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Em busca de paz interior

Posted by Cottidianos on 00:49
Domingo, 30 de novembro


Em 10 de dezembro de 1989, o Dalai Lama Tenzin Gyatso, recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo. O prêmio foi concedido a ele devido a sua luta pacífica contra o domínio chinês sobre o Tibet. O pacifista, que desde 1959 vivia exilado na Índia, soube da premiação nos Estados Unidos, onde participava de uma Conferência Internacional de Paz. A premiação foi recebida com grande alegria, tanto na Índia, quanto no Tibet. Em seu discurso por ocasião do Prêmio Nobel, o líder espiritual faz um discurso que pode servir, perfeitamente, a cada um de nós. Afinal, que de nós não precisa de paz interior?

Vejamos o caso do Dalai Lama, teve que fugir de seu país e se refugiar em outro. Mas isto não o impediu de conservar a paz interior e desse outro lugar no qual a providencia divina o havia colocado, continuou brilhando como um farol aceso, brilhante em meio a escuridão da incompreensão e da violência. Alias, foi a partir da fuga do líder espiritual tibetano para a Índia, que o mundo passou a prestar mais atenção em suas palavras e em seu discurso da não-violência. A simplicidade e a humildade do mestre budista conquistou o mundo, indo muito além das fronteiras religiosas, provando que a paz não é monopólio de nenhum homem ou grupo religioso, mas de todos aqueles que acreditam em um mundo melhor, mais justo, mais humano e fraterno.


Enquanto preparo meu próximo texto, deixo-os como reflexão, parte desse discurso. Aproveito para desejar a todos um bom domingo, cheio de paz a todos.

***



O Discurso do Prêmio Nobel da Paz de Dalai Lama

Irmãos e Irmãs,

É uma honra e um prazer estar com vocês hoje. Estou realmente feliz por ver tantos amigos que vieram de diferentes cantos do mundo e de fazer novos amigos, a quem espero encontrar novamente no futuro. Quando encontro pessoas em locais diferentes do mundo, me lembro sempre de que somos basicamente parecidos: somos todos seres humanos. Talvez usemos roupas diferentes, a nossa pele tenha uma coloração diferente, ou falemos línguas diferentes. Isso é só na superfície. Basicamente, somos os mesmos seres humanos. É isso que nos liga uns aos outros. É isso que torna possível para nós nos compreendermos e desenvolvermos amizade e intimidade.

Pensando no que deveria falar hoje, decidi partilhar com vocês algumas das minhas ideias sobre problemas comuns que todos nós enfrentamos como membros da família humana. Como todos partilhamos este pequeno planeta Terra, temos que aprender a viver em harmonia e em paz uns com os outros e com a natureza. Isso não é um sonho, mas uma necessidade. Dependemos uns dos outros de tantas maneiras que não mais conseguimos viver em comunidades isoladas e ignorar o que está acontecendo fora delas. Temos que nos ajudar quando enfrentamos dificuldades e precisamos partilhar a boa sorte que temos. Falo a vocês apenas como outro ser humano, um simples monge. Se acharem útil o que eu digo, então espero que tentem praticar.

Gostaria também de partilhar hoje com vocês os meus sentimentos quanto à difícil situação e às aspirações do povo do Tibet. O Prêmio Nobel é um prêmio que eles bem merecem pela sua coragem e determinação inabalável durante os últimos quarenta anos de ocupação estrangeira. Como um representante livre dos meus compatriotas cativos, sinto que é meu dever falar em nome deles. Não falo com um sentimento de raiva ou ódio contra aqueles que são os responsáveis pelos imensos sofrimentos do nosso povo e pela destruição de nossa terra, das nossas casas e da nossa cultura. Eles também são seres humanos que lutam para encontrar a felicidade e merecem a nossa compaixão. Falo para informá-los da triste situação atual do meu país e das aspirações do meu povo porque, em nossa luta pela liberdade, a verdade é a única arma que possuímos.

A compreensão de que somos todos basicamente os mesmos seres humanos, que buscam a felicidade e tentam evitar o sofrimento, ajuda bastante no desenvolvimento de um sentido de irmandade — uma sensação cálida de amor e compaixão pelos outros. Isto, por sua vez, é essencial se temos que sobreviver neste mundo cada vez menor em que nos encontramos. Pois, se de forma egoísta, buscamos somente aquilo que acreditamos ser do nosso interesse individual, sem nos preocuparmos com as necessidades dos outros, poderemos terminar não só por prejudicá-los como também a nós mesmos. Esse fato ficou claro durante o desenrolar deste século. Sabemos atualmente que deflagrar uma guerra nuclear, por exemplo, seria uma forma de suicídio, ou que poluir o ar ou os oceanos para conseguir algum benefício em curto prazo seria destruir a base do nosso próprio sustento. Quando indivíduos e nações estão se tornando cada vez mais interdependentes, não temos outra escolha senão desenvolver o que chamo de um sentido de responsabilidade universal.

Hoje, somos verdadeiramente uma família global. Aquilo que acontece numa parte do mundo pode afetar todos nós. Isto, naturalmente, não é verdade somente quanto às coisas negativas que acontecem, mas é igualmente válido para os desenvolvimentos positivos. Não apenas sabemos o que acontece em outros lugares, graças à extraordinária tecnologia das comunicações modernas, como somos diretamente afetados por eventos que ocorrem em locais distantes. Sentimos uma sensação de tristeza quando crianças definham na África oriental. Da mesma maneira, sentimos alegria quando uma família, após décadas de separação pelo Muro de Berlim, volta a se reunir. Nossos grãos e rebanhos são contaminados e a nossa saúde e a nossa vida ficam ameaçadas quando ocorre um acidente nuclear a milhas de distância em outro país. Nossa própria segurança aumenta quando a paz prevalece entre partidos em guerra em outro continente.

Mas a guerra ou a paz, a destruição ou a proteção da natureza, a violação ou a promoção dos direitos humanos e da liberdade democrática, a pobreza ou o bem estar material, a falta de moral e de valores espirituais ou a sua existência e aprimoramento e o colapso ou o desenvolvimento da compreensão humana não são fenômenos isolados que podem ser analisados e tratados independentemente um do outro. Na verdade, eles estão muito interligados em todos os níveis e precisam ser abordados por meio dessa compreensão.

A paz, no sentido de ausência de guerra, tem pouco valor para alguém que está morrendo de fome ou frio. Ela não removerá a dor da tortura infligida a um prisioneiro da consciência. Não confortará aqueles que perderam os seus entes queridos em inundações causadas pelo desflorestamento despropositado num país vizinho. A paz pode perdurar apenas onde os direitos humanos são respeitados, onde as pessoas estão alimentadas e onde os indivíduos e as nações são livres. A verdadeira paz dentro de nós e no mundo à nossa volta somente poderá ser atingida por meio do desenvolvimento da paz mental. Os outros fenômenos estão interligados de modo similar. Assim, por exemplo, vemos que um ambiente bem cuidado e a riqueza ou a democracia pouco significam em face da guerra, especialmente a nuclear, e no desenvolvimento material não é suficiente para assegurar a felicidade humana.

O progresso material é naturalmente importante para o progresso humano. No Tibet, demos muito pouca atenção ao avanço tecnológico e econômico, e atualmente compreendemos que isso foi um erro. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento material sem o desenvolvimento espiritual pode também causar problemas sérios. Em alguns países, presta-se atenção demais às coisas externas e dá-se muito pouca importância ao crescimento interior. Acredito que ambos são importantes e devem ser desenvolvidos lado a lado para que se consiga um bom equilíbrio entre eles. Os tibetanos são sempre descritos pelos visitantes estrangeiros como um povo feliz e jovial. Isso é parte do nosso caráter nacional, formado pelos valores culturais e religiosos que enfatizam a importância da paz mental obtida com a geração de amor e de benevolência para todos os outros seres vivos sencientes, tanto humanos quanto animais. A paz interior é a chave: se vocês tiverem paz interior, os problemas externos não afetarão o seu sentido profundo de paz e de tranquilidade. Nesse estado mental vocês poderão lidar com as situações com calma e racionalidade enquanto mantêm a sua felicidade interior. Isso á muito importante. Sem a paz interior, mesmo que a sua vida seja materialmente confortável, vocês permanecerão aborrecidos, preocupados ou infelizes devido às circunstâncias.

Portanto, fica clara a grande importância de se compreender o inter-relacionamento entre esses e outros fenômenos e de se abordar os problemas e tentar resolvê-los de modo equilibrado, levando em consideração esses diferentes aspectos. Naturalmente não é fácil. Mas há pouco benefício na tentativa de solucionar um problema criando outro igualmente sério. De fato, não temos alternativa: precisamos desenvolver um sentido de responsabilidade universal não somente do ponto de vista geográfico, mas também em relação a várias questões com que se confronta o nosso planeta.

A responsabilidade não está unicamente com os líderes dos nossos países ou com aqueles que foram apontados ou eleitos para um determinado trabalho. Está individualmente em cada um de nós. A paz, por exemplo, começa dentro de cada um de nós. Quando temos a paz interior, podemos estar em paz com os que estão à nossa volta. Quando a nossa comunidade está num estado de paz, ela pode partilhar essa paz com as comunidades vizinhas, e assim por diante. Quando sentimos amor e benevolência para com os outros, isso não faz apenas com que eles se sintam amados e respeitados, mas nos ajuda a desenvolver felicidade e paz interiores. E existem maneiras com as quais podemos conscientemente trabalhar para desenvolver os sentimentos de amor e de benevolência. Para alguns de nós, o modo mais eficaz de fazer isso é por meio da prática religiosa. Para outros, podem ser as práticas não religiosas. O que importa é cada um de nós fazer um esforço sincero para assumir seriamente a sua responsabilidade pelo outro e pelo ambiente natural.
...

Para concluir, permita-me partilhar com vocês uma pequena oração que me transmite grande inspiração e determinação:

Enquanto o espaço existir
E enquanto houver seres humanos
Que eu também permaneça
Para dispersar a miséria do mundo.


Obrigado.

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