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A árvore de Natal na casa de Cristo
Posted by Cottidianos
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02:06
Quinta-feira,
25 de dezembro
“Então
é Natal, pro enfermo e pro são.
Pro
rico e pro pobre, num só coração.
Então
bom Natal, pro branco e pro negro.
Amarelo
e vermelho, pra paz afinal”.
(Então
é Natal, versão da música Happy Xmas,
de John Lennon , Yoko Ono)
Lia,
ontem (24), um dos mais belos e profundos contos de Natal da literatura
universal, chamado, Um Conto de Natal, de
Charles Dickens. Não o reproduzi aqui por ser muito extenso. Mas se tiverem
oportunidade de ler, recomendo. O conto narra a história de um homem avarento,
que detestava o Natal, e todo o significado que ele encerra: Bondade, perdão,
caridade, irmandade e todos os outros bons sentimentos que nos inspiram a época
natalina. Enquanto a cidade inteira se preparava para viver o espírito do
Natal, o velho Ebenezer Scrooge — esse era o nome dele — estava trancado em seu
escritório, trabalhando, avesso a toda euforia. À noite, ao chegar em casa,
recebe a visita de seu ex-sócio, que havia falecido há sete anos, naquele mesmo
dia, dia de Natal — o conto é uma história de espíritos e fantasmas. Jacob
Marley, arrastando as pesadas correntes do egoísmo e da vaidade que ostentara
quando estava vivo, abre os olhos do amigo, para que este não tenha a mesma
sorte. “Os negócios! A humanidade, o bem
comum, a caridade, a misericórdia, a benevolência, esses deveriam ter sido os
meus negócios”, desabafa o fantasma. O ex-sócio lhe revela então que ele
receberá a visita de três espíritos que lhe guiarão através do tempo,
mostrando-lhe de modo veemente e convincente, as verdades e lições que deveria
aprender para que seu caminho fosse iluminado.
O velho Ebenezer Scrooge — e, por consequência,
quem lê o conto de Dickens — toma uma bela lição e modifica seu modo de encarar
a vida tornando-se mais humano em suas atitudes a ações.
O
conto é uma crítica social, e apenas não o reproduzi aqui, repito, por ser um
pouco extenso, mas reproduzo um conto de Natal, também uma crítica social, de outro
mestre da literatura universal, chamado Dostoiévski. O conto intitulado, A árvore de Natal na casa de Cristo,
mostra a situação de abandono em que viviam muitas crianças na época do autor. Hoje,
em dia, por todo o mundo, muitas crianças ainda sofrem situação de exclusão
social e de abandono e, se não encontram amor, acolhida e carinho nos irmãos em
humanidade, encontram na casa do Mestre dos Mestres, aquele que é o amor em
plenitude.
Que
o menino Deus abençoe as crianças que têm, neste Natal, uma família que os
acolha e uma mesa farta que os sacie. Que esse mesmo menino Deus, acolha também
as crianças que não tem um lar, nem uma família que os ampare, nem uma mesa
farta que os sacie.
Que
o menino Deus se compadeça daqueles que, seja pela ameaça de revolver ou pelo
poder de uma caneta legitimadora da opressão e da corrupção, ou por qualquer
outro meio, tiraram dessas crianças a oportunidade de uma vida plena e de um
futuro digno, pois esses infelizes que roubaram o futuro desses pequenos, ainda
arrastarão muitas pesadas correntes, eternidade afora.
Com
esse conto de Natal, de Dostoiévski, deixo a todos, o meus sinceros votos de um
FELIZ NATAL!
***
Dostoiévski
Havia num porão uma criança, um garotinho
de seis anos de idade, ou menos ainda. Esse garotinho despertou certa manhã no
porão úmido e frio. Tiritava, envolto nos seus pobres andrajos. Seu hálito formava,
ao se exalar, uma espécie de vapor branco, e ele, sentado num canto em cima de
um baú, por desfastio, ocupava-se em soprar esse vapor da boca, pelo prazer de
vê-lo se esvolar. Mas bem que gostaria de comer alguma coisa. Diversas vezes,
durante a manhã, tinha se aproximado do catre, onde num colchão de palha, chato
como um pastelão, com um saco sob a cabeça à guisa de almofada, jazia a mãe
enferma. Como se encontrava ela nesse lugar? Provavelmente tinha vindo de outra
cidade e subitamente caíra doente. A patroa que alugava o porão tinha sido
presa na antevéspera pela polícia; os locatários tinham se dispersado para se
aproveitarem também da festa, e o único tapeceiro que tinha ficado cozinhava a
bebedeira há dois dias: esse nem mesmo tinha esperado pela festa. No outro
canto do quarto gemia uma velha octogenária, reumática, que outrora tinha sido
babá e que morria agora sozinha, soltando suspiros, queixas e imprecações
contra o garoto, de maneira que ele tinha medo de se aproximar da velha. No
corredor ele tinha encontrado alguma coisa para beber, mas nem a menor migalha
para comer, e mais de dez vezes tinha ido para junto da mãe para despertá-la.
Por fim, a obscuridade lhe causou uma espécie de angústia: há muito tempo tinha
caído a noite e ninguém acendia o fogo. Tendo apalpado o rosto de sua mãe,
admirou-se muito: ela não se mexia mais e estava tão fria como as paredes.
"Faz muito frio aqui", refletia ele, com a mão pousada
inconscientemente no ombro da morta; depois, ao cabo de um instante, soprou os dedos
para esquentá-los, pegou o seu gorrinho abandonado no leito e, sem fazer ruído,
saiu do cômodo, tateando. Por sua vontade, teria saído mais cedo, se não
tivesse medo de encontrar, no alto da escada, um canzarrão que latira o dia
todo, nas soleiras das casas vizinhas. Mas o cão não se encontrava alí, e o
menino já ganhava a rua.
Senhor! Que grande cidade! Nunca tinha
visto nada parecido, De lá, de onde vinha, era tão negra a noite! Uma única
lanterna para iluminar toda a rua. As casinhas de madeira são baixas e fechadas
por trás dos postigos; desde o cair da noite, não se encontra mais ninguém
fora, toda gente permanece bem enfunada em casa, e só os cães, às centenas e
aos milhares,uivam, latem, durante a noite. Mas, em compensação, lá era tão
quente; davam-lhe de comer... ao passo que ali... Meu Deus! Se ele ao menos
tivesse alguma coisa para comer! E que desordem, que grande algazarra ali, que
claridade, quanta gente, cavalos, carruagens... E o frio, ah! Este frio! O
nevoeiro gela em filamentos nas ventas dos cavalos que galopam; através da neve
friável o ferro dos cascos tine contra a calçada; toda gente se apressa e se
acotovela, e, meu Deus! Como gostaria de comer qualquer coisa, e como de
repente seus dedinhos lhe doem! Um agente de policia passa ao lado da criança e
se volta, para fingir que não vê.
Eis uma rua ainda: como é larga! Esmagá-lo-ão
ali, seguramente; como todo mundo grita, vai, vem e corre, e como está claro,
como é claro! Que é aquilo ali? Ah! Uma grande vidraça, e atrás dessa vidraça
um quarto, com uma árvore que sobe até o teto; é um pinheiro, uma árvore de
Natal onde há muitas luzes, muitos objetos pequenos, frutas douradas, e em
torno bonecas e cavalinhos. No quarto há crianças que correm; estão bem
vestidas e muito limpas, riem e brincam, comem e bebem alguma coisa. Eis ali uma menina que se pôs a dançar com
um rapazinho. Que bonita menina! Ouve-se música através da vidraça. A criança
olha, surpresa; logo sorri, enquanto os dedos dos seus pobres pezinhos doem e
os das mãos se tornaram tão roxos, que não podem se dobrar nem mesmo se mover.
De repente o menino se lembrou de que seus dedos doem muito; põe-se a chorar,
corre para mais longe, e eis que, através de uma vidraça, avista ainda um
quarto, e neste outra árvore, mas sobre as mesas há bolos de todas as
qualidades, bolos de amêndoa, vermelhos, amarelos, e eis sentadas quatro
formosas damas que distribuem bolos a todos os que se apresentem. A cada
instante, a porta se abre para um senhor que entra. Na ponta dos pés, o menino
se aproximou, abriu a porta e bruscamente entrou. Hu! Com que gritos e gestos o
repeliram! Uma senhora se aproximou logo, meteu-lhe furtivamente uma moeda na
mão, abrindo-lhe ela mesma a porta da rua. Como ele teve medo! Mas a moeda
rolou pelos degraus com um tilintar sonoro: ele não tinha podido fechar os
dedinhos para segurá-la. O menino apertou o passo para ir mais longe - nem ele
mesmo sabe aonde. Tem vontade de chorar; mas dessa vez tem medo e corre. Corre
soprando os dedos. Uma angústia o domina, por se sentir tão só e abandonado,
quando, de repente: Senhor! Que poderá ser ainda? Uma multidão que se detém,
que olha com curiosidade. Em uma janela, através da vidraça, há três grandes
bonecos vestidos com roupas vermelhas e verdes e que parecem vivos! Um velho
sentado parece tocar violino, dois outros estão em pé junto de e tocam violinos
menores, e todos maneiam em cadência as delicadas cabeças, olham uns para os
outros, enquanto seus lábios se mexem; falam, devem falar - de verdade - e, se
não se ouve nada, é por causa da vidraça. O menino julgou, a princípio, que
eram pessoas vivas, e, quando finalmente compreendeu que eram bonecos, pôs-se
de súbito a rir. Nunca tinha visto bonecos assim, nem mesmo suspeitava que
existissem! Certamente, desejaria chorar, mas era tão cômico, tão engraçado ver
esses bonecos! De repente pareceu-lhe que alguém o puxava por trás. Um moleque
grande, malvado, que estava ao lado dele, deu-lhe de repente um tapa na cabeça,
derrubou o seu gorrinho e passou-lhe uma rasteira. O menino rolou pelo chão,
algumas pessoas se puseram a gritar: Aterrorizado, ele se levantou para fugir
depressa e correu com quantas pernas tinha, sem saber para onde. Atravessou o
portão de uma cocheira, penetrou num pátio e sentou-se atrás de um monte de lenha.
"Aqui, pelo menos", refletiu ele, "não me acharão: está muito
escuro."
Sentou-se e encolheu-se, sem poder retomar
fôlego, de tanto medo, e bruscamente, pois foi muito rápido, sentiu um grande
bem-estar, as mãos e os pés tinham deixado de doer, e sentia calor, muito
calor, como ao pé de uma estufa. Subitamente se mexeu: um pouco mais e ia
dormir! Como seria bom dormir nesse lugar! "Mais um instante e irei ver
outra vez os bonecos", pensou o menino, que sorriu à sua lembrança:
"Podia jurar que eram vivos!"... E de repente pareceu-lhe que sua mãe
lhe cantava uma canção. "Mamãe, vou dormir; Ah! como é bom dormir
aqui!"
— Venha comigo, vamos ver a árvore de
Natal, meu menino - murmurou repentinamente uma voz cheia de doçura.
Ele ainda pensava que era a mãe, mas não,
não era ela. Quem então acabava de chamá-lo? Não vê quem, mas alguém está
inclinado sobre ele e o abraça no escuro, estende-lhe os braços e... Logo...
Que claridade! A maravilhosa árvore de Natal! E agora não é um pinheiro, nunca
tinha visto árvores semelhantes! Onde se encontra então nesse momento? Tudo
brilha, tudo resplandece, e em torno, por toda parte, bonecos — mas não, são
meninos e meninas, só que muito luminosos! Todos o cercam, como nas
brincadeiras de roda, abraçam-no em seu voo, tomam-no, levam-no com eles, e ele
mesmo voa e vê: distingue sua mãe e lhe sorrir com ar feliz.
— Mamãe! Mamãe! Como é bom aqui, mamãe! - exclama a criança. De novo abraça seus
companheiros, e gostaria de lhes contar bem depressa a história dos bonecos da
vidraça... - Quem são vocês então, meninos? E vocês, meninas, quem são? -
pergunta ele, sorrindo-lhes e mandando-lhes beijos.
— Isto... É a árvore de Natal de Cristo - respondem-lhe. - Todos os anos, neste
dia, há, na casa de Cristo, uma árvore de Natal, para os meninos que não
tiveram sua árvore na terra...
E soube assim que todos aqueles meninos e
meninas tinham sido outrora crianças como ele, mas alguns tinham morrido
gelados nos cestos, onde tinham sido abandonados nos degraus das escadas dos
palácios de Petersburgo; outros tinham morrido junto às amas, em algum
dispensário finlandês; uns sobre o seio exaurido de suas mães, no tempo em que
grassava, cruel, a fome de Samara; outros, ainda, sufocados pelo ar mefítico de
um vagão de terceira classe. Mas todos estão ali nesse momento, todos são agora
como anjos, todos juntos a Cristo, e Ele, no meio das crianças, estende as mãos
para abençoá-las e às pobres mães... E as mães dessas crianças estão ali,
todas, num lugar separado, e choram; cada uma reconhece seu filhinho ou
filhinha que acorrem voando para elas, abraçam-nas, e com suas mãozinhas
enxugam-lhes as lágrimas, recomendando-lhes que não chorem mais, que eles estão
muito bem ali...
E nesse lugar, pela manhã, os porteiros
descobriram o cadaverzinho de uma criança gelada junto de um monte de lenha.
Procurou-se a mãe... Estava morta um pouco adiante; os dois se encontraram no
céu, junto ao bom Deus.
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