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Carine Labres: Uma descendente de alemães na luta contra o preconceito
Posted by Cottidianos
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Quarta-feira, 17 de outubro
Mulher jovem, bonita, inteligente, cabelos
loiros caindo-lhe em cachos aos ombros. Some-se a isso o fato de ser
inteligente e determinada. Assim é a juíza de Direito, Carine Labres, há quatro
atuando na magistratura, em Santana do Livramento, município gaúcho.
Carine, atual diretora do Fórum Municipal da
cidade, é dessas mulheres que não passam despercebida em nenhum lugar. Descendente
de alemães, a gaúcha nascida na cidade de Lajeado, também não passou
despercebida ao enfrentar o tradicionalismo gaúcho. Não tanto, por sua beleza,
mas por sua vontade de fazer justiça, ao reconhecer que todos tem direito à felicidade,
ao realizar uma cerimônia de casamento coletivo com a presença de um casal homosexual.
Deixando claro com essa atitude que a atuação de uma magistrada não deve se
restringir às quatro paredes do gabinete do Fórum.
O pano de fundo para essa história é o
casamento homossexual, mas as linhas e agulhas que costuram esse tecido, é bem
mais profundo e abrangente: Trata-se da aceitação das diferenças. É fácil
sentar-se em frente a computadores, tablets e notebooks de última geração e
manusear intrincados programas. Dificil é sentar-se em frente ao outro, tão ser
humano quanto nós, e aceitá-lo na diferença.
No sábado, durante a cerimônia do casamento
coletivo, no Fórum de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, a bela jovem
juíza, Carine Labres, 34 anos — trajando vestes típicas gaúchas: Um vestido de
prenda verde com detalhes brancos — proferiu um discurso que toca nas feridas
do preconceito em suas mais diversas facetas e nos leva a reflexão sobre a
construção de uma sociedade livre do preconceito.
Dirigindo-se aos casais em festa, às
autoridades e convidados e, por extensão, a todo o país, através dos
jornalistas que se fizeram presentes ao evento, a Magistrada, Carine Labres,
disse:
“Santana
do Livramento sempre foi e será uma cidade cosmopolita por sua natureza
binacional. Ser vanguarda faz parte de sua história, mesmo que cada época tenha
sido marcada por preconceitos.
Não é
novidade para ninguém que, numa época nem tão longínqua, negros não entravam em
clubes sociais mais prestigiados e, se isso acontecesse, era porque se tratava
de algum oficial do Exército ou advogado. Em bailes de Campanha, negros nem
pensar!
Nos dias
atuais, isso soa como absurdo e disso ninguém discorda. Mas não se discorda
porquê? Porque todos conseguem entender que tratar de forma diferente seres
humanos apenas por causa da cor da pele é discriminação, é forma de preconceito
e absolutamente ninguém quer levar a pecha de “preconceituoso”.
Pois
bem, essa diferença no tratamento do ser humano, seja pela cor da pele, pela
raça, etnia ou por sua orientação sexual é também espécie de preconceito, uma
discriminação por gênero. Mas porquê razão aqueles que se insurgiram contra a
presente cerimônia não são capazes de enxergar isso?!
Que
tipo de medo foi acionado tão só pelo fato desta cerimônia de casamento estar
sendo realizada em um CTG? Por que essa cerimônia tem causado tanto mal estar
entre muitos setores tradicionalistas? Se tivessem apenas casais
heterossexuais, tenho certeza de que os aplausos ao evento seriam unanimidade;
mas diante da feliz presença de um casal homoafetivo, que, ao invés despertar o
orgulho, acabou despertando o ódio, a ira, o humor homofóbico, muitos aplausos
restaram silenciados.
Mais do
que um discurso, quero convidar todos vocês a uma reflexão sobre as situações
absurdas que vivenciamos nesta Comarca, bem como na consequência de nossas
ações, desde o momento em que decidimos realizar o casamento coletivo no CTG
Sentinelas do Planalto, como forma de homenagear a semana Farroupilha.
Vejam
bem: como determina o conteúdo jurídico do princípio da igualdade, abrimos as
inscrições para a celebração do casamento coletivo, sem fazer distinção entre
casais hetero ou homoafetivos. Assim, inscreveram-se 28 casais heterossexuais e
02 homossexuais femininos e, tão logo houve a divulgação pela imprensa,
começaram os atos de repulsa e escárnio de parte da sociedade gaúcha, aliás, de
uma pequena parte, mas muito barulhenta, de nossa sociedade.
Da
repulsa e do escárnio, essa pequena parte da sociedade passou, então, para as
ameaças, desde atear fogo ao CTG, ou, ainda, atentar contra a vida ou a
integridade física dos idealizadores do evento e dos casais homoafetivos. Como
isto não fora suficiente para arrefecer o ânimo das pessoas ameaçadas,
resolveram, tal qual a inquisição medieval, queimar aquilo que simbolizava sua
intolerância e incompreensão.
A
pergunta que se impõe é: qual a razão de tamanha intolerância? Que ódio pode
gerar, em pleno século XXI, uma demonstração de amor ente duas pessoas, de
mesmo sexo, ou não?
Ao que
me parece não houve razão alguma, mas, pelo contrário, sua completa ausência.
Como muito bem retratou o pintor espanhol Francisco Goya “o sono da razão
produz monstros”, ou como disse certa feita, o filósofo Friedrich Nietzsche, “o
maior inimigo da verdade não é a mentira, mas a convicção”.
Assim,
alguns, felizmente uma pequena minoria, nos dias de hoje, ainda acredita que
suas crenças e convicções são superiores aos dos outros, bem como que, para a
defesa de seu espaço tem de perpetrar ataques defensivos ou dissuasivos contra
os demais. Tal forma de pensar, leva estas pessoas à oprimirem e excluírem, de
forma violenta ou pelo simples desprezo, todos aqueles que sejam ou pensem
diferente deles, na firme crença de que estão apenas exercendo seu direito de
autopreservação.
Entre
os argumentos contrários à realização do evento, ouvi alguns dizerem “não sou
preconceituoso, mas um CTG não é lugar para homossexuais”, ou seja: “não sou
preconceituoso, desde que aqueles que são diferentes de mim fiquem confinados
em seus guetos”.
Outros,
na crença de que eram tolerantes, disseram “Os gays podem frequentar os CTG’s,
desde que ali dentro se comportem como homens e mulheres, como manda a
tradição”. Acaso os tradicionalistas desconhecem que há gays entre eles. Há
gays de bota e bombacha, que desfilam em belos cavalos no 20 de Setembro; há
prendas lésbicas que reverenciam a tradição gaúcha. E qual o problema nisso?
Acaso tradição é sinônimo de preconceito?! Não, absolutamente não!
Outro
argumento muito utilizado foi o de que “nos Centros de Tradições Gaúchas se
cultua a virilidade e a honra e não a homossexualidade”, como se a orientação
sexual de alguém pudesse, por si só, amputar-lhe a honradez e a valentia.
Por
fim, alguns argumentaram que “não se devia contrariar a vontade da comunidade”,
como se fossem detentores de mandato para falar em nome da maioria, ou houvesse
realizado alguma pesquisa científica de opinião para chegarem a tal conclusão.
Contudo, ainda que fosse verdade tal assertiva, isto não teria o condão de
pautar a atuação do Poder Judiciário, o qual, sabidamente exerce, no mais das
vezes, uma função contramajoritária, tutelando os direitos de grupos
minoritários, a fim de dar consecução a um Estado material de Direito onde não
sejam garantidos apenas os direitos da maioria.
Não
estou dizendo que o presente evento deva ser aceito por todos. Isso seria um
despropósito, porque a divergência de opinião, de pensamento é algo salutar ao
Estado Democrático de Direito. Estou dizendo apenas, que mesmo que haja
discordância, é preciso saber ser tolerante e, acima de tudo, é preciso
aprender a respeitar as diferenças!
Senhores
e Senhoras, não posso deixar de externar perplexidade com as posturas
atentatórias à independência e à liberdade de expressão que muitos lançaram
contra este evento e contra meu papel como Magistrada. A todos quero deixar
claro que defendo o direito de críticas às decisões judiciais como elemento
fundamental da democracia, mas repudio de forma veemente a utilização de
instituições para reprimir e calar a voz de magistrados ou de qualquer cidadão.
Não
aceito censura ou repressão, não aceito a interdição do debate pela mordaça do
preconceito. A democracia não pode prescindir da voz de todos.
Casamento
entre pessoas do mesmo sexo em um CTG? Porque não?!
O CTG
Sentinelas do Planalto abriu suas porteiras para a realização deste evento;
agiu com bravura, cumprindo os mandamentos constitucionais e marcando seu nome
na história gaúcha contra a discriminação de gênero, por orientação sexual. O
fato deste CTG estar ou não com sua filiação suspensa perante o MTG não o
descredencia do título de ser uma instituição que valoriza, cultua o tradicionalismo
e respeita as leis vigentes em nosso País.
Espero,
sinceramente, que o lamentável incidente ocorrido no CTG, às vésperas da Semana
Farroupilha, sirva para conscientizar a todos de que o respeito às diferenças e
à construção de uma cultura de convivência civilizada deva ser um objetivo
almejado para construção de uma sociedade justa, solidária e livre, na sua
acepção mais ampla.
À
Patronagem do CTG Sentinelas do Planalto digo-lhes que “o lutar é a marca do
campeiro”. Vocês estão de parabéns pela coragem de enfrentar as adversidades,
em prol de uma peleia justa e nobre: o direito de todos de ser feliz!
Não
obstante, em que pesem os percalços acima relatados, tenho a plena certeza que
o saldo de todo esse período foi altamente positivo, pois foi muito além do
esperado, haja vista ter provocado um intenso debate e reflexão em toda a
sociedade, não apenas de Santana do Livramento, ou Riograndense, mas (quem
diria!) de todo o País.
Para
isso, contribuíram em muito todos os meios de comunicação, em suas mais
variadas plataformas, em relação às quais vai, desde já, meu agradecimento.
Parafraseando,
mais uma vez, o filósofo Friedrich Nietzsche, digo-lhes: “aquilo que não nos
mata, nos torna mais fortes”; e, sem dúvida, todos nós que estivemos, de uma
forma ou de outra, envolvidos nessa empreitada saímos fortalecidos de todo esse
processo.
Às
autoridades e lideranças vivas da Comunidade, já nominadas pelo protocolo, que
aqui se fazem presentes, agradeço-lhes o apoio. A presença de vocês revela o
sentimento de repúdio a atos de intolerância, expressados a ferro e fogo. Além
disso, demonstra que o Estado do RS e Santana do Livramento não são coniventes
com a barbárie traduzida no incêndio, sendo possível mantermos acesa a
esperança de que o respeito às diferenças é a única arma capaz de humanizar a
sociedade.
A todos
os demais presentes, principalmente aos noivos e parentes, desejo-lhes toda
felicidade e digo-lhes que “a paz deve ser nossa melhor arma, a compreensão o
nosso escudo e o respeito, a nossa melhor proteção.”
Àqueles
que me criticaram e que continuarão a criticar por esta postura inovadora,
mesmo após terem todos sido esfacelados na batalha dos argumentos jurídicos,
digo-lhes, parafraseando, o cantor e compositor John Lenon: “um sonho que se
sonha só, é apenas um sonho, mas um sonho que se sonha junto já é o começo da
realidade”.
Todos
nós, companheiros de jornada, que sonhamos e buscamos conjuntamente construir
um mundo melhor, sem preconceitos ou discriminações excludentes, com nossas
ações já demos início à esta realidade.
Que
sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”.
Carine Labres, Juíza de Direito
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