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Um campeão dentro e fora das quadras
Posted by Cottidianos
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00:16
Terça-feira, 30 de setembro
Entrevista Gilmar Nascimento Teixeira (Kid)
“Uma das coisas que aprendi é que tenho que ser uma
pessoa muito regrada, sempre”.
Como ser atleta, onde os valores humanos
ficam de lado, no capitalismo que gera as modalidades? Essa
interessante pergunta, foi feita pelo mediador do debate, o professor Daniel
Rebello, ainda durante a conversa com Gilmar Nascimento Teixeira (Kid) e André
Heller. Achei uma questão interessantíssima, uma vez que um astro de qualquer
esporte, antes de ser um atleta de qualidade superior, é antes de tudo, homem,
e como tal, possui seus desejos, suas necessidades, suas qualidades e defeitos.
Fiquei esperando para ver como essa questão seria respondida. Kid pegou o
microfone e falou:
“É complicado, porque o que você vê hoje em
dia são resultados. Todo mundo quer resultados. Ninguém quer saber se você está
com problemas em casa. Tudo gira me torno de resultados. Tudo gira em torno de
dinheiro. Então, hoje em dia, aquela paixão de só jogar, amor pela camisa, como
era antigamente. Ele (o atleta) beijava a camisa do time porque sabia que o
clube o ajudava, que o clube ia dar formação para ele. Hoje em dia eu vejo que
não tem mais isso”.
Durante
o debate, Kid fez um apelo aos juristas da área para que olhassem também pelos
direitos das crianças e dos adolescentes. Pois, geralmente, se dá prioridade
aos atletas de alta performance, e se esquece do que está acontecendo nas
categorias de base. Se houvesse um trabalho mais incisivo nessas categorias, o
resultado seria outro. Retomando um ponto sobre o qual André já havia falado,
Kid questionou a especialização precoce de crianças, o fato de se cobrar
exageradamente resultados dos pequenos que estão sendo iniciados no esporte, exigindo
um potencial que, muitas vezes, a criança ainda não está em condições de
oferecer. Com essa atitude, o discurso do esporte-socialização,
esporte-inclusão, fica apenas no discurso.
O
atleta desempenhou suas atividades com glórias e louvores dentro do esporte, porém, chegou a
hora de parar. Os clubes tem alguma coisa a oferecer aos atletas que tanto
fizeram por eles?
Segundo
os dois ex-jogadores da Seleção Brasileira, não há uma preocupação dos clubes brasileiros
em relação a essa questão, à exceção do futebol. Nessa modalidade esportiva, há
uma previdência, uma aposentadoria, logo após o atleta encerrar a carreira, nas
outras modalidades não há algo parecido. O atleta, antes de acabar a carreira, tem que se preparar, tem que se especializar. Tem que ter a consciência de que,
mais cedo ou mais tarde, a carreira vai chegar ao fim e, se ele não buscar
outras atividades, outras fontes de renda, certamente ficará em situação
difícil.
Kid,
assim como o André, foi um dos atletas que tiveram essa consciência. Encerrou a
carreira em 2010, mas quatro anos antes, sabendo que a jornada como jogador de
Vôlei já estava chegando ao fim, preparou-se para isso. Começou a estudar,
abriu uma empresa que agenciava jogadores. Atualmente, está bem próximo de
concluir o curso de Direito, em Balneário Camboriú, no belo litoral
catarinense. Ele tem muitos exemplos contrários ao seu. Vários atletas que
jogaram com ele, não se prepararam para o pós-carreira, e hoje vivem em
situação difícil.
Kid não veio à Campinas apenas proferir uma palestra e transmitir seus
conhecimentos na área desportiva, veio também buscar conhecimento. No segundo e
terceiro dias do evento, podia-se vê-lo na platéia, ouvindo, atentamente o que
estava sendo discutido. Ele sabia que estava diante de gente repleta da moeda
do saber, tanto a nível nacional quanto internacional... E aproveitou. Alias,
enquanto observava as pessoas na plateia pensei justamente nessa questão. Tanta
gente ali reunida em busca de conhecimento. Era como se o palco daquele teatro fosse
uma fonte de água boa e pura, da qual, peregrinos sedentos se aproximam e
saciam sua sede.
Aproveitei
o intervalo de um dos painéis de discussão e conversei com Kid, no fim da tarde
do dia seguinte ao que ele tinha proferido a palestra, juntamente com o André
Heller. Os dois falaram sobre o tema: “Da Prática Esportiva
à Gestão: Novos Rumos Pós Carreira Profissional.”
No
salão, próximo a entrada do auditório, havia muitas pessoas. Tal como na noite
anterior, muita gente se aproximava, querendo falar com o Kid, tirar uma foto
junto com ele. Fiquei reparando na gentileza e humildade com que ele recebia a
todos, certamente, também uma herança do mundo do esporte, quando ele tinha que
ser cordial com as milhares de pessoas que o procuravam, ás vezes, buscando
apenas um sorriso, uma foto.
Fiquei
por ali por perto, quando já era anunciado o retorno das atividades dentro do
auditório, aproximei-me dele e perguntei:
—
Kid, pode me conceder uma entrevista?
—
Claro, respondeu ele, atenciosamente.
Tranquilo,
sorridente e com a atitude de um homem que se encontrou na vida, Kid falou da
carreira, do por que da escolha pelo Direito, e de quais aspectos positivos
trouxe do Vôlei para a área jurídica. Revela também do onde vem o apelido
“Kid”, que muita gente acha que vem do inglês, Kid (garoto). Na verdade, o apelido tem
uma origem bastante pitoresca e engraçada.
José Flávio — Você se dedicou 28 anos ao Vôlei?
Kid — Isso. Joguei 28 anos de
Voleibol, sendo que desses 28 anos, 10 foram pela Seleção Brasileira.
José Flávio — Aí você
encerrou a carreira...
Kid — É depois desses vinte e oito
anos, eu resolvi encerrar minha carreira porque tanto psicologicamente, quanto
fisicamente eu estava bastante desgastado. Foram 28 anos maravilhosos dentro do
Voleibol, dentro do esporte. Não me arrependo de nada do que fiz. Ganhei.
Perdi. Chorei. Sorri. Fui campeão. Fui vice. Só não fui o último. Em nenhum
campeonato eu fui o último. Muitas vezes não cheguei a ser campeão, mas foi uma
passagem muito brilhante na minha vida, esses vinte e oito anos de Voleibol e,
como eu falei, no debate que nós tivemos, na noite de ontem, quatro anos antes
de me aposentar, eu já me preparei para essa aposentadoria, que, na verdade,
não é uma aposentadoria, é um encerramento de um trabalho, porque todo mundo
sabe que fora o futebol, as outras modalidades não tem um respaldo para cuidar
desses jogadores que encerram a sua carreira. Então, quatro anos antes eu
procurei estudar — no próximo ano eu já estou me formando. Muitas vezes eu tive
que parar de estudar, por isso que o tempo se alongou tanto. Tive que para de
estudar, justamente, por causa do Voleibol, que é um esporte de alto
rendimento, e muitas vezes não tinha condição de ficar indo e voltando da
faculdade para comparecer às aulas.
José Flávio — Por que você escolheu o Direito?
Kid — Eu escolhi o direito,
justamente, uma porque eu já tenho o CREF (Conselho Regional de Educação
Física), provisionado, porque na época que tinha as leis que ditavam como seria
o CREF provisionado, eu já tinha todos os pré-requisitos. Tinha jogado alguns
anos na Seleção. Tinha tido escolinhas de Voleibol, que eram alguns dos
pré-requisitos pra esse CREF, então, não tinha nenhuma intenção de ser técnico.
Não tenho esse cacoete, não tenho esse perfil e eu gostava e gosto
muito de ler. Então, minha esposa, Andreia Teixeira que também é jogadora, me
orientou a seguir essa carreira do Direito. Eu procurei me informar, procurei
ler um pouco a respeito e gostei. Desde o primeiro semestre me apaixonei, e não
quero parar tão cedo.
José Flávio — Em qual Faculdade você cursa Direito?
Kid — Eu estudo na Faculdade Avantis,
em Balneário Camboriú, Santa Catarina.
José Flávio — A que você atribui a falta de políticas que
orientem, auxiliem os profissionais do esporte quando chega o momento de
encerrar a carreira?
Kid — Porque as pessoas que fizeram
as leis desportivas pensaram somente no futebol. Porque, justamente, o futebol
era a paixão nacional, e é ainda hoje uma paixão nacional, mas eles se focaram
somente em uma modalidade que seria o futebol e logo depois, nós tivemos o
Voleibol, o Basquete e outras modalidades olímpicas que se destacaram e tem,
tanto quanto, ou mais títulos que o futebol.
José Flávio — Em
sua passagem pelo esporte, você certamente adquiriu muitos valores próprios
dessa atividade. Quais desses valores você está trazendo do esporte para a área
jurídica?
Kid — Uma das coisas que aprendi é que tenho
que ser uma pessoa muito regrada, sempre... Então, uma das coisas que eu levo para o Direito, é
essa disciplina que eu adquiri junto com o Voleibol e também as amizades que eu
montei, que eu formei dentro do esporte. Levo também para o Direito esse
intuito de cada vez mais fazer amigos. Eu estou vendo nesse Congresso que tem
vários amigos e alguns fãs, que eram das quadras. Durante essa minha estada
agora, passando para o outro lado, o lado do direito, eu quero ver se me firmo
cada vez mais, como foi a minha trajetória dentro do Vôlei.
José Flávio — Você
já trabalha na área jurídica?
Kid — Sim, já trabalho. Tenho um escritório
de advocacia em Balneário Camboriú. Já atuo na área. Só não assino como
advogado porque eu ainda não posso, pois ainda não tenho carteira de advogado.
Vou prestar o exame da OAB agora no fim do ano.
José Flávio — O
ramo do Direito escolhido por você foi o Direito Desportivo?
Kid —
É Direito Desportivo, mas no meu escritório também tem Direito do
Trabalho e Civil.
José Flávio — Ontem
na palestra que proferiu, você falou que no início da carreira te chamavam de
“que desgraça” (ki desgraça) e daí veio o apelido de Kid...
Kid — É quando eu comecei a jogar, eu era
muito desastrado, ia passar a bola e batia no jogador. Tem uma passagem que eu
lembro, foi quando eu estava jogando na Sadia, eu tinha 16 anos ainda, eu fui
buscar uma bola e fiquei olhando só para a bola e esqueci que tinha o poste que
segura a rede na frente. Eu fui direto com meu corpo no poste e caí para trás,
quase desmaiei. Essa é uma das coisas que eu fazia na época em que era muito
desastrado. Daí o pessoal falava “que desastre”. Meu Voleibol foi melhorando um
pouquinho, tiraram o desastre e ficou só Kid.
José Flávio — Estamos
falando de uma questão de superação de limites. Pois ali você tinha dois caminhos:
Ou você desistia ou seguia em frente com o propósito de melhorar...
Kid — É exatamente, ou eu me abatia e parava
ou...
José Flávio — O
que te motivou a ir em frente?
Kid — O que me motivou foi a vontade de
mostrar para os outros que eu era capaz. Então eu sempre tive uma vontade muito
grande de mostrar para as pessoas que eu era capaz de fazer isso. Voltando a
pergunta que tu fez, indo contra a ideia de todos, o atleta, normalmente, (Kid falava nesse momento do encerramento da
carreira), todos acham que o atleta tem que ir para a Educação Física.
Então, isso é mais um motivo para eu ir contra essa ideia. Quero mostrar que o
atleta também pode ser um superprofissional em outra área, não só na Educação
Física.
José Flávio — É
uma atitude bacana essa sua...
Kid — Obrigado.
José Flávio — Obrigado
pela entrevista...
Kid — Eu é que agradeço. Um abração a todos.
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