0
Vai, Miele, leva teu brilho aos espaços etéreos
Posted by Cottidianos
on
23:17
Quarta-feira, 14
de outubro
Há
pessoas que passam pela vida tão iluminadas como iluminadas passam pelos céus as
estrelas cadentes. E essa iluminação estava no sorriso, no modo afável de
tratar os amigos, no ardor com que se entregava ao trabalho, e principalmente,
na forma intensa como vivem suas vidas. Miele, Luiz Carlos Miele foi uma dessas
pessoas que tanto enriquecimento trouxe ao meio artístico brasileiro. Quem foi
Miele, o que ele fez? Ele fez de tudo, foi produtor, ator, diretor, iluminador,
louco, inspirado, amigo, showbusiness.
Miele
se foi desta vida como desaparecem as estrelas cadentes na poeira astral:
subitamente. o homem de muitas ideias na cabeça, muito sorriso na face, e muito
brilho no olhar partiu para a eternidade na manhã desta quarta-feira, aos 77
anos, de morte súbita, na paz de sua residência, no Rio de
Janeiro.
Não
podia passar o dia de hoje, sem fazer minha homenagem a esse grande artista.
Abaixo,
compartilho texto publicado no blog do Matias, na página do Uol Entretenimento.
***
A
sabedoria de Luiz Carlos Miele
A
morte de Miele não diz respeito apenas ao fim de uma era do showbusiness
brasileiro. Contemporâneo da bossa nova, ele viu nascer uma nova forma de fazer
entretenimento no Brasil que não precisava apelar para o popular e para
vulgaridade. Tanto que seu único arrependimento, como revelou há três anos em
entrevista ao UOL, foi ter feito o raso Cocktail, programa do SBT da última
década do século passado que era esperado por uma geração de adolescentes pelo
simples fatos que gatinhas colocavam os peitos para fora.
Naqueles
tempos pré-Pornhub, a nudez ainda era um delito romântico, a objetificação das
mulheres não estava em pauta e Miele no fundo sabia que estava apelando. Sua
ideia original era fazer o que Hugh Hefner havia proposto quando criou a
Playboy – misturar belas mulheres a uma cultura de refinamento – e apresentar
Millôr Fernandes para a massa televisiva, mas o pragmatismo brega de Sílvio
Santos destroçou seu conceito, como revelou naquela entrevista:
“Quando
o Silvio Santos me chamou para fazer aquilo, eu pensei em usar a desculpa da
nudez para levar para a TV o que a Playboy fazia. Ou seja, a Playboy até hoje,
se você for ler, tem a primeira seção da mulher nua, a outra seção que é jazz e
popular, depois outra seção com mulher nua, depois outra com o melhor do
cinema… Pensei: 'vou levar isso para a TV'. E gravei o primeiro programa assim,
discutindo com o diretor. Deixa eu colocar aqui uma frase do Millôr Fernandes?
E ele levou a gravação para o Silvio Santos, que me chamou e falou assim: 'você
não entende nada de SBT. Isso aqui é um programa assim, assim, assim para
atingir o público das onze horas da noite e se você quiser fazer é assim'. E eu
fiz. Mas não que eu tenha gostado.''
Neste
século, Miele era mais conhecido como ator, embora apenas interpretasse versões
distorcidas de sua própria personalidade (contudo há quem defenda que isso é
atuar). Fez séries, filmes e musicais sempre espelhando o personagem que criou
para si mesmo – um bonachão alto astral que mistura anfitrião com mestre de
cerimônias, bon vivant com a alma da festa. Trabalhava na ribalta e nos
bastidores, cantava, atuava, produzia e celebrava como se não houvesse
diferença entre essas atividades. Antecipou o dia-a-dia deste século, em que
não há fronteiras entre público e privado, entre gêneros musicais, entre mídias
e formatos. Sempre satélite de movimentos culturais inteiros, ele não se
contentava em ser coadjuvante de cenas alheias e era o centro do próprio
sistema solar. Um show de um homem só, que conviveu com Roberto Carlos, Elis Regina,
Dorival Caymmi, Liza Minelli, Vinicius de Moraes, Gene Kelly e Ronaldo Bôscoli.
Uma
estrela que emitia boas vibrações para onde quer que fosse, que se apaga nos
fazendo justamente questionar a ausência desse talento em nossos tempos. As
redes sociais e a avalanche de informações a que somos submetidos hoje nos
transformou em uma massa de reclamões, entrando em brigas inúteis movidas
apenas por vaidade, que nos cegam às boas notícias deste século. Estamos
vivendo as transformações culturais mais importantes desde a revolução
industrial e ficamos batendo boca uns com os outros como torcedores fanáticos
de torcidas organizadas. Como dizia “Ac-Cent-Tchu-Ate the Positive'', velha
canção eternizada por Bing Crosby e regravada por Aretha Franklin e Paul McCartney,
e que é a cara do velho showman: “Você tem de acentuar o positivo/ Eliminar o
negativo/ Agarre-se ao afirmativo / E não brinque o senhor do meio''.
Postar um comentário