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Pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou
Posted by Cottidianos
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00:13
Quinta-feira,
22 de outubro
“Ei dor...eu não te escuto mais,
Você,
não me leva a nada.
Ei
medo...eu não te escuto mais,
Você,
não me leva a nada.
E
se quiser saber pra onde eu vou,
Pra
onde tenha sol, é pra lá que eu vou
E
se quiser saber pra onde eu vou,
Pra
onde tenha sol, é pra lá que eu vou”
(O Sol - Antônio Júlio Nastácio)
Há
algumas frases, obvias, mas que expressam a pura realidade, pode-se dizê-las de
outras maneiras, mas elas continuarão encerrando em si mesmas, sua essência. Uma
destas frases é esta: “As crianças são o futuro”, dizendo de modo mais poético:
“As crianças são a semente do amanhã”. Em
qualquer cidade, país ou continente, essa frase terá sempre o mesmo efeito, o
mesmo sentimento. Isto prova que o mundo é uma unidade na diversidade.
Mas
para que a criança seja realmente a luz do futuro, é preciso que haja alguma
fonte de combustível ou de eletricidade que acenda essa luz. Para que ela seja
semente do amanhã, é preciso que haja um solo fértil que as sustente e lhes dê condições
de um desenvolvimento saudável. Para que as crianças sejam futuro, é preciso,
essencialmente, que a elas seja permitido viver o presente.
É com
certa melancolia que faço estas reflexões, pois, sabemos todos que há crianças a
quem lhes é negado; uma fonte de luz, um solo fértil, e um tempo presente para
viver. Mesmo no Brasil, há centenas delas. Em nosso caso, o direito primordial,
fundamental, que é o direito à vida, é roubado à infância através da prática de
um crime que até pouco tempo era tolerado pelas autoridades, a cujas práticas
viciosas e criminosas eram feitas vista grossa por parte de quem devia
combatê-la. Falo da corrupção desenfreada, que faz mais vítimas, e é mais
perversa do qualquer outro tipo de crime. No momento em que vos escrevo, há, em
nosso país, crianças com fome, crianças sem lar, crianças sem amor.
Esses
fatos não nos chocam, pois estão sendo vividos em um cenário silencioso,
obscuro, distante de nosso olhar. É como diz o sábio dito popular: “o que os
olhos não veem o coração não sente”, então nosso coração, porque não vê, fica,
aparentemente, tranquilo. Às vezes, é necessário que a verdade seja jogada em
nossa cara, de uma forma gritante, quase ofensiva. Por exemplo, no início de
setembro, o mar veio depositar na beira de uma praia turca, o pequeno e frágil corpo
de uma criança refugiada síria. A foto e o fato chocaram o mundo. Porém,
quantos corpos o mar já não veio depositar na beiras de praias longínquas e que
não chegaram a ser fato midiático? Certamente, centenas delas, mas como os
nossos olhos não veem...
Se,
no Brasil, o amanhã das crianças é roubado pela situação econômica e
financeira, e pela rapina dos cofres públicos, feita descaradamente, por
políticos e empresários sem compromisso com a vida, com a ética, e com a
sociedade, em outros países, o direito de existir, o direito que é inato a cada
criança, em qualquer lugar do planeta, que é o direito a alegria, é negado a
elas pela guerra, pela intolerância racial e religiosa, e pelo fundamentalismo.
Como é o caso de países do Oriente Médio e África. E as famílias dessas crianças,
o que querem? Querem liberdade. Querem ver seus filhos crescendo livres e
felizes. Querem que elas tenham direito a saúde, educação, alegria. Não encontrando
isso em suas terras de origem, saem feitos peregrinos pelo deserto da vida. Batendo
de porta em porta, na esperança de que alguém os acolha, a espera de uma mão
amiga que lhes de um pedaço de pão, e um chão seguro, aonde possam assentar os
pés.
Essa
peregrinação, em sua maioria das vezes, é feita por terrenos e lugares
inóspitos e perigosos, tais como os mares bravios, o seco deserto, e beirando a
linha dos trens. E o que trazem nas mãos esses peregrinos? Nada. Estão eles
caminhando, sem parar, sem destino certo, desprovidos de todas as benesses
materiais. Apesar de toda essa carência, eles carregam um tesouro em seus
alforjes: a esperança. Esse, talvez, seja o único tesouro ao qual lhes é
permitido carregar consigo.
E quando
essas crianças e suas famílias encontram um solo seguro, e braços que os
acolham... Ah, quanta alegria brota de seus corações! É como se estivessem
vendo miragem no deserto.
Estes
pensamentos me vieram à mente, ao assistir uma reportagem no Jornal Nacional,
em sua edição de sábado, 17. A reportagem mostrava crianças refugiadas, sírias
e africanas, sendo recebidas à bala, em São Paulo. Trato, rapidamente, de me
explicar antes que o leitor, diante da dubialidade de nossa língua portuguesa,
forme em sua mente, imagens completamente adversas daquilo que quero expressar.
As
crianças foram recebidas com balas de açúcar e mel. Se, destas todos nós,
adultos, gostamos, imaginem então as crianças. Dezenas de famílias de
refugiados foram recebidas com festa, no sábado, dia 17, em São Paulo. Ah, e
quão felizes estavam aquelas crianças. Certamente, em seus torrões natais, a
única explosão que ouviam era a explosão das bombas destruindo suas casas e
suas escolas. Ali, naquele salão de festas, a única explosão que elas
experimentavam, era a explosão da alegria, do riso e da brincadeira. Se lá eles abraçavam e eram abraçados apenas por seus familiares, ali eram
abraçados por todos, como irmãos na grande família humana que somos todos nós.
Se
no Congo, Síria, Jordânia, Iêmen, Palestina, Angola, e Sudão, ser criança, em toda
a sua mais absoluta intensidade e beleza, não era possível, eles logo
descobriam um sol a brilhar reluzente no horizonte, logo após uma noite de
tempestade. Se nos países do qual vieram não lhes era possível ser sujeito da
própria história, eles logo descobriam que aqui podem ser personagens
principais dos romances de suas próprias vidas. E como autores de suas próprias
vidas, esse grupo de 64 crianças refugiadas subiu ao palco e cantou uma música
brasileira, que haviam ensaiado por três meses, chamada, O Sol, do compositor,
Antonio Júlio Nastácio, e deliciosamente interpretada por Jota Quest. O coro
afinado das vozes refugiadas bem que poderia se chamar, Coral da Liberdade.
Esse
foi um final feliz para aquele grupo de crianças que São Paulo recebeu com
carinho. Mas nem todos os finais para essas crianças são finais felizes. Daí eu
fico pensando: Quão belo e humano seria o mundo se o sol pudesse brilhar para
todos. Dessa forma, o sol estaria em todos os lugares e ninguém precisaria
correr a procura dele.
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