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Um raio do sol da liberdade no meio da floresta
Posted by Cottidianos
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Sábado,
22 de novembro
“Aprendemos a
voar como os pássaros, a nadar como os peixes;
mas não
aprendemos a simples arte de vivermos junto como irmãos”.
(Martin Luther
King)
O
texto abaixo não é inédito. Já o havia publicado há um ano, por ocasião do Dia
da Consciência Negra. No geral, devo dizer que não fiz grandes alterações,
apenas dividi-o em capítulos e reescrevi um ou outro parágrafo, além desta
introdução.
Em
formato de conto, faço um tributo a Zumbi — símbolo de resistência negra
durante o período da escravidão no Brasil, e último líder do maior quilombo de
toda a América, durante o período colonial: o quilombo de Palmares. O texto
mistura elementos ficcionais com fatos reais para contar a história do líder
negro à época do Brasil colônia.
O
conto é dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo faça uma narrativa
inteiramente ficcional, livre, sem base em dados históricos, apenas com o
objetivo de levar Zumbi até o seu campo de batalha: O quilombo — que eram
comunidades de negros fugidos das fazendas e que se embrenhavam no meio da
floresta. Lá, eles viviam livres dos chicotes, das chibatas e da crueldade de
muitos senhores de engenho. Nos demais capítulos, ainda usando narrativa
literária, apresento os fatos históricos, personagens, datas, estrutura dos
quilombos e a luta do povo que habitava essas comunidades.
No
mais, desejo boa leitura, ou releitura do texto.
***
Um
raio do sol da liberdade no meio da floresta
I — A Fuga
Agachou-se
à beira do pequeno riacho de águas cristalinas que cortava a densa floresta.
Olhou sua imagem de adolescente refletida nas águas. Estava num transição entre
menino e homem. As águas do riacho não lhe diziam que era um escravo, ao
contrário, diziam-lhe que era um rei. Um rei negro. Fechou a mão em forma de
concha e, com elas, trouxe o líquido precioso aos lábios, sorvendo com prazer.
Levantou a cabeça e olhou ao redor de si. O sol atravessava a copada das
árvores, criando um fascinante jogo de luzes e sombras. Sentia-se num ambiente
da rara magia e de mais absoluta liberdade.
Há
quanto tempo caminhava no meio da mata em direção ao alto da serra? Não sabia
ao certo. Em sua mente vieram as imagens do primeiro dia de fuga. Os cães
ferozes e os capitães-do-mato estavam ao seu encalço. Correra muito, o mais que
pudera. Seu coração quase saltava do peito de tão forte que batia. Os homens o
caçavam como se caça um bicho no meio do mato. Sabia que a ordem era atirar
para matar. Havia tido notícias de muitos escravos que foram mortos naquelas circunstâncias.
Os que conseguiam ser recapturados com vida sofriam castigos terríveis.
Ouvira
de longe o latido dos cães se aproximando cada vez mais. Mas não o pegariam,
nunca. Havia trazido um óleo feito com plantas nativas que quando em contato
com a pele confundia o faro dos cães. Era um segredo que um antigo escravo lhe
ensinara e pelo qual ele seria grato pelo resto da vida. Sacou do bornal o óleo
e, rapidamente, passou no corpo inteiro. Viu, mais adiante, uma pedra que mais
parecia um túmulo. Correu rapidamente até ela e, com grande dificuldade, seu
corpo esguio conseguiu colocar-se debaixo dela. Ficou ali como se fosse um
morto.
O
trote dos cavalos se fez mais forte e o latido dos cães mais agressivos.
Pararam perto da pedra onde ele estava escondido. Ficou paralisado de pavor. O
sangue frio lhe escorreu pelo corpo. Felizmente, a receita ensinada pelo velho
africano era boa demais. Os animais não conseguiram perceber sua presença e
levaram os homens para longe de onde ele estava. Por precaução resolveu ficar
ali até que caísse à noite. Quando o manto da noite caiu por sobre aquelas
paragens, saiu do abrigo e prosseguiu a fuga em segurança.
O
lugar onde estava agora era quase inacessível. Era cercado por densa mata.
Analisou o ambiente de forma mais detalhada e percebeu, próximo dali, uma
jabuticabeira. Levantou-se da beira do riacho, foi até lá e colheu algumas
apetitosas jabuticabas, colocou-as no chapéu e foi saboreá-las sentando à
sombra de um frondoso jequitibá. Em seguida, deitou-se ali mesmo, apoiando a
cabeça numa enorme raiz que lhe serviu de travesseiro. Ali, adormeceu
tranquilamente.
II — A luta de zumbi
Esse fugitivo carregava o nome de Zumbi e
trazia em si a marca da realeza africana, da beleza e da força da gente daquela
terra distante. Em seu coração pulsava um forte anseio de liberdade. Nascera em
Palmares, no ano de 1655. Certo dia, a comunidade quilombola, na qual viviam
seus pais, foi invadida pelas tropas coloniais e ele, Zumbi, ainda
recém-nascido fora capturado e levado para a distante Vila de Porto Calvo. Na
vila, foi batizado com o nome de Francisco. Por força do destino, passou a
trabalhar para o padre daquela comunidade. O padre Antônio de Mello era um
generoso patrão e uma ótima pessoa. Com ele, aprendeu o latim e o português e também
matemática.
Mesmo
recebendo um ótimo tratamento na casa do velho sacerdote, doía-lhe no peito a
opressão a que eram submetidos os seus irmãos negros. Ele já era quase
adolescente, porém, já sentia que não era natural que uns homens fossem donos
de outros. Os homens, todos os homens, haviam nascido para a liberdade e não
para as algemas do cativeiro. Fatores como a cor da pele, a condição social,
não tornavam uns melhores que outros, mas apenas iguais, pensava o jovem. Padre
Antônio havia-lhe revelado que ele fora capturado, ainda recém-nascido, no
Quilombo de Palmares. Isso multiplicou seus anseios de fuga do opressor. Em
algum lugar daquelas serras, brilhava o sol da liberdade e, nesse sol, ele
queria se banhar. Era por isso que não se sentia em fuga. O sentimento era de
quem voltava para casa.
Acordou
duas horas depois, sentindo-se completamente revigorado. Caminhou por mais um
dia e, enfim, chegou à terra prometida: a Serra da Barriga. Olhou de lá cima o
vale aos seus pés. O intenso verde das matas e a beleza do céu azul,
harmonizavam-se de forma tão perfeita que nem Leonardo Da Vinci, com toda a sua
genialidade, conseguiria pintar um quadro tão esplendoroso.
O
lugar era de tão difícil acesso que, para chegar até ali, as tropas do governo colonial
teriam que empreender uma árdua tarefa e, só a muito custo, conseguiriam
alcançar seus objetivos. Mesmo quando conseguia chegar ao local, as tropas
estavam tão cansadas, que suas incursões, invariavelmente, acabariam em
fracassos militares. A floresta era uma poderosa aliada dos palmaristas e
grande inimiga das tropas.
Zumbi,
no alto de seus quinze anos e no frescor de sua juventude, conseguira,
finalmente, realizar seu sonho: chegar a Palmares – A maior comunidade de
resistência negra em toda a América. Uma comunidade quilombola que nasceu no
final do século XVI e resistiu até o século XVIII. Foram 100 anos de luta e
resistência. O quilombo de Palmares, ou Mocambo de Palmares, como preferem
chamar alguns historiadores, possuía, pelo menos, dois ângulos possíveis de
análise: para os escravos representava o sonho da liberdade. Para as
autoridades, uma ameaça ao sistema escravista.
O
jovem guerreiro foi recebido na comunidade com efusiva alegria pelos outros
quilombolas que ali já se encontravam. Mais tarde, já bem alimentado,
descansado e refeito da viagem, saiu com outros quilombolas para conhecer
melhor a região. Descobriu que o Mocambo não era apenas um aglomerado de
pessoas, mas sim, que eram formadas de várias comunidades bem estruturadas e
organizadas que se interligavam e se intercomunicavam.
A
terra, entrecortada por diversos rios, mostrava-se bastante fértil e propícias
as atividades agrícolas. Os quilombolas caçavam e pescavam e tudo era de todos.
Faziam daquele ambiente hostil um grande aliado. Para adquirir produtos que a
comunidade não dispunha, como por exemplo, o sal, os palmaristas saqueavam
fazendas e comércios das vilas mais próximas.
O
que, realmente, assustou a coroa portuguesa, foi a consciência de que dentre
aquelas serras, um mundo de liberdade possível estava sendo criado, totalmente
diferente do escravismo. Os Palmaristas estavam criando um novo tipo de sociedade.
A economia era de base agrícola. Mandioca e milho eram os produtos principais,
porém, havia também o cultivo de batata, legumes e outros produtos. A floresta
também lhes proporcionava uma economia extrativa baseada nos produtos que eram
retirados dela como, por exemplo, frutos silvestres, ervas e raízes. Eram muito
hábeis no manejo do ferro e produziam seus próprios instrumentos de trabalho e
algumas armas.
Produziram-se
nessas comunidades, novas leituras em matéria de religião e cultura. Santos
católicos e deuses africanos conviviam nos altares em perfeita harmonia.
Fabricavam também seu próprio artesanato. Assim a comunidade crescia cada vez
mais, chegando a alcançar, em meados do século VXII, o número de vinte mil
habitantes.
A
sociedade escravista e a coroa portuguesa sempre perseguiram Palmares por verem
nela uma ameaça. Foram frequentes as tentativas de acabar com o quilombo.
Devido a posição estratégica da comunidade, o movimento das tropas era logo
percebido e os palmaristas batiam em retirada. Fundavam outra comunidade mata
adentro. Em algumas investidas, as tropas conseguiam capturar alguns
quilombolas, matar outros tantos, mas no geral, pode-se dizer que suas
incursões na floresta resultavam sempre em grandes fracassos militares. Esses fracassos eram devidos, em grande parte,
estarem os escravos que haviam tido a coragem de empreender fuga das fazendas,
estrategicamente bem posicionados em meio às matas, fato que dificultava, em
muito, a vida das tropas encarregadas das captura deles.
III – O cerco se fecha
Em
1670, os ataques e as tentativas de destruir o quilombo, não vinham surtindo
efeito. As autoridades propuseram então um acordo, uma trégua. Um grupo de
palmaristas foi a Recife, discutir os termos do acordo com o governador de
Pernambuco, D. Pedro de Almeida. Foram recebidos pelo governador como uma
comitiva de Estado. Faziam parte dessa comitiva, três filhos do rei
Ganga-Zumba, que era uma espécie de governador de Palmares.
Dentre
as cláusulas do acordo estavam a de que os palmarista poderiam continuar a
fazer trocas de produtos com os comerciantes da região; a liberdade dos
nascidos nos quilombos seria respeitada, entretanto, os escravos que chegassem
a comunidade, fugidos de fazendas, deveriam ser devolvidos aos seus donos.
Muitos quilombolas eram contrários a essa condição de devolverem os escravos
que chegassem a comunidade vindos das senzalas. Outro item com que os líderes
não viam com bons olhos, era o de que eles, a partir de firmado o acordo, se
tornariam vassalos do rei. O líder Ganga-Zumba, temia uma conspiração e ele,
não estava errado: foi envenenado e vários de seus seguidores foram executados.
Por
essa época, Zumbi já era homem feito e havia-se tornado uma grande liderança
militar entre os quilombolas. Depois da morte do líder Ganga-Zumba, foi Zumbi
que assumiu a liderança de Palmares. Por volta de 1684 e 1687, os ataques ao
quilombo se intensificaram. As autoridades reforçaram as tropas. Zumbi sentia
que a força militar da comunidade se enfraquecia cada vez mais. Em meio à guerra,
são feitas novas tentativas de acordo, porém, todas resultaram em insucessos.
IV – A morte de um guerreiro
Depois
do fracasso de várias tentativas, o comandante paulista, Domingos Jorge Velho,
traçou um objetivo: Destruir Palmares e atingir o coração da comunidade,
matando Zumbi, seu líder máximo. Reuniu uma tropa de mil homens, armamentos e
provimentos em abundância e rumou serra adentro.
Zumbi
percebeu que o cerco em torno dele estava se fechando. Escondeu-se em sua
fortaleza, na serra Dois Irmãos. As tropas enfurecidas partiram implacavelmente
ao seu encalço. Os soldados invadiram a fortaleza na qual ele se escondia.
Tiros são trocados de ambos os lados, mas os homens da tropa de Domingos Jorge
Velho, estão mais bem munidos de armas e balas. Um soldado atinge Zumbi no
peito e o guerreiro tomba no chão da fortaleza.
Tombou
Zumbi e, junto com ele, o sonho de uma terra onde a liberdade e a dignidade
humana eram realidades possíveis. Findava o dia 20 de novembro de 1695, quando
o sangue de Zumbi dos Palmares correu por entre as serras, semeando nas
consciências o desejo de manter sempre viva a chama da liberdade, tão ansiada,
tão desejada por um grande contingente de negros que padeciam sob o jugo da
escravidão.
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