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Risos e lágrimas, na pátria de chuteiras
Posted by Cottidianos
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00:18
Terça-feira,
10 de junho
A
seleção alemã está se divertindo aqui no Brasil e foi protagonista de um belo
momento, hoje, no treino aberto em Santo André, na Bahia. Era aniversário do
ponta de lança alemão, Miroslav Klose — Klose fez 36 anos — e os craques
alemães treinavam tranquilamente, quando foram surpreendidos por cerca de vinte
índios da tribo dos Pataxós. Os nativos chegaram com quase tudo a que tinham
direito: colar de penas e arcos, saias de tiras de vegetais, pinturas no corpo
e muita alegria. Disse quase tudo a que tinham direito, pois a polícia
confiscou as flechas do arco dos índios. Uma bobagem, pois os índios queriam
apenas fazer festa com os alemães, como de fato fizeram. Reuniram-se em torno
dos alemães e cantaram e dançaram em alegre comemoração e desejo de boas vindas
aos germânicos. Cantaram Parabéns pra você, na língua dos pataxós,
para Miroslav. Os atletas alemães, no início, estavam um pouco tímidos, mas
depois também caíram na folia com os índios. Duas raças em paz, como deveriam
estar em paz todas as raças e todos os credos. Aliás, todas as seleções têm
sido muito bem recebidas pelos brasileiros e eu sabia que não iria ser
diferente.
Gostaria
de falar apenas do aspecto festivo, mas isso seria uma forma de maquiar uma
realidade, e o meu objetivo é escrever e não maquiar. Até porque a maquiagem, à
princípio se aplica, principalmente, a três categorias; as mulheres para tornaram-se
mais belas, aos palhaços para tornarem-se ridículos e aos atores para
tornarem-se falsos. Não digo falsos em sua essência em sua práxis. Não sei se
me explico.
Falo
agora, de duas notícias que me provocaram. Uma delas é a do caso do jornalista dinamarquês
que desistiu de cobrir a Copa. A seguir, um depoimento dele, publicado pelo
jornal Tribuna do Ceará.
A
Copa – uma grande ilusão preparada para os gringos
Quase dois anos e meio atrás eu estava
sonhando em cobrir a Copa do Mundo no Brasil. O melhor esporte do mundo em um
país maravilhoso. Eu fiz um plano e fui estudar no Brasil, aprendi português e
estava preparado para voltar.
Voltei em setembro de 2013. O sonho
seria cumprido. Mas hoje, dois meses antes da festa da Copa, eu decidi que não
vou continuar aqui. O sonho se transformou em um pesadelo.
Durante cinco meses fiquei documentando
as consequências da Copa. Existem várias: remoções, forças armadas e PMs nas
comunidades, corrupção, projetos sociais fechando. Eu descobri que todos os
projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma
parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar.
Em março, eu estive em Fortaleza para
conhecer a cidade mais violenta a receber um jogo de Copa do Mundo até hoje.
Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da rua, e
fiquei sabendo que algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando
estão dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar a
cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim?
Em Fortaleza eu encontrei com Allison,
13 anos, que vive nas ruas da cidade. Um cara com uma vida muito difícil. Ele
não tinha nada – só um pacote de amendoins. Quando nos encontramos ele me
ofereceu tudo o que tinha, ou seja, os amendoins. Esse cara, que não tem nada,
ofereceu a única coisa de valor que tinha para um gringo que carregava
equipamentos de filmagem no valor de R$ 10.000 e um Master Card no bolso.
Inacreditável.
Mas a vida dele está em perigo por causa
de pessoas como eu. Ele corre o risco de se tornar a próxima vítima da limpeza
que acontece na cidade de Fortaleza.
Eu não posso cobrir esse evento depois
de saber que o preço da Copa não só é o mais alto da história em reais – também
é um preço que eu estou convencido incluindo vidas das crianças.
Hoje, vou voltar para Dinamarca e não
voltarei para o Brasil. Minha presença só está contribuindo para um
desagradável show do Brasil. Um show, que eu dois anos e meio atrás estava
sonhando em participar, mas hoje eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance
para criticar e focar no preço real da Copa do Mundo do Brasil.
Alguém quer dois ingressos para França x
Equador no dia 25 de junho?
Mikkel Jensen – Jornalista independente
da Dinamarca
O Tribuna do Ceará entrou em contato com
a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para comentar acerca
da possível "matança" comentada pelo jornalista dinamarquês, mas até
a publicação desta matéria não foi enviada a resposta.
(*) A pedido de Mikkel, este artigo foi
publicado com o jornalista já na Dinamarca.
Em
meio a toda essa empolgação com a Copa do Mundo do qual foi tomada a mídia
brasileira, essa notícia, publicada originalmente no jornal Tribuna do Ceará,
da cidade de Fortaleza, e uma reportagem/denúncia exibida no domingo, pelo Fantástico,
me provocaram de uma forma que eu não esperava.
Vamos
aos fatos. Mikkel Jense, jornalista dinamarquês, tinha um sonho: fazer a cobertura
da Copa do Mundo no Brasil, nação considerada o país do futebol. Não ficou
apenas no sonho. Para realizar um bom trabalho, fez tudo como manda o figurino.
Preparou-se, estudou o português, fez pesquisas sobre os hábitos do povo
brasileiro e sobre a cultura do país. Fez as malas e, em setembro do ano
passado, chegou ao Brasil. seu objetivo era colher o máximo de informações que
pudesse a fim de enriquecer o seu trabalho como jornalista. Queria mostrar as
duas faces de um mesmo país.
Em
março, passou a viver na cidade de Fortaleza, uma das cidades-sede do Mundial. E
foi aí que viu seu sonho se desvanecer. Ficou face a face com a corrupção, com
as coisas feitas pela metade e, principalmente, descobriu que todas as
melhorias e benefícios que estavam sendo feitas na cidade, não visavam apenas
ao bem-estar da população local, mas o foco principal dessas ações era
impressionar os estrangeiros, “os gringos”, e também a imprensa internacional.
O
jornalista dinamarquês foi a campo. Conversou com crianças de ruas e de projetos
sociais e, no contato com elas, descobriu que elas eram removidas das ruas para
que a cidade pudesse ficar mais “limpa”. Para que quando os turistas
desfilassem pela cidade, não pudessem ficar frente a frente com a miséria. Em seu
depoimento fez acusações sérias: a de que muitas dessas crianças desapareciam
sem que se tivesse notícias delas, e de que algumas eram mortas à noite,
enquanto dormiam em áreas de grande movimento turístico. Jense — que nasceu em Aarhos,
a cidade mais feliz do mundo, segundo o ranking do World Happiness Report (ou
Relatório Mundial de Felicidade), uma pesquisa realizada anualmente pela Rede
de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas — não aguentou
tamanhas disparidades, fez as malas e voou novamente para a Dinamarca.
Na
verdade, Jense se chocou com a “limpeza social”, que certamente, não foi feita
apenas em Fortaleza, mas em outras cidades sedes, como por exemplo, Salvador. O
presidente de uma ONG que distribui comida durante as madrugadas aos moradores
de rua de Salvador, denunciou ao site Varela Notícias, daquela cidade, que
vários mendigos desapareceram de forma misteriosa, desde agosto de 2013. De acordo
com ele, funcionários da prefeitura, juntamente com policiais armados,
abordavam os moradores de rua e os retiravam do local. Uma Kombi recolhia os
poucos pertences desses mendigos, enquanto um carro-pipa jogava água com sabão
nos lugares onde eles estavam, impedindo dessa forma que eles voltassem para o
mesmo lugar. Os mendigos eram então levados para municípios vizinhos a
Salvador, bem longe da vista dos turistas. É algo como “jogar a sujeira para
debaixo do tapete”. Uma “limpeza social” que em nada resolve a situação dos excluídos
do sistema.
Outra
notícia que me provocou foi uma reportagem/denúncia exibida pelo Fantástico
deste domingo (08), que vem a explicar a situação de miséria em que se
encontram esses moradores de rua, que explica também os horrores na área da
saúde, que explica a péssima situação da área da educação, e que explica também
porque trabalhamos cinco meses do ano para o governo, apenas para pagar as
altas taxas de impostos que nos é cobrada, e que não vemos o retorno devido e o
emprego digno desse nosso dinheiro.
O
juiz de direito, Marlon Reis, acaba de lançar o livro “O nobre deputado”, no
qual cria a figura do político corrupto, “Cândido Peçanha”. Para criar esse
personagem, o juiz ouviu mais de 100 historias reais de personagens do mundo da
política. A partir desses relatos citados no livro, os repórteres do Fantástico
conversaram com políticos e assessores de políticos, sem que seus rostos fossem
mostrados. Eles revelam o “bê-a-bá” (a cartilha) da corrupção. Tudo começa na campanha eleitoral. Por
exemplo, para se reeleger um deputado não gasta menos que R$ 5 milhões. Para pagar
essa conta é preciso comprar apoio político. Essa é a base dos gastos de
campanha. As empresas “doam” dinheiro para os candidatos — o verbo doar está
entre aspas, pois se trata mais de um empréstimo do que de uma doação. São os
agiotas do submundo político. E todo mundo sabe, ou já ouviu falar de quão impiedosos
são os agiotas. Eles emprestam, porém os juros que cobram são altíssimos. Depois
de eleito, o político que fez o pacto com o “diabo”, tem que pagar a conta. E de
onde saí esse dinheiro? Do bolso dele? Nada disso, saí do bolso do contribuinte.
Para um dos assessores entrevistados, a vítima preferida é o dinheiro destinado
à educação. O candidato eleito saca esse dinheiro e paga ao agiota. Quando o repórter
do programa questiona sobre a comprovação do que foi gasto e onde foi gasto,
acontece o preocupante diálogo:
Fantástico: Mas não teria que sacar e comprovar onde
gastou?
Assessor: Para quem?
Fantástico: Para a Câmara dos Vereadores.
Assessor: Como assim, se
os vereadores são cúmplices?
Fantástico: Ou, se for o governador, para a Assembleia
Legislativa.
Assessor: Que também é
cúmplice.
Fantástico: Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.
Assessor: Que também é
cúmplice.
Fantástico: O senhor quer dizer que todos são
envolvidos?
Assessor: Cúmplices.
Todos são. É uma máfia.
Portanto,
trata-se de um circulo vicioso e os políticos desonestos acabam prejudicando o
país de forma perversa. Acho que os governos deveriam, ao invés de fazer uma
limpeza social, fazer uma limpeza política, eliminando de nosso meio os maus
políticos. Aliás, esse tipo de limpeza é uma coisa que nós eleitores deveríamos
fazer através do voto. Mas, infelizmente, grande parte dos eleitores é massa de
manobra. Veja o que diz um ex-deputado, um dos entrevistados na matéria: “Não
precisa fazer muita coisa para ter o voto porque a população não tem força nem segurança
para contestar nada”.
Claro
que há os políticos honestos. Não vamos também cometer a injustiça de
generalizar. Como diz Cristo no Sermão da Montanha: “Pelos frutos se conhece a
árvore”. Nós eleitores, temos que prestar bastante atenção e rejeitarmos os
frutos ruins e cultivarmos os frutos bons.
È isso
aí, comecei falando de Copa do Mundo e terminei falando da questão política,
que por sua vez se reflete na questão social e econômica, que por sua vez são
as raízes das insatisfações, que por sua vez geram as manifestações, e assim
por diante.
O fato
é que devemos apreciar um bom futebol, mas sem tirar os olhos da realidade... E
nem deixar que ponham em nossas faces uma maquiagem de palhaço, nem muito
menos que nos façam de ridículos.
Na
quinta-feira tem uma bela festa de abertura da Copa do Mundo e a estreia dos
jogos nos gramados, com o duelo entre Brasil x Croácia. Vamos vestir a camisa
verde e amarela, estourar a pipoca e tudo o mais a que temos direito. Afinal, é
momento para se festejar.
É
uma pena que Mikkel Jense, o jornalista dinamarquês não tenha ficado para ver o
restante da festa. Com certeza iríamos agradecê-lo pelas relevantes reportagens
reveladoras da nossa melhor e de nossa pior face.
Diferentemente
do dinamarquês, esse humilde blogueiro não pode fugir da batalha. Aqui é o meu
país e tenho que enfrentar, junto com meus irmãos brasileiros, esses duros
golpes na face, desferidos pelos maus políticos. E, principalmente, acreditar
que o sonho de vencermos o jogo fora dos estádios e deixarmos de ser apenas o “país
do futebol”, um dia se tornará realidade. Aí sim, poderemos levantar, todos juntos,
a taça da vitória e gritarmos em uma só voz: SOMOS CAMPEÕES!
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