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Uma polêmica cerimônia de casamento em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul
Posted by Cottidianos
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Terça-feira,
16 de setembro
Em
épocas medievais que já se fazem longinquas, pessoas eram perseguidas,
julgadas, condenadas e punidas simplesmente por pensarem diferente do que se
considerava o pensar o mundo de forma tradicional. O castigo era tremendamentte
severo para quem ousasse desafiar as normas de conduta e o modo de enxergar o
mundo, vigentes à época. O Santo Ofício — Instituição formada pelos tribunais
da Igreja — era implacável. A pena mais branda era a ex-comunhão. Felizes
daqueles que eram apenas e tão-somente ex-comungados.
Milhões
de inocentes tiveram seus bens confiscados, outros foram presos, torturados.
Quantas vidas inocentes foram ceifadas nas fogueiras da Inquisição! Por essas e
outras, esse período da história da humanidade é chamada de Idade das Trevas.
O
trágico é que esse demonio da intolerância vive como um vulcão adormecido e, em
alguns períodos da história humana, renasce e tornar a lançar larvas ardentes
queimando e destruindo tudo em volta. Renasceu na Alemanha de Hitler, renasce
agora no chamado, Estado Islâmico, renasce em pequenas e grandes cidades,
sempre em corações pequenos. O solo fértil para esse tipo comportamente nocivo
nasce e renasce, principalmente, naqueles que ainda vivem na Idade das Trevas.
Quando
o Centro de Tradições Gaúchas (CTG), foi incendiado na madrugada de quinta-feira
(11) e as línguas de fogo devoraram o prédio, na cidade de Santana do
Livramento, segundo maior município do Rio Grande do Sul, veio-me à mente às
lembranças — lembranças estas, adquiridas nos livros que li e nos filmes à que
assisti — das fogueiras da Inquisição. Os bombeiros conseguiram controlar as
chamas por volta das 3h da madrugada. O fogo, apesar de ter destruído o CTG,
não lhe danificou a estrutura, sendo possível, em pouco tempo, reconstruí-lo.
Santana
do Livramento possui um clima abençoado, propício ao cultivo de frutas,
principalmente, uvas, das quais são extraídas, vinhos deliciosos. Vinho este
que, por sua vez, é consumido avidamente pelo mercado nacional, mas, antes de
entrar no motivo do incêndio, gostaria de falar um pouco a respeito dos CTGs. Os
gaúchos são um povo muito tradicionalista e fervorosos defensores dos costumes
e da cultura da região. Nisso está implícito a ideia de manter vivo o legado de
gerações passadas. Por tal tradicionalismo, os gaúchos se diferenciam um pouco
dos brasileiros dos demais Estados da federação.
Para
manter viva a chama da tradição, os gaúchos organizaram Centros de Tradição que
se espalharam por vários Estados do país. O Rio Grande do Sul é o celeiro
desses templos erigidos em honra da tradição. Nesses espaços os nativos do Rio
Grande cultivam a música, a dança e as vestimentas que lembram os primeiros
imigrantes, principalmente alemães e italianos, que chegaram e habitaram o Sul
do Brasil, dentre outros costumes.
Disto
isto, vamos à causa do incêndio, e nela temos ainda mais fogo. A corajosa
juíza, Carine Labres, realizou em março deste ano, um casamento comunitário, no
Fórum da cidade de Santana do Livramento, em março deste ano. Dentre os casais,
duas mulheres, Mariana da Silva Maciel, 28, e Daniela dos Santos Rodrigues, 24,
que assumiu o sobrenome Maciel, celebraram a união. Houve que fizesse cara feia
e criticasse o evento, mas sem maiores debates e problemas, as duas mulheres
seguiram vida normal após a realização da cerimônia.
Surgiu
na mente de Carine, uma ideia. Haveria outra cerimônia de casamento
comunitário, novamente com a presença de casais gays. Por que então, não
realizá-lo em um Centro de Tradições Gaúchas? A juíza abriu as inscrições para
casais que quisessem participar do evento, inclusive, casais homossexuais, se
houvessem e estivesse disposto a assumir o compromisso. À época, 22 casais se
inscreveram, inclusive, dois pares de mulheres. A data do casamento? Durante a
Semana Farroupilha, celebrada entre 14 e 20 de setembro. A data faz referência
a mais longa das revoluções brasileiras, cujo lema era: liberdade, igualdade e
humanidade. Não havia data mais propícia que esta para celebrar a união de
pessoas do mesmo sexo, pensou a juíza. O local do casamento? O CTG Sentinelas
do Planalto.
Foi
aí que começou a queda de braço. Onde já se viu celebrar união de pessoas do
mesmo sexo em um lugar que representava o gaúcho viril e destemido? Os mais
tradicionalistas fincaram pé. Em um CTG não se realizaria casamento gay. Se quisessem
casar, que casassem em outro lugar.
A juíza,
por sua vez, não abria mão. O casamento teria de se realizar no CTG. Para ela,
tradicionalismo não tinha nada a ver com preconceito. As duas questões eram
barcos que navegavam em águas diferentes.
Diante
de tanta polêmica, um casal de lésbicas desistiu do casamento, com medo de
represálias.
A
juíza, Carine Labres foi ameaçada de morte. O patrão do CTG, Gilbert Gisler — uma
espécie de administrador — também foi ameaçado de morte. Porém diante de toda
essa polêmica e confusão, a juíza não cedeu: o casamento seria realizado no
sábado (13) no Centro de Tradições, e com direito a muita música, churrasco e
festejos, como em todas as outras festas tradicionais.
Na
quinta-feira (11), o prédio foi criminosamente incendiado, e como não havia
mais tempo hábil para a reconstrução, o casamento aconteceu mesmo, no Fórum da
cidade, na tarde do último sábado (13). Vinte e oito casais participaram da cerimônia,
inclusive as duas lésbicas. O clima de tradição gaúcha foi preservado, com
homens e mulheres trajando vestes tradicionais usadas nos festejos e
comemorações sulinas. Completando os adornos da festa, havia bandeiras
coloridas do movimento LGBT.
Por
volta da 16h15min, ao som da bela música, Céu, Sol, Sul — cujo refrão diz: “É o meu Rio Grande do Sul céu, sol, sul
terra e cor / Onde tudo que se planta cresce o que mais floresce é o amor / É o
meu Rio Grande do Sul céu, sol, sul terra e cor / Onde tudo que se planta
cresce o que mais floresce é o amor” — a juíza, Carine Labres e o patrão do
CTG, Gilbert Gisler, entraram no salão do Fórum. Terminada a execução desse
hino ao Rio Grande do Sul, foi entoada a marcha nupcial e os sorridentes casais
entraram. Por fim, radiantes, Solange Ramires, 24 anos, vestida de noiva e
Sabriny Benites, 26 anos, trajando smoking, entraram no salão, sendo intensamente
aplaudidas.
Várias
autoridades estiveram presentes ao Fórum, inclusive a ministra dos Direitos
Humanos, Ideli Salavati e o desembargador José Aquino.
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