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João Vitor e Tatiana Solanco: Destinos que se cruzam nos caminhos da vida - Parte 2
Posted by Cottidianos
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21:42
Quinta-feira,
04 de agosto
“Eu fico / Com a pureza / Da resposta das
crianças
É
a vida, é bonita / E é bonita...
Viver!
/ E não ter a vergonha / De ser feliz
Cantar
e cantar e cantar / A beleza de ser
Um
eterno aprendiz...”
(Eterno Aprendiz
– Gonzaguinha)
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/04/mulher-decide-emagrecer-20-quilos-para-doar-figado-a-crianca-com-cancer-em-santa-catarina-4473455.html |
Terminado
o culto os fiéis foram para suas casas. Timidamente,
Tatiana se aproximou de Maria de Freitas, a mulher que havia pedido orações
pelo neto.
—
Ouvi a sua história e a de seu neto e fiquei muito comovida. Tenho um filho da
mesma idade e não sei o que faria se uma situação semelhante acontecesse com
ele. Seria capaz de dar a minha vida por ele, disse Tatiana.
—
Tínhamos esperança de que o transplante de fígado resolvesse o problema, mas
como falei para a senhora, a tia dele não pode doar o órgão pelo fato de estar
grávida e isso poderia por em risco a gravidez dela. Eu já não sei mais o que
faço. Dói-me o coração ver o meu neto definhar a cada dia um pouco. Temo ficar
sem ele, respondeu Maria.
—
E se eu doasse parte de meu fígado ao seu neto?
—
A senhora seria capaz de fazer isso? Perguntou surpresa a mulher.
—
No momento, não vejo outra saída.
—
Mas a senhora nem o conhece, nem conhece minha família. Não temos nenhum
vinculo.
—
Não tínhamos. Porque, a partir de agora, nós temos não apenas um vínculo, temos
uma luta para vencer.
Com
os olhos marejados de lágrimas a avó de João Vitor e a mãe de Pedro se
abraçaram.
—
Muito obrigado! Muito obrigado, mesmo!
—
Só tem um problema. É necessário fazer os exames para ver se sou uma doadora
compatível com seu neto.
—
Faremos o que for possível. Iremos aonde tiver que ir. Disse Maria com ar de
determinação. Deus há de ajudar.
Enquanto
a mulher se afastava, Tatiana começou a relembrar a própria história. Era mãe
de um belo e saudável menino de quatro anos. Porém, antes que conseguisse
engravidar dele, já havia engravidado quatro vezes e havia perdido o bebe em
todas estas ocasiões. Lembrou-se também de toda a luta que já empreendera para
emagrecer. Já inventara dietas malucas que sempre abandonara. Tentara perder
peso pela prática de exercícios físicos e alimentação natural, mas também não
obtivera sucesso. Todos esses fatores a levaram a ficar, em alguns momentos,
frente à frente com o fantasma da depressão. De onde lhe viera tamanha coragem
de doar uma parte de seu corpo para uma pessoa que ela nem ao menos conhecia? Para
esse auto questionamento ela não encontrou respostas.
Alguns
dias depois João Vitor e Tatiana se encontraram pela primeira vez. O menino
despertou nela um grande sentimento de maternidade, aliado a sentimentos de
compaixão. Era a fusão de duas almas que pareciam que já se conheciam há muito
tempo. A esperança e alegria que aqueles dois pequenos irradiavam não condizia
com o todo o sofrimento que eles experimentavam. Quem diria, ao primeiro olhar,
que aquela pequena vida enfrentava uma rotina tão árdua de internações em
hospitais, picadas de agulhas, exames e mais exames, quimioterapia?
João
Vitor, por sua vez, olhava para Tatiana como que diz, “Preciso tanto de sua
ajuda. Salva minha vida”!
Os
exames para saber se Tatiana seria uma doadora compatível foram marcados alguns
dias depois. Na antessala da clínica, Tatiana esperava o resultado
ansiosamente. Ao lado dela, estava Maria de Freitas, avó de João. O médico
chamou as duas para dentro do consultório e anunciou:
—
Tenho uma notícia boa e outra ruim. Vou começar pela notícia boa. A senhora
pode doar parte de seu fígado ao garoto. Essa questão de compatibilidade fora
da família é um caso raro no qual a senhora se enquadra perfeitamente. A má
notícia é que a doação não poderá ser feita enquanto a senhora mantiver esse
quadro de sobrepeso, ou seja, é necessário perder, mais ou menos uns vinte e
sete quilos, no mínimo.
Ao
sair da clinica, Tatiana seguia pela rua e lágrimas banhavam o seu rosto. Estava
profundamente aliviada. Havia uma luz no fim do túnel e ele faria qualquer
coisa que estivesse ao seu alcance para alcançá-la.
O
primeiro passo foi cuidar da alimentação. Era preciso cortar os doces que tanto
amava. Refrigerantes e pães também entraram para lista de vilões. A alimentação
à mesa passou a ser a mais saudável possível. O marido e o filho se ajuntaram a
ela nessa luta.
Quando
souberam da história da doação, os vizinhos e amigos formaram uma verdadeira
rede de solidariedade.
Lene,
um professor de Educação Física, especializado na área de nutrição, resolveu
abrir as portas de sua academia. Além disso, resolveu dar uma orientação
nutricional á família. A dieta foi ainda
mais rigorosamente ajustada.
Katy,
uma professora de dança, também tomou conhecimento do caso e resolveu ajudar.
Entre
muita aeróbica, musculação e dieta, começou a corrida contra o tempo e contra a
balança. Eram duas horas diárias de exercício na academia e mais uma hora de exercícios
em casa. Uma rotina dura, difícil e cansativa. Algumas vezes, tinha vontade de desistir.
Ao fim do dia o cansaço era enorme. Seu corpo doía como se ela tivesse levado
uma surra. Quis desistir. Lembrou-se que havia uma chama acesa que dependia
dela para continuar brilhando.
Enquanto
isso, João Vitor, seguia na sua rotina em hospitais de Florianópolis, cidade
onde moravam, e de São Paulo. Isso tornava sua vida ainda mais cansativa. Tinha
dias que estava animado, sorria e brincava como outra criança qualquer. Em outros
dias, a doença parecia progredir e ele não tinha forças nem para sair da cama. Sua
pele se tornava muito pálida e seus olhos pareciam perder o brilho. Sentia muitas
dores na barriga e seu olhar parecia se perder em algum ponto no infinito.
Um
dia, em meio a uma dessas crises, ele fez uma pergunta que encheu de lágrimas
os olhos da avó. “Vovó o que tem dentro da minha barriga que dói tanto”? Desconcertada
a avó respondeu: “Dentro de sua barriga tem uns bichinhos, mas logo, logo, eles
vão sair e você vai ficar bom”. Os olhinhos do garoto brilharam de uma alegria
intensa e ele disse: “Que bom vovó! Então quer dizer que eu não vou precisar
mais ir ao hospital e nem tomar aquele monte de remédios”. “Isso mesmo, meu
pequeno guerreiro. Você vai vencer essa guerra. Chega de hospitais, agulhas e
coisas desse tipo”, disse ela abraçando fortemente o neto.
Do
outro lado, Tatiana estava conseguindo perder peso. Um sorriso de satisfação
lhe inundava o rosto toda vez que subia na balança. Era um sofrimento quando
passava em frente a alguma doceria ou padaria e via expostos todas aquelas
guloseimas. Um dia pegou-se no balcão de uma loja de doces perguntando o preço
de uns bombons. Saiu dali rapidamente. Tinha consciência de que não podia comer
nenhum deles. Tinha consciência que não podia, em hipótese alguma, ganhar um
quilo que fosse.
Faltavam
apenas quatro quilos para atingir a meta estipulada pelos médicos para a realização
do transplante, quando Tatiana recebeu um telefonema da avó de João.
—
Acabamos de voltar de São Paulo e as notícias não são nada animadoras. O tumor
cresceu e o fígado não consegue mais eliminar a bile. O menino sente muitas
dores e está cada vez mais pálido. Os médicos disseram que já há mais o que
fazer.
A partir
daí, o pequeno guerreiro passou o tempo, muito mais no leito do hospital do que
em casa. O tratamento quimioterápico tornou-se muito mais agressivo e mais
forte. Os médicos faziam de tudo para que o tumor fosse reduzido. João Vitor
começou a sentir dores insuportáveis e, pela primeira vez em quatro anos de
tratamento, começou a tomar morfina. Estava tão fraco que, por três dias
seguidos, não teve forças para levantar da cama.
Tatiana
foi visitá-lo e ao ver o menino naquele estado, chorou. Chegou perto dele e
cochichou-lhe ao ouvido:
— João,
vou lhe dizer umas coisas porque sei que você está me ouvindo. De alguma forma
eu sei que você consegue me ouvir. Estou fazendo um esforço enorme por você...
Não vá agora... Estamos tão perto de conseguir... Eu lhe peço com todo o
carinho: Espere mais um pouco.
O tratamento
intensivo já durava quatro semanas e todos já esperavam pelo pior. Foi então
que o menino começou a reagir. Novos exames foram feitos e os médicos
constataram que o tumor havia regredido em cerca de 30%. Não era possível que
estivesse acontecendo isso, disseram os médicos. Eles não acreditaram nos
resultados e repetiram os exames. O resultado se confirmou.
—
Esse menino é um grande guerreiro, ele cai, mas ele tem forças para se
levantar, disse uma das enfermeiras.
Simultaneamente
a essa súbita melhora, Tatiana atingiu o peso ideal. Estava com 76 quilos e já
podia ser submetida à cirurgia para a realização do transplante. João Vitor e
Tatiana embarcaram para São Paulo, onde seriam realizados os procedimentos cirúrgicos.
A sala
de cirurgia começou a ser preparada às cinco horas da manhã do dia 20 de
agosto. O primeiro a entrar nela foi João Vitor. Antes do transplante, mais uma
complicação: os médicos notaram uma trombose nas veias do paciente. Foi necessário
os médicos fazer uma ponte para, só depois, prosseguir com o transplante
propriamente dito.
Uma
hora e meia depois, foi a vez de Tatiana, entrar na sala de cirurgia. Foram
cerca de onze horas de uma espera angustiante. Na sala de espera do hospital a
expectativa era grande. Maria de Freitas, avó de João e Isoyane, amiga de
Tatiana, aguardavam ansiosas. Foi somente no início da noite que os médicos
trouxeram a tão esperada notícia. O transplante havia sido um sucesso e doadora
e doador estavam muito bem.
—
Não costumo emitir opiniões pessoais nesses casos, mas ficamos muito
emocionados com a sintonia que, durante todo o processo de tratamento,
percebemos entre a Tatiana e João Vitor. A Tatiana conseguiu ultrapassar a
simples condição de doadoras de órgãos. Mais do que o fígado ela doou amor.
Quanto
ao garoto, era como se, de alguma forma, ele soubesse que precisava ser forte e
esperar mais um pouco. E realmente, para uma criança, ele foi muito forte.
Eu
diria que foi o milagre do amor que proporcionou o milagre da vida, finalizou o
médico.
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