuras
eminentes da comunidade, como o magnata do açúcar Alfy Fanjul, também se
pronunciaram a favor de uma mudança de política. E o big business –o mundo da
grande empresa norte-americana– não quer perder oportunidades de negócios em
uma futura Cuba aberta ao capitalismo.
O
argumento de Obama para defender a normalização não é que os EUA devam
abandonar a bandeira dos direitos humanos e da democracia em Cuba, mas que a
melhor maneira de promovê-la é abrindo-se à ilha. Daí o fato de Obama insistir
na prioridade de medidas para facilitar o comércio –as instituições financeiras
dos EUA poderão abrir contas em bancos cubanos– e as viagens: como na Espanha
dos anos 60, essa pode ser a melhor maneira para que circulem as ideias que
acabem precipitando a mudança.
Para
o Governo Obama, abrir-se a Cuba é uma questão de interesse nacional. A Casa
Branca admite que a tensão era um obstáculo nas relações com o restante da
América Latina. Em abril está previsto que Obama compareça com Castro à cúpula
das Américas no Panamá.
Se
as medidas desembocarem em uma normalização plena, será eliminado o último
resquício da Guerra Fria na América Latina. Não é o único no mundo. Além da
pendência das negociações com o Irã, resta a Coreia do Norte.
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