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Carine Labres: Uma descendente de alemães na luta contra o preconceito

Posted by Cottidianos on 00:14
Quarta-feira, 17 de outubro



Mulher jovem, bonita, inteligente, cabelos loiros caindo-lhe em cachos aos ombros. Some-se a isso o fato de ser inteligente e determinada. Assim é a juíza de Direito, Carine Labres, há quatro atuando na magistratura, em Santana do Livramento, município gaúcho.

Carine, atual diretora do Fórum Municipal da cidade, é dessas mulheres que não passam despercebida em nenhum lugar. Descendente de alemães, a gaúcha nascida na cidade de Lajeado, também não passou despercebida ao enfrentar o tradicionalismo gaúcho. Não tanto, por sua beleza, mas por sua vontade de fazer justiça, ao reconhecer que todos tem direito à felicidade, ao realizar uma cerimônia de casamento coletivo com a presença de um casal homosexual. Deixando claro com essa atitude que a atuação de uma magistrada não deve se restringir às quatro paredes do gabinete do Fórum.

O pano de fundo para essa história é o casamento homossexual, mas as linhas e agulhas que costuram esse tecido, é bem mais profundo e abrangente: Trata-se da aceitação das diferenças. É fácil sentar-se em frente a computadores, tablets e notebooks de última geração e manusear intrincados programas. Dificil é sentar-se em frente ao outro, tão ser humano quanto nós, e aceitá-lo na diferença.

No sábado, durante a cerimônia do casamento coletivo, no Fórum de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a bela jovem juíza, Carine Labres, 34 anos — trajando vestes típicas gaúchas: Um vestido de prenda verde com detalhes brancos — proferiu um discurso que toca nas feridas do preconceito em suas mais diversas facetas e nos leva a reflexão sobre a construção de uma sociedade livre do preconceito.

Dirigindo-se aos casais em festa, às autoridades e convidados e, por extensão, a todo o país, através dos jornalistas que se fizeram presentes ao evento, a Magistrada, Carine Labres, disse:



Santana do Livramento sempre foi e será uma cidade cosmopolita por sua natureza binacional. Ser vanguarda faz parte de sua história, mesmo que cada época tenha sido marcada por preconceitos.

Não é novidade para ninguém que, numa época nem tão longínqua, negros não entravam em clubes sociais mais prestigiados e, se isso acontecesse, era porque se tratava de algum oficial do Exército ou advogado. Em bailes de Campanha, negros nem pensar!

Nos dias atuais, isso soa como absurdo e disso ninguém discorda. Mas não se discorda porquê? Porque todos conseguem entender que tratar de forma diferente seres humanos apenas por causa da cor da pele é discriminação, é forma de preconceito e absolutamente ninguém quer levar a pecha de “preconceituoso”.

Pois bem, essa diferença no tratamento do ser humano, seja pela cor da pele, pela raça, etnia ou por sua orientação sexual é também espécie de preconceito, uma discriminação por gênero. Mas porquê razão aqueles que se insurgiram contra a presente cerimônia não são capazes de enxergar isso?!

Que tipo de medo foi acionado tão só pelo fato desta cerimônia de casamento estar sendo realizada em um CTG? Por que essa cerimônia tem causado tanto mal estar entre muitos setores tradicionalistas? Se tivessem apenas casais heterossexuais, tenho certeza de que os aplausos ao evento seriam unanimidade; mas diante da feliz presença de um casal homoafetivo, que, ao invés despertar o orgulho, acabou despertando o ódio, a ira, o humor homofóbico, muitos aplausos restaram silenciados.

Mais do que um discurso, quero convidar todos vocês a uma reflexão sobre as situações absurdas que vivenciamos nesta Comarca, bem como na consequência de nossas ações, desde o momento em que decidimos realizar o casamento coletivo no CTG Sentinelas do Planalto, como forma de homenagear a semana Farroupilha.

Vejam bem: como determina o conteúdo jurídico do princípio da igualdade, abrimos as inscrições para a celebração do casamento coletivo, sem fazer distinção entre casais hetero ou homoafetivos. Assim, inscreveram-se 28 casais heterossexuais e 02 homossexuais femininos e, tão logo houve a divulgação pela imprensa, começaram os atos de repulsa e escárnio de parte da sociedade gaúcha, aliás, de uma pequena parte, mas muito barulhenta, de nossa sociedade.

Da repulsa e do escárnio, essa pequena parte da sociedade passou, então, para as ameaças, desde atear fogo ao CTG, ou, ainda, atentar contra a vida ou a integridade física dos idealizadores do evento e dos casais homoafetivos. Como isto não fora suficiente para arrefecer o ânimo das pessoas ameaçadas, resolveram, tal qual a inquisição medieval, queimar aquilo que simbolizava sua intolerância e incompreensão.

A pergunta que se impõe é: qual a razão de tamanha intolerância? Que ódio pode gerar, em pleno século XXI, uma demonstração de amor ente duas pessoas, de mesmo sexo, ou não?

Ao que me parece não houve razão alguma, mas, pelo contrário, sua completa ausência. Como muito bem retratou o pintor espanhol Francisco Goya “o sono da razão produz monstros”, ou como disse certa feita, o filósofo Friedrich Nietzsche, “o maior inimigo da verdade não é a mentira, mas a convicção”.

Assim, alguns, felizmente uma pequena minoria, nos dias de hoje, ainda acredita que suas crenças e convicções são superiores aos dos outros, bem como que, para a defesa de seu espaço tem de perpetrar ataques defensivos ou dissuasivos contra os demais. Tal forma de pensar, leva estas pessoas à oprimirem e excluírem, de forma violenta ou pelo simples desprezo, todos aqueles que sejam ou pensem diferente deles, na firme crença de que estão apenas exercendo seu direito de autopreservação.

Entre os argumentos contrários à realização do evento, ouvi alguns dizerem “não sou preconceituoso, mas um CTG não é lugar para homossexuais”, ou seja: “não sou preconceituoso, desde que aqueles que são diferentes de mim fiquem confinados em seus guetos”.

Outros, na crença de que eram tolerantes, disseram “Os gays podem frequentar os CTG’s, desde que ali dentro se comportem como homens e mulheres, como manda a tradição”. Acaso os tradicionalistas desconhecem que há gays entre eles. Há gays de bota e bombacha, que desfilam em belos cavalos no 20 de Setembro; há prendas lésbicas que reverenciam a tradição gaúcha. E qual o problema nisso? Acaso tradição é sinônimo de preconceito?! Não, absolutamente não!

Outro argumento muito utilizado foi o de que “nos Centros de Tradições Gaúchas se cultua a virilidade e a honra e não a homossexualidade”, como se a orientação sexual de alguém pudesse, por si só, amputar-lhe a honradez e a valentia.

Por fim, alguns argumentaram que “não se devia contrariar a vontade da comunidade”, como se fossem detentores de mandato para falar em nome da maioria, ou houvesse realizado alguma pesquisa científica de opinião para chegarem a tal conclusão. Contudo, ainda que fosse verdade tal assertiva, isto não teria o condão de pautar a atuação do Poder Judiciário, o qual, sabidamente exerce, no mais das vezes, uma função contramajoritária, tutelando os direitos de grupos minoritários, a fim de dar consecução a um Estado material de Direito onde não sejam garantidos apenas os direitos da maioria.

Não estou dizendo que o presente evento deva ser aceito por todos. Isso seria um despropósito, porque a divergência de opinião, de pensamento é algo salutar ao Estado Democrático de Direito. Estou dizendo apenas, que mesmo que haja discordância, é preciso saber ser tolerante e, acima de tudo, é preciso aprender a respeitar as diferenças!

Senhores e Senhoras, não posso deixar de externar perplexidade com as posturas atentatórias à independência e à liberdade de expressão que muitos lançaram contra este evento e contra meu papel como Magistrada. A todos quero deixar claro que defendo o direito de críticas às decisões judiciais como elemento fundamental da democracia, mas repudio de forma veemente a utilização de instituições para reprimir e calar a voz de magistrados ou de qualquer cidadão.

Não aceito censura ou repressão, não aceito a interdição do debate pela mordaça do preconceito. A democracia não pode prescindir da voz de todos.

Casamento entre pessoas do mesmo sexo em um CTG? Porque não?!

O CTG Sentinelas do Planalto abriu suas porteiras para a realização deste evento; agiu com bravura, cumprindo os mandamentos constitucionais e marcando seu nome na história gaúcha contra a discriminação de gênero, por orientação sexual. O fato deste CTG estar ou não com sua filiação suspensa perante o MTG não o descredencia do título de ser uma instituição que valoriza, cultua o tradicionalismo e respeita as leis vigentes em nosso País.

Espero, sinceramente, que o lamentável incidente ocorrido no CTG, às vésperas da Semana Farroupilha, sirva para conscientizar a todos de que o respeito às diferenças e à construção de uma cultura de convivência civilizada deva ser um objetivo almejado para construção de uma sociedade justa, solidária e livre, na sua acepção mais ampla.

À Patronagem do CTG Sentinelas do Planalto digo-lhes que “o lutar é a marca do campeiro”. Vocês estão de parabéns pela coragem de enfrentar as adversidades, em prol de uma peleia justa e nobre: o direito de todos de ser feliz!

Não obstante, em que pesem os percalços acima relatados, tenho a plena certeza que o saldo de todo esse período foi altamente positivo, pois foi muito além do esperado, haja vista ter provocado um intenso debate e reflexão em toda a sociedade, não apenas de Santana do Livramento, ou Riograndense, mas (quem diria!) de todo o País.

Para isso, contribuíram em muito todos os meios de comunicação, em suas mais variadas plataformas, em relação às quais vai, desde já, meu agradecimento.

Parafraseando, mais uma vez, o filósofo Friedrich Nietzsche, digo-lhes: “aquilo que não nos mata, nos torna mais fortes”; e, sem dúvida, todos nós que estivemos, de uma forma ou de outra, envolvidos nessa empreitada saímos fortalecidos de todo esse processo.

Às autoridades e lideranças vivas da Comunidade, já nominadas pelo protocolo, que aqui se fazem presentes, agradeço-lhes o apoio. A presença de vocês revela o sentimento de repúdio a atos de intolerância, expressados a ferro e fogo. Além disso, demonstra que o Estado do RS e Santana do Livramento não são coniventes com a barbárie traduzida no incêndio, sendo possível mantermos acesa a esperança de que o respeito às diferenças é a única arma capaz de humanizar a sociedade.

A todos os demais presentes, principalmente aos noivos e parentes, desejo-lhes toda felicidade e digo-lhes que “a paz deve ser nossa melhor arma, a compreensão o nosso escudo e o respeito, a nossa melhor proteção.”

Àqueles que me criticaram e que continuarão a criticar por esta postura inovadora, mesmo após terem todos sido esfacelados na batalha dos argumentos jurídicos, digo-lhes, parafraseando, o cantor e compositor John Lenon: “um sonho que se sonha só, é apenas um sonho, mas um sonho que se sonha junto já é o começo da realidade”.

Todos nós, companheiros de jornada, que sonhamos e buscamos conjuntamente construir um mundo melhor, sem preconceitos ou discriminações excludentes, com nossas ações já demos início à esta realidade. 

Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”.

Carine Labres, Juíza de Direito

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