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De novo o racismo nos campos de futebol do Brasil. Até quando assistiremos esses lamentáveis episódios?
Posted by Cottidianos
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00:48
Segunda-feira,
01 de setembro
Aconteceu
de novo. Lamentavelmente aconteceu de novo. Dessa vez foi na quinta-feira (28),
em Porto Alegre, durante o jogo disputado entre Santos e Grêmio. A vítima? O
goleiro Aranha, do Santos. O jogo já estava nos seus minutos finais e o Santos
vencia o Grêmio por 2 x 0. Um grupo de torcedores gremistas, localizados logo
atrás do gol de aranha. Ao perceber os xingamentos, mais que xingamentos, eu
diria, as humilhações, o goleiro correu e foi reclamar com o arbitro da
partida. Wilton Pereira Sampaio, resolveu paralisar o jogo por alguns minutos. Após,
esse tempo, e mesmo sob protestos do goleiro, o arbitro deu continuidade a
partida. A torcida xingar é normal, mas começaram com palavras racistas: 'preto
fedido', 'cambada de pretos', essas coisas. Fiquei nervoso, mas estava me
segurando. Foi aí que começou um pequeno coro de 'macaco. Quando me chamaram de
macaco, de preto, bati no braço e disse que sou preto, sim. Sou negrão,
sim", disse Aranha.
Dessa
vez, Aranha tomou uma atitude diferente. Em vez de fingir que nada havia
acontecido, o goleiro foi reclamar com a arbitro e fez apelos aos cinegrafistas
que cobriam o jogo para que registrassem em imagens o que estava acontecendo e,
com isso identificar os agressores. Uma das torcedoras, flagrada pelas câmeras,
chamando o goleiro do Santos de Macaco, foi demitida do emprego, teve a casa
onde mora, apedrejada e ainda terá que prestar depoimentos à polícia.
Atletas
dos dois times lamentaram o episódio. Afinal, os jogadores não têm culpa do
comportamento antidesportivo de alguns de seus torcedores. Episódios lamentáveis
como esse só deixarão de ocorrer quando medidas punitivas forem adotadas contra
essa pequena parcela dos torcedores. Enquanto as entidades desportivas fingirem
que nada aconteceu, continuaremos a assistir essas barbaridades.
O
Brasil é um país tão rico em sua diversidade de raças e culturas, isso deveria
ser motivo de orgulho por parte de todos os brasileiros e não de discriminação.
Neste
domingo (31) Aranha deu uma entrevista ao Fantástico, falando desse episódio,
cujo texto compartilho com vocês.
***
'Eu
tenho dó dela', diz goleiro Aranha sobre jovem que o ofendeu em jogo
'Às
vezes a gente deixa passar, finge que não ouve, mas por dentro dói', diz
Aranha. Goleiro do Santos desabafa sobre ofensas sofridas em partida.
Aos 33 anos de idade, com 15 de futebol
profissional, ele se viu acuado no estádio. O goleiro Aranha, do Santos, foi
ofendido por torcedores do Grêmio na quinta-feira (28).
O time identificou cinco agressores até
agora. Patrícia Moreira acabou se tornando um símbolo deles.
Aranha: Eles vinham na muretinha como
se fossem saltar e vir para cima e eu estava preparado.
Fantástico: Para quê?
Aranha: Para o que der e viesse.
Fantástico: Você achou que
eles iam te atacar?
Aranha: Sim, por que não? A raiva que
eles estavam, porque eles ficaram mais nervosos porque eles acharam que como a
maioria faz, como eu mesmo já fiz várias vezes ali, até mesmo ano passado, a
gente escuta e finge que não ouve.
Na quinta-feira, Aranha não fingiu. “E
aí quando eles começaram a emitir som de macaco, aí eu não tive dúvida, aí eu
não aguentei. Aí eu falei: ‘Ah, vou ter que estourar, é agora, não tem jeito’.
Porque às vezes a gente tem que dar uma de louco, como a gente fala, senão
ninguém presta atenção, ninguém te escuta”, conta o goleiro.
Fantástico: Você já tinha
passado por essa situação?
Aranha: Centenas e milhares de vezes.
No futebol isso infelizmente é normal.
Aranha diz que o problema é de todos.
“Sempre quando acontece de acontece briga no estádio, esse negócio de racismo,
de vandalismo, aí a gente costuma dizer, os clubes e todo mundo costuma dizer,
‘não são torcedores, é a minoria’. Mas a minoria manda? Se tinha duas mil
pessoas ali atrás e cinco estavam tomando essa atitude, por que as outras
pessoas não cobraram delas uma postura melhor?”, questiona Aranha.
O Grêmio, que ainda pode ser punido até
com a exclusão da Copa do Brasil, identificou cinco agressores até agora.
Patrícia Moreira acabou se tornando um símbolo deles.
Fantástico: O que você
achou dessa moça, quando você viu ela falando 'macaco', e aquela imagem bem
fechada nela.
Aranha: Eu tenho dó dela. Como ser
humano, e pelas consequências.
Patrícia perdeu o emprego, a casa dela
foi apedrejada e ela deve depor nessa segunda-feira (1º) na polícia de Porto
Alegre.
Aranha diz que aprendeu a enfrentar o
preconceito ouvindo rap. Confira no vídeo ao lado mensagens de apoio a Aranha e
contra o racismo.
“Eu
tive a felicidade de aprender muito com o rap, porque esse pessoal, como sempre
foi um pessoal sofrido e acusado e agredido. É um pessoal bem informado sobre
política, sobre religião, sobre a sua história, a história do seu país. Como na
periferia a gente ouve muito isso, porque é aquilo que está na nossa realidade,
eu cresci preparado para esse tipo de situação”, diz Aranha.
Fantástico: Fora dos
estádios você também tem problema? Sofre com o racismo?
Aranha: Tem, tem. Isso aí muita gente
tem. A gente vale o que tem. Ou o nome que tem. Eu sei que muitas vezes eu não
sou aceito, eu sou tolerado. Porque sou o goleiro do Santos, bicampeão mundial.
E porque eu tenho um carro bonito, porque eu compro isso, eu compro aquilo.
Então muitas vezes eu sou tolerado, não sou aceito. Eu já morei em prédios,
minha família está de testemunha, que não me davam nem bom dia.
Fantástico: A sua família
acaba sendo atingida também, sofre com isso tudo, o teu enteado. Meu filho, é.
Ele acabou colocando que tem orgulho de ter um pai negro.
Bernardo Maron, enteado de Aranha: Eu
estava assustado, triste, porque eu não esperava que ainda esse pensamento
ainda estava na cabeça das pessoas, pensava que tinha acabado.
Na noite de quinta, Bernardo, de 13
anos, entrou em uma rede social para dar apoio ao pai. “Eu fiquei
quietinho na minha aí eu fui lá e pensei em escrever isso: ‘Eu já cansei disso,
que isso é uma palhaçada e que eu tenho orgulho de ter um pai negro’”, conta
ele.
Depois, telefonou para ele. “Eu falei:
‘força, pai, eu te amo’”, conta o menino.
“A
gente já prepara uma conversa antes porque sabe que no próximo dia de escola
vai ter aquela polêmica, ‘nossa, o que aconteceu com o seu pai’, só que graças
a Deus eles são muito maduros, o futebol amadureceu até os meus filhos”, diz
Juliana Costa, mulher de Aranha.
Na manhã seguinte, em um comunicado,
Aranha citou um discurso de Martin Luther King, o famoso ativista americano
assassinado em 1968 que lutou pela igualdade racial.
“Eu
citei um trecho do Martin Lutther King, "I Have a Dream", que ele
fala que ele tem um sonho que todas as pessoas fossem julgadas não pela cor da
pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”, diz o jogador.
Fantástico: Nos estádios,
qual seria a punição para que isso não voltasse a se repetir?
Aranha: Essa mocinha aí, nunca mais
pisar na Arena. Porque outras pessoas vão falar 'se eu tomar uma atitude
dessas, se eu for flagrado, eu nunca mais vou acompanhar o time que eu gosto'.
O futebol está caminhando para um lado de empresa, de espetáculo, mas as
pessoas que vão assistir têm que se comportar como tal. Eu acho que a principal
punição tem que ser essa, da pessoa nunca mais pisar no estádio, em um lugar
público, porque ela me xingou ali, mas tinha vários outros negros ali.
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