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Um encontro em Moscou com o homem mais procurado do mundo
Posted by Cottidianos
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00:20
Quarta-feira,
04 de junho
“Minha
terra tem palmeiras,
Onde
canta o Sabiá;
As
aves, que aqui gorjeiam,
Não
gorjeiam como lá”.
(Gonçalves
Dias)
Domingo
passado (01) eu estava bastante ansioso. Havia visto, durante a semana, a
chamada do Fantástico, anunciando uma entrevista exclusiva de Edward Snowden à
repórter Sonia Bridi. Tenho lido muitas coisas a respeito de Snowden e dos
tornados de discussões por ele provocados, ao revelar documentos ultrassecretos
da poderosa NSA. Considero o americano um dos homens mais corajosos da história
atual. Quando resolveu fazer essas bombásticas revelações, ele, certamente,
sabia que sua vida nunca mais seria a mesma, mesmo assim as fez... E ficou em
paz com sua consciência.
O
domingo em Campinas amanhecera frio e chuvoso. Haveria atividades culturais na cidade, por
ocasião da Virada Cultural. Mas haveria também o aniversário do amigo Ricardo,
a quem, carinhosamente, chamamos de Rica. Entre uma programação cultural e o
aniversário de um bom amigo, preferi a segunda opção. Cheguei ao aniversário
por volta das 2h30 da tarde e permaneci entre eles, em agradável convívio, até
por volta 9h da noite. Comecei então a olhar para o relógio e vi que o
Fantástico já havia começado. Decidi ir embora para casa e fiquei torcendo para
que a entrevista com Snowden ainda não tivesse ido o ar. Ao chegar em casa,
liguei a TV e nada de os apresentadores anunciarem a entrevista. Pensei que já
tivesse sido exibida e segui vendo outras reportagens do programa. Fiquei
satisfeito quando, no penúltimo bloco do programa, Tadeu Schmidt e Renata
Vasconcellos, finalmente anunciaram a entrevista com o homem mais procurado do
mundo.
A
entrevista começou e o que eu vi foi um homem em paz consigo mesmo, mas ao
mesmo tempo, preocupado com o futuro incerto, expressando no olhar a tristeza
de estar longe da pátria e distante da família. Quando Sonia Bridi pergunta se ele se
arrependeu do que fez, Snowden, antes de responder, faz uma pausa e seus olhos parecem viajar no tempo e pousar em algum nos Estados
Unidos.
A
vida de Edward Snowden se transformou num enredo de filme de espionagem, no
qual ele é o personagem central. É vida real, mas parece roteiro de um grande clássico do cinema... Um
filme cujo final é absolutamente imprevisível.
O
Fantástico é exibido pela Rede Globo de Televisão e vai ao ar aos domingos, em
horário nobre. A seguir compartilho texto da entrevista exclusiva que Snowden
concedeu ao programa. Gleen Greenwald — um dos personagens desta trama
alucinante — também estava presente no quarto de hotel em Moscou, no qual aconteceu
o encontro entre a repórter e o entrevistado.
***
Imagem: http://oglobo.globo.com/mundo/snowden-confirma-pedido-de-asilo-adoraria-morar-no-brasil-12684806 |
'Se o Brasil me oferecer asilo, aceito', diz Edward
Snowden
Repórter Sônia Bridi entrevistou o homem mais
procurado do mundo, em Moscou.
Depois de quase um ano de negociações, frente a frente com o homem mais procurado do mundo. Moscou, capital da Rússia, onde Edward Snowden está asilado há dez meses. O lugar exato onde ele vive? Nem os amigos mais próximos sabem.
Para entrevistar o homem mais procurado
do mundo, a repórter Sônia Bridi chegou a Moscou apenas com o nome do hotel
onde deveria se hospedar. Ela não foi até Edward Snowden. Foi ele que chegou
até ela no hotel.
A entrevista, a pedido dele, foi feita
no próprio quarto onde ela estava hospedada.
Fantástico: Como é a sua vida na Rússia?
Snowden: Olha, não é
tão ruim quanto parece. A Rússia não é um país perfeito, e discordo fortemente
de muitas coisas, principalmente como eles monitoram a internet e censuram a
imprensa. Mas, no dia-a-dia, sabe, é melhor do que a prisão.
Prisão é o que ele tenta evitar há um
ano, vivendo uma história de filme de espionagem. Em junho de 2013, Snowden se
encontrou com o jornalista Glenn Greenwald e a documentarista Laura Poitras, em
Hong Kong, e entregou a eles milhares de documentos, com os maiores segredos da
espionagem americana.
Revelou que a Agência de Segurança
Nacional, a NSA, até então pouco conhecida do grande público, monitora as
comunicações por internet e telefone no mundo inteiro, inclusive dos próprios
cidadãos americanos. É a chamada metadata, que registra quem fala com quem, por
quanto tempo, onde estava quando falou e quanto tempo durou a conversa.
“É como se os Estados Unidos tivessem
contratado detetives particulares para seguir todos nós”, ele destaca.
Países inteiros, como o México e as
Bahamas, têm também o conteúdo das comunicações armazenado pela NSA. Como em
uma máquina do tempo de espionagem, a agência pode voltar ao passado e
recuperar tudo o que foi dito ou escrito. Em um ano, nenhuma semana se passou
sem uma nova revelação baseada nos documentos.
Fantástico: Como é que um rapaz de 29 anos, que nunca
terminou o ensino médio, trabalhando para uma empresa terceirizada da NSA, teve
acesso a tantos documentos?
Snowden: É um erro de
informação propagado nos Estados Unidos e depois pelo mundo todo de que eu era
um empregado de baixo escalão, que copiou documentos que não entendia. Na
verdade, eu tinha um cargo alto.
Na
adolescência, vivia conectado e descobrindo como funcionam computadores,
escrevendo programas. Típico da geração internet. “Eu sou cria da internet”.
Depois dos ataques de 11 de setembro,
ele se alistou no Exército. “Fui voluntário porque acreditei no que o governo
estava dizendo na época, que o Iraque estava desenvolvendo armas de destruição
em massa. Eu achei que servir era generoso, uma atitude nobre”, conta.
Mas Snowden quebrou as duas pernas no
treinamento. Dispensado do Exército, foi recrutado e treinado pelos serviços de
espionagem. Trabalhou como espião na Suíça e no Japão. Era o especialista em
informação digital da CIA. Seu último posto, no Havaí, especialista em
tecnologia e cibersegurança da NSA.
Fantástico: Em que ponto você decidiu juntar e vazar os
documentos para o público?
Snowden: O ponto sem
volta para mim foi quando vi, no Congresso, James Clapper, o chefe da
espionagem americana. Ele levantou a mão, jurou dizer a verdade. Perguntaram
para ele: ‘Os Estados Unidos monitoram informações de milhões de americanos?’ E
ele disse: ‘Não’. E eu sabia que era mentira. Os deputados da comissão também
sabiam que era mentira. E ninguém disse nada.
No fim de 2012, Snowden mandou um e-mail
para o jornalista Glenn Greenwald, radicado no Brasil e que então trabalhava no
jornal inglês “The Guardian”. Queria que Glenn instalasse um programa de
criptografia, que protege o sigilo na internet, para eles se comunicarem.
Em seu livro, “Sem lugar para se
esconder”, Glenn conta esta e outras histórias dos bastidores do caso Snowden.
Em Moscou, eles se reencontraram pela primeira vez desde que, há um ano,
Snowden entregou os documentos em Hong Kong.
Snowden: É tão bom
revê-los. Eles foram ao inferno e voltaram para fazer essas reportagens.
Fantástico: Você leu todos os documentos? Sabe
exatamente o que há em cada um?
Snowden: Sim, o Glenn
já disse que estavam todos organizados, em pastas, etiquetados.
Fantástico: Ainda tem mais revelações sobre o Brasil?
Glenn Greenwald: Com certeza,
tem mais documentos que vão mostrar a brasileiros e ao mundo o que os Estados
Unidos estão fazendo dentro do Brasil e também da Inglaterra e outros países
também.
Snowden diz que durante todo esse ano
evitou dar entrevistas porque não queria tirar a atenção dos documentos. Mas,
agora, com todas as revelações que foram feitas, se sente seguro para discutir
seus sentimentos.
As lembranças mais duras são dos 40 dias
que ele passou na área de trânsito do aeroporto de Moscou. A escala virou uma
armadilha quando o passaporte dele foi cancelado.
Snowden: Eu nunca
escolhi vir para a Rússia. Eu estava a caminho da América do Sul.
Fantástico: Onde na América do Sul?
Snowden: Equador. Mas
os Estados Unidos cancelaram meu passaporte, e eu não pude mais viajar. Fizeram
de propósito para poder dizer: ‘Ele é espião russo’.
Fantástico: E como foi ficar preso no aeroporto por
tanto tempo?
Snowden: Foi muito
tenso. Você não sabe o que vai acontecer naquele dia. O que vai acontecer
enquanto você dorme. Se alguém vai bater na porta. Se alguém vai derrubar a
porta.
Fantástico: Você se arrepende?
Snowden: Sabe... Acho
que não... Eu sentia que devia tornar isso público, com responsabilidade. E a
maneira de impedir que a minha opinião prevalecesse, foi fazendo parceria com
jornalistas competentes, e instituições sérias, que confio, que iriam checar as
informações, equilibrar a cobertura. Como
"The Guardian", "Washington Post", "New York
Times", a “Globo” e "Der Spiegel". Deixei a
imprensa livre fazer o que faz melhor: ajudar os cidadãos a se tornarem
eleitores informados, que pensam em que tipo de sociedade querem viver.
Para Snowden, esse debate é a essência
da liberdade: “Não é sobre privacidade. É liberdade. O equilíbrio entre os
direitos individuais e o direito que o governo tem de coletar informações. Se
vigiarmos cada homem, mulher e criança, da hora em que nascem até a hora que
morrerem, podemos dizer que eles são livres? Isso é muito perigoso. Porque
mudamos nosso comportamento se sabemos que estamos sendo vigiados. É uma ameaça
à democracia”.
Ele também nega que os chineses tenham
copiado tudo antes de ele deixar Hong Kong: “Isso é uma maluquice. Eu sou
especialista em cibersegurança. Ensinava aos agentes da CIA e da NSA como se
proteger exatamente desse tipo de coisa”.
Há dez meses ele vive na Rússia. Nunca
foi sequer fotografado.
Fantástico: Você pode sair para rua?
Snowden: Claro. Por que
não?
Fantástico: Você não é recluso?
Snowden: Não. Quer
dizer, sou naturalmente recluso, cria da internet, né?
Fantástico: Os russos te vigiam?
Snowden: Bom, tenho
certeza de que fazem algum tipo de vigilância, mas eu não vejo nada. Eu não
posso, por segurança, dizer onde moro, como vivo. Mas eu diria que levo uma
vida surpreendentemente aberta.
Fantástico: Você não é reconhecido nas ruas?
Snowden: Eles me
reconhecem quando vou a lojas de computadores. Mas comprando comida, na banca
de revistas, ninguém me reconhece.
Fantástico: Você se disfarça, ou sai com essa cara de
Edward Snowden?
Snowden: Melhor eu não
responder essa.
Fantástico: Do que você mais sente falta?
Snowden: Da minha
família, claro.
O governo americano diz que a luta
contra o terrorismo ficou mais difícil por causa desses vazamentos.
Fantástico: Alguns
congressistas dizem que você é um traidor, um desertor.
Snowden: Você não pode
ser traidor a menos que a sua lealdade tenha sido transferida para um inimigo
do Estado. E a minha lealdade nunca mudou. Mesmo hoje, eu continuo trabalhando
para o governo americano. Não quero derrubar o governo e nem destruir a NSA.
Quero que sejam melhores.
Fantástico: Você enfrentaria um julgamento nos Estados
Unidos?
Snowden: Eu adoraria.
Mas não há um julgamento justo esperando por mim.
Snowden é acusado de traição pelo ato de
espionagem, uma lei feita em tempos de guerra, que prevê julgamento sem defesa
pública. Outra acusação é de que ele atrapalhou a relação americana com países
amigos, vazando documentos com revelações, como as feitas com exclusividade
pelo Fantástico, comprovando que os americanos e seus aliados, Inglaterra,
Canadá, Austrália, Nova Zelândia, grampearam os telefones da presidente Dilma e
de seus assessores mais próximos. Espionaram também a Petrobras e o Ministério
das Minas e Energia.
Fantástico: Você acompanhou essas reportagens daqui?
Snowden: Sim. E não há
justificativa para espionar a Petrobras. Por que o presidente americano quer
ler os e-mails da Dilma Rousseff? Obama disse que não sabia. Pode ser verdade.
Ele concordou comigo que não há benefício nenhum, nenhuma vida foi salva. E por
isso determinou que parassem.
Snowden
disse que ouviu o discurso da presidente Dilma na ONU, criticando a espionagem
americana, e achou inspirador: “Foi incrível porque ela foi a primeira
presidente que tomou a liderança para dizer ‘Temos o direito de falar, de nos
comunicarmos sem sermos espionados’. E esses não são direitos de um país. São direitos
humanos.
A
repórter Sônia Bridi lembra a ele que o Congresso americano já o acusou de
oferecer documentos para o Brasil em troca de asilo.
Fantástico: Essa oferta está na mesa?
Snowden: Absolutamente
não. Primeiro, eu não tenho documentos a oferecer. Eu nunca cooperaria com um
governo em troca de asilo. Asilo deve ser dado por razões humanitárias.
Fantástico: O que vai acontecer quando seu asilo
temporário aqui vencer?
Snowden: Essa pergunta
é difícil. Eu não tenho resposta. Meu asilo vence aqui no começo de agosto. E
se o Brasil me oferecer asilo, eu ficarei feliz em aceitar.
Fantástico: Você gostaria de viver no Brasil?
Snowden: Eu adoraria
morar no Brasil. De fato, eu já pedi asilo ao governo brasileiro.
Fantástico: Então você mandou um pedido?
Snowden: Sim. Quando eu
estava no aeroporto, mandei um pedido a vários países. O Brasil foi um deles.
Foi um pedido formal.
O
governo brasileiro, na época, disse que não recebeu pedido algum. “Isso para
mim é novidade. Talvez seja algum procedimento que eles achem que não foi
seguido”, afirma.
Snowden
diz que vive um dia de cada vez.
Fantástico: Você está feliz?
Snowden: Eu sou. É
difícil ficar separado da família, não poder ir para casa, participar do
governo e da sociedade. Mas toda noite vou dormir confiante de que fiz as
escolhas certas. Por isso, a cada manhã, eu acordo satisfeito.