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Indigesta aula de preconceito
Posted by Cottidianos
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Terça-feira,
18 de novembro
“A raça negra não é, tampouco, para nós, uma
raça inferior,
alheia
à comunhão ou isolada desta,
e
cujo bem-estar nos afete como o de qualquer tribo indígena
maltratada
pelos invasores europeus.
Para
nós a raça negra é um elemento
de
considerável importância nacional, estritamente
ligada
por infinitas relações orgânicas à nossa constituição,
parte
integrante do povo brasileiro”.
(Joaquim Nabuco –
Líder da campanha abolicionista no Brasil)
Os
centros universitários são locais propícios o aprimoramento do conhecimento
para que os frequentadores desse ambiente sejam capazes de, ao olhar em redor
de si, e visualizarem o mundo que os rodeiam, sejam capazes de ter sobre ele um
olhar crítico e analítico que fuja das obviedades e do senso comum. Podemos pensar nos campus universitários
espalhados por todo o mundo, como ambientes multidisciplinares e
interdisciplinares nos quais os mestres (docentes) transmitem aos alunos (discentes),
o conhecimento.
Essa
troca entre mestres e alunos deve servir para o aprimoramento das capacidades
intelectuais e profissionais. O aprimoramento deve ser colocado a serviço da
sociedade fazendo girar um capital de conhecimento e habilidades que beneficiam
a todos. Os mestres ainda devem servir de mediadores de conflitos sociais,
exercendo na universidade o mesmo papel que os agricultores nos campos: Semear
e fazer crescer boas sementes para que estas venham a se transformar em frutos
de qualidade. Nesse sentido, os mestres devem lançar luz na mente dos alunos
para que estes possam quebrar preconceitos sociais, tornando o mundo um pouco
mais harmonioso à medida que sejam respeitadas liberdades individuais, e
diferenças entre as pessoas.
O
que acontece quando o mestre semeia joio? O que dizer quando aquele que ensina,
em vez de semear luz, lança trevas e confusão na mente de seus educandos? O que
fazer quando o professor, ao invés de estimular a paz, incita o preconceito?
Alguma coisa não funcionou como o esperado em uma sala de aula da Universidade
Federal do Espírito Santo.
Era
segunda-feira, dia 03 deste mês, e os alunos do curso de Ciências Sociais assistiam
uma aula de Introdução à Economia Política. Durante a aula era discutido o
controverso sistema de cotas, adotadas pelas universidades brasileiras. O
sistema de cotas permite que sejam reservadas para negros, indígenas, alunos de
escolas públicas e portadores de necessidades especiais. A Universidade Estadual
do Rio de Janeiro foi pioneira nessa questão. Em 2002 a universidade
estabeleceu que fossem reservadas vagas no vestibular para negros e indígenas.
Segundo
a revista Fórum, “Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e
24 anos cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. O baixo
índice indicava que algo precisava ser feito”. “Pessoas estavam impedidas de
estudar em nosso país por sua cor de pele ou condição social. Se fazia necessário,
na época, uma medida que pudesse abrir caminho para a inclusão de negros e pobres
nas universidades”. Diz a pesquisadora e doutora em Educação da Universidade
Federal Fluminense (UFF), Teresa Olinda Caminha Bezerra”, em entrevista a
citada revista.
O sistema de cotas surgiu dessa necessidade de
trazer estudantes negros e índios para dentro das universidades. Desde o início essa ação afirmativa resultou
controversa por diversos setores da sociedade, havendo discordância em relação à
questão, inclusive, por parte da comunidade negra.
Voltando
a aula de Introdução à Economia Política. Segundo alunos, a discussão seguia acalorada
e o professor, Manoel Luiz Malaguti, começou a fazer afirmações contrarias ao
sistema de cotas. Afirmando que o nível do ensino na universidade havia caído e
isso era causado pela entrada dos alunos cotistas e, principalmente, os
cotistas negros. Umas três semanas antes desse episódio o professor já havia
feito afirmações semelhantes, dizendo que via a qualidade do ensino cair dia a
dia por causa dos alunos que haviam ingressado na faculdade pelo sistema de
cotas. Ainda segundo os alunos, o professor dizia que, em suas aulas, ele tinha
que reduzir o nível de sua linguagem culta para que os cotistas conseguissem
compreendê-lo.
Em
outra oportunidade, o professor havia dito que preferia dar aulas para uma alunos
que possuíssem muitas viagens no currículo e com mais cultura na bagagem, do
que para um aluno cotista, pois na opinião
dele, este último era menos “evoluído”. Naquela aula, porém, o professor Malaguti,
destilou todo o seu veneno contra os cotistas.
O professor
disse que os docentes tinham de simplificar tanto as matérias, que acabavam
comprometendo a qualidade do ensino. Citou exemplos que mostravam que quem se
formou há dez anos havia tido melhor formação, pois não tivera que enfrentar os
“problemas” atuais.
Os
alunos presentes à aula rebatiam as criticas do professor. Apresentaram a ele,
pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro que mostravam os
alunos cotistas com desempenho igual ou superior aos alunos que não eram
cotistas. O professor, por sua vez, afirmava que essas pesquisas eram forjadas
e que, portanto, não mereciam credibilidade.
Manoel
Luiz Malaguti, chegou a dizer em sala de aula que detestaria ser atendido por
um médico ou por um advogado negro, pois estes últimos poderiam ter passado
pelo sistema de cotas.
As
declarações do professor foram tão fortes e indigestas que teve aluno que saiu
chorando da sala. Cerca de 30 alunos principiaram a assistir a aula, porém,
frustrados, foram saindo um a um. Ao final, restavam na sala de aula, apenas
cerca de cinco alunos.
A
Universidade Federal do Espírito Santo abriu sindicância para apurar as
denuncias. Em entrevista à Folha de São
Paulo, o reitor da Universidade disse: “Nossa universidade é uma universidade
plural. Somos contra qualquer discriminação social, racional, de opção sexual, de
gênero. Qualquer tipo de discriminação não vai encontrar nenhum amparo nesta
universidade”.
Após
ouvir o relato dos alunos, o desembargador, William Silva, decidiu entrar com
uma representação criminal junto ao Ministério Público Federal, do Espírito
Santo. Segundo o desembargador, o discurso do professor pode ser incluído no
crime de injuria racial.
Em
entrevista ao jornal Gazeta Online, o
professor negou que tivesse dito que detestaria ser atendido por um médico ou
advogado negro. Porém reafirmou o discurso racista na mesma entrevista: “Em
função da possibilidade estatística de esse médico branco ter tido uma formação
mais preciosa, mais cultivada, eu escolheria o médico branco. Mas eu disse isso
como um exemplo do que a sociedade faz”, acrescentou ele.
Essa
não foi o primeiro caso de discriminação contra os alunos cotistas. Em 12 de
novembro de 2004, o juiz Cesar Castilho Marques, da cidade de Ivinhema,
localizada a 321 quilômetros de Campo Grande, aceitou denuncia contra o
professor Adriano Manoel dos Santos, 31 anos. O professor foi denunciado pelo estudante
de Biologia, Carlos Lopes dos Santos, 35 anos. Segundo Carlos, o professor se referia os
negros de forma preconceituosa e dizia que a universidade deveria “nivelar por
cima e não por baixo”, em referência aos alunos cotistas.
Em
2005, o professor aceitou um acordo do Ministério Público, o qual previa que,
por dois anos, ele teria que cumprir as seguintes condições: não frequentar
casas de jogos e de prostituição; não sair da cidade por mais de 30 dias sem
autorização judicial; comparecer todos os meses para dar informações sobre suas
atividades; não mudar de casa sem avisar e fazer doação em dinheiro — cerca de
R$ 500 — a uma entidade de assistência social”.
Cumprido essas obrigações com rigor, em dois anos o processo seria extinto.
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