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A Grande Família: Um programa que vai deixar saudades
Posted by Cottidianos
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23:25
O
ano era 1970 e, em plena ditadura militar, a Globo levava ao ar a série
humorística, A Grande Família, criada
por Marcos Freire e roteirizada por Oduvaldo Vianna Filho, Max Nunes, Armando
Costa e Paulo Pontes. A série conquistou os telespectadores ao apresentar, de
forma engraçada, os costumes de uma família de classe média brasileira. O tom
de crítica social era feito sempre de forma criativa e divertida.
Viver
sob regime ditatorial não agrada a ninguém, mas a mordaças e o medo da repressão
impede que manifestações contrárias sejam feitas às claras. Se há alguma
crítica a tal regime ele deve se dar de forma velada. Não contentes com a
situação de repressão, Marcos Freire, criou o personagem Júnior, que encarnava
os jovens estudantes idealistas que lutavam para derrubar o regime. Muitos
desses jovens militantes foram exilados, outros não tiveram a mesma sorte e
foram torturados e mortos nos porões da ditadura, sob a conivência de militares
impiedosos. Mesmo fazendo críticas veladas, o programa foi alvo da censura:
foram cortadas cenas e, até mesmo, episódios inteiros.
Além
de Junior, havia outros personagens fazia o público rir. Eram eles; Lineu
(Jorge Dória), Nenê (Eloísa Mafalda), Seu Flor (Brandão Filho), Júnior (Osmar
Prado), Tuco (Luiz Armando Queiróz), Bebel (Djenane Machado/Maria Cristina
Nunes) e Agostinho (Paulo Araújo).
O
Programa humorístico, que de início inspirou-se no sucesso da TV
norte-americana, All in the Family, foi ao ar entre 26 de outubro de 1972 e 27
de março de 1975. O programa caminhava bem e tinha uma audiência excelente,
porém a morte de Oduvaldo Viana Filho, mais conhecido como Vianinha, que aos 38
anos de idade, foi vítima de câncer no pulmão, abalou a toda a equipe. O clima
de tristeza e pesar impediu a continuação do trabalho e, no dia 27 de março de
1975, a Rede Globo exibia o último capítulo do humorístico que tantas alegrias
trouxera a um Brasil que vivia sob as nuvens cinzentas do regime ditatorial.
Em
29 de março de 2001, vinte e seis anos após o último capítulo da primeira
temporada, a globo apostava na ideia e estreava o remake da Grande Família.
Algumas modificações foram feitas, como por exemplo, a exclusão do jovem
militante, Junior, o contexto agora era democrático e o personagem, se
ressuscitado, viveria como peixe fora d’água. A profissão de Lineu, que na
primeira versão era veterinário, passou a ser funcionário público. As críticas
políticas também deixaram de existir. Particularmente, acho que deveria ter
sido mantido esse viés, pois se não vivemos uma ditadura ferrenha, ainda não
vivemos plenamente em democracia, uma vez que muitos dos direitos fundamentais
ainda são negados à maioria de população. Vivemos também uma realidade em que o
sentido do “ser político” foi tão banalizado que perdemos a confiança na classe
política.
Acho que isso deveria ter sido explorado pelos criadores do programa.
A intenção era fazer uma homenagem a primeira versão do programa, e seriam
gravados apenas doze episódios, que aumentaram para 17. O sucesso foi tão
grande que a série foi sendo deixada no ar por anos seguidos.
Nas
noites de quinta-feira, era gostoso ligar a TV a ver a abertura do programa e
ouvir a música “Essa família é muito
unida e também muito ouriçada…” e, em seguida, ver a dedicação de Dona Nenê
(Marieta Severo) à família e ao marido Lineu (Marco Nanini); o malandro
Agostinho Carrara (Pedro Cardoso); Tuco (Lúcio Mauro Filho) o filho rebelde do
casal; Bebel (Guta Stresser), filha de Lineu e Nenê e mulher de Agostinho,
dentre outros personagens agradáveis e divertidos.
De
2001 a 2003, o programa deslizava nas asas da audiência. Porém, em 24 de julho
de 2003, a morte visitou A Grande Família mais vez, levando dessa vez, o
excelente ator, Rogério Cardoso, que interpretava o personagem, Seu Flor, pai
de Nenê, usando como desculpa um infarto fulminante. A morte do ator causou
muita tristeza no público em geral, e mais especificamente, no público de A
Grande Família e no público de Zorra
Total, onde o ator também tinha um divetido quadro ao lado de Santinha
(Nair Belo).
Uma
dúvida pairou sobre os telespectadores: Iria A Grande Família, ter forças para
suportar essa perda. Na série, o personagem de Rogerio Cardoso também faleceu e
o programa continuou, sempre em audiência.
Com
o passar dos anos, vários personagens passaram pela vida da família mais
querida do Brasil; Beiçola (Marcos Oliveira), dono da pastelaria do bairro e
eterno apaixonado por Nenê. Marilda (Andréa Beltrão), cabeleireira e amiga de
Nenê. Natália Lage (Gina, namorada de Tuco), Tonico Pereira (Mendonça, chefe de
Lineu na repartição pública) e Evandro Mesquita (Paulão, dono da oficina
mecânica).
Desde
sua estreia a série tornou-se um grande sucesso de público e crítica, tendo
sido considerado o programa humorístico mais assistido da TV brasileira. O
gostoso foi ver como a família foi se moldando às transformações pelas quais a
sociedade do mundo real também passou. Por exemplo, no início, Dona Nenê apenas
cuidava dos afazeres domésticos, depois também passou a trabalhar fora de casa.
Uma família também ganha novos membros e, na família de Nenê e Lineu, nasceu o
neto, Florianinho, Filho de Bebel e Agostinho.
Não
se pode dizer também que, durante quatorze anos no ar, houvesse alguma
temporada em que as histórias estivessem ruins, ou que o enredo estivesse
fraco, ou coisas desse tipo. A Grande Família foi realmente grande do início ao fim. Sempre com
programas de alto nível. Também em relação ao elenco podemos dividi-los em dois
grupos: excelentes atores e bons atores, nunca atores medíocres.
É
uma pena, mas essa delícia de programa, com esses personagens que o Brasil
aprendeu a gostar, e com eles dar boas risadas, chega ao final na
noite desta quinta-feira (11).
A
metalinguagem dará a tônica ao enredo do último capítulo do humorístico.
Metalinguagem, nada mais é que uma linguagem que fala de si mesma, já que
estamos falando de um humorístico, eu diria que a metalinguagem é rir de si
mesmo, fazer da piada da própria piada, ou ainda, botar uma roupa de palhaço e
dar risadas das próprias caras e bocas.
A
família Silva estará em casa e de repente toca o telefone. Tuco, filho de Lineu
e Nenê, vai atender e, para surpresa de todos, do outro lado da linha está o
conceituado diretor de programas da Rede Globo, Daniel Filho. A proposta de
Daniel é criar um programa humorístico inspirado na família de Lineu e Nenê.
Lineu “fica com pé atrás”. Argumenta que eles não engraçados o suficiente para
inspirar um programa de humor. Quando ele fica sabendo que o ator que vai
interpretar o papel dele é o excelente Tony Ramos, muda de ideia e apoia o
projeto.
A
partir daí, os telespectadores começam a ver um seriado dentro de outro
seriado, sem, contudo, deixar cair a qualidade do elenco. Estão escalados para
esse gran finale, grandes atores do nível de Tony Ramos, Glória Pires, Lázaro
Ramos, Alexandre Borges, Marcelo Adinet, Debora Secco, dentre outros. Com essa
metalinguagem, o último episódio, de certa forma, apresenta uma ideia de
continuísmo.
Para
a equipe que nos brindou com um programa de alta qualidade, certamente será bem
difícil, esse acabar o programa. Penso que talvez seja um pouco como sentimento
de uma separação amigável. Afinal, para os membros da equipe, o grupo se tornou
uma segunda família. Esse sentimento é tão forte e presente que, por várias
vezes, Marieta Severa, a Dona Nenê, chorou durante as gravações do último episódio,
contagiando todo o set de gravações.
Na
televisão mundial, é muito raro um programa ficar 14 temporadas no ar, mantendo
sempre a boa qualidade dos programas. Dizem que o programa só vai acabar porque
o elenco sente vontade de se dedicar a outros projetos, novas criações. É um direito
que lhes compete. Nós os agradecemos por terem nos brindados com suas
trapalhadas e confusões por tanto tempo.
Vamos sentir saudades.
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