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Menino Bernardo Boldrini: Uma luta em prol da justiça e da verdade

Posted by Cottidianos on 00:22
Sábado, 30 de agosto


Quem quiser saber quem sou
Olha para o céu azul
E grita junto comigo
Viva o Rio Grande do Sul.
O lenço me identifica
Qual a minha procedência
Da província de São Pedro
Padroeiro da querência”.


(Querência Amada – Teixeirinha)



A via terrena é uma oportunidade de aprendizado. Tornando essa questão mais fácil de ser compreendida, eu diria que ela é o jardim de infância da escola da existência eterna. Todo o homem e mulher deveriam, ao acordar pela manhã, e à noite ao dormir, dar graças ao Deus, Pai e Criador, pela oportunidade de estar caminhando por estas terras, de estar olhando para estes céus, e por estar diante de sua maior provocação, desafio, inquietude e aprendizado que é o seu próprio semelhante. O outro nos provoca, nos ensina a sermos melhores. A não aceitação do outro, porém, nos leva ao outro lado da balança que á a vaidade, a ambição desmedida, o egoísmo em sua forma mais terrível e cruel.

Eu poderia ter nascido em qualquer lugar do planeta, mas nasci no Brasil, no Rio Grande do Sul. Foi bom ter convivido numa terra tão bela, tão cheia de encantos. Era criança, mas gostava de saborear um bom churrasco, tomar um delicioso chimarrão. Ficava maravilhado com o céu azul que cobria aqueles pampas e do manto estrelado com que a noite envolvia aquelas serras. Era tudo tão belo, tão mágico. Usando “Bah tchê”, uma expressão típica do povo de minha terra, que significa admiração, eu diria: “Bah, tchê, que terra linda que é o meu Rio Grande do Sul”!

Vivi num corpo de menino, cresceria e me tornaria um homem consciente de suas responsabilidades para com aqueles que sofrem, que são desassistidos e que estão à margem da sociedade, mas fui vítima de pessoas gananciosas e cruéis. Sofri muito nas mãos delas. O sofrimento tem muito a ensinar aos viventes, é um bom professor. Ninguém quer sofrer, mas se ele atravessa nosso caminho, aproveitemos essa ocasião para crescermos, e fazer da tribulação uma oportunidade de evoluir.

Tudo ia bem em minha vida, até que um demônio chamado Graciele Ugolini entrou em nossa vida. Quando digo nossa, refiro-me à minha mãe Odilaine e ao meu pai Leandro Boldrini. Essa mulher chamada Gaciele, começou a trabalhar como secretária na clínica onde meu pai desenvolvia suas funções de médico e logo enredou meu pai com sua sedução, beleza e mentiras. O casamento de meu pai começou a andar para trás. As brigas entre ele e minha mãe tornaram-se frequentes e não houve outro caminho possível que não fosse a separação entre os dois. Como pano de fundo para todas essas crises estava Graciele. A jovem, tal qual a monstruosa divindade grega, Medusa, transformou em pedra o coração de meu pai.

Não sei por que, mas algo me dizia que o pior ainda estava por acontecer... E aconteceu. Certo dia, encontraram minha morta na clinica de meu pai, da qual ela também era sócia. O fato aconteceu no dia 10 de fevereiro de 2010. Dizem que foi suicido, porém depois de tudo o que aconteceu comigo, tenho minhas dúvidas em relação a essa versão para o crime. Minha mãe não falava em suicido. Não me lembro de tê-la ouvido pronunciar esta palavra. Quando ocorreu essa tragédia, faltavam apenas três dias para que fossem assinados os papeis do divórcio.

O fato é que a morte de minha mãe alterou complemente o rumo de minha vida... E mudou para pior. Minha mãe era super carinhosa comigo, me tratava muito bem, como todas as mães devem cuidar de seus filhos. De repente fui jogado no abismo da solidão e do abandono. Pouco tempo depois da morte de minha mãe, Leandro Boldrini, casou-se com Graciele. Desse dia em diante, minha paz acabou de vez e eu passei a viver em um ambiente mais parecido com o inferno do que com um lar. Por não encontrar carinho e amor, tão necessários a qualquer pessoa e, principalmente, a um garoto de onze anos que acabou de ficar órfão de mãe, fui procurar esses sentimentos nos vizinhos e amigos. Foram estes que me ajudaram a tornar minha cruz mais leve. Agradeço a todos que cuidaram de mim. Agradeço, especialmente, ao casal Carlos e Jussara Petry, que cuidavam de mim mil vezes melhor do que meu pai e minha madrasta.

Tudo isso de que vos falei ainda não era o pior... O pior ainda estava por acontecer. Um dia, minha madrasta me levou para a cidade de Frederico Westphalen, me deu uma injeção letal e, com ajuda dos irmãos Edelvânia e Evandro Wirganovicz, colocaram meu corpo em um buraco, na área rural de Frederico Westphalen, e jogaram soda caustica por cima para que os vestígios do crime fossem rapidamente apagados. Felizmente, a polícia agiu rápido e descobriu toda a história. O crime chocou a cidade de Três Passos, onde eu morava, e causou comoção em todo o país.

O meu assassinato ocorreu no dia 04 de abril deste ano, mas meu corpo somente foi encontrado no dia 14 do mesmo mês. Tinha onze anos de idade quando sofri essa crueldade.

Foram presos: Graciele Ugulini e os irmãos Edelvania e Evandro Wirganovicz. Meu pai Leandro Boldrini, foi preso acusado de ser o mentor intelectual do crime.

Essa semana, Três Passos esteve novamente agitada. Todas as atenções se dirigiram ao prédio onde funciona o Fórum da cidade. O motivo era a realização da primeira audiência desse processo criminal, na terça-feira (26).

Edelvânia e o irmão compareceram, mas meu pai e Graciele, resolveram não participar e o juiz atendeu a esse pedido. Segundo o entendimento do juiz, eles tinham o direito de não estarem presentes a essa audiência, uma vez que eles somente serão ouvidos em audiências posteriores.

Uma das provas reveladas nessa audiência refere-se a um vídeo ao qual a polícia teve acesso, após uma perícia no celular de meu pai, Leandro Boldrini. Após minha morte, papai apagou o vídeo que testemunhava contra ele próprio. Mais uma vez, o trabalho dos peritos se revelou eficiente eles conseguiram recuperar o vídeo.

Lembro-me bem dessa discussão. Foi num sábado à noite. Foi uma situação muito tensa que ilustra muito bem o que acontecia comigo dentro de casa. A discussão foi tão forte e eu gritava tão desesperadamente por socorro, que os vizinhos chamaram a polícia. Os policiais de fato vieram ver o que estava acontecendo, porém, os dois conseguiram convencer os policias de que não havia nada de errado e tudo ficou por isso mesmo. Não foi apenas uma discussão, foram várias iguais ou piores que essa, cujo relato vocês podem conferir abaixo, tal qual está relatada nos autos:

Bernardo: Socorro! Socorro! Socorro!

Graciele: Vai lá. Vai lá pedir socorro. Vai lá.

Bernardo: Vão vocês.

Graciele: Tu que tá pedindo! Tu que tá gritando!

O menino Bernardo acusa a madrasta de bater nele e o pai defende Graciele.

Leandro: Quem que começou a fazer isso?

Bernardo: Vocês me agrediram.

Graciele: Vai lá.

Bernardo: Tu me agrediu.

Graciele: E vou agredir mais. Pra fazer tu abrir a boca e falar de mim, vou agredir mais.

Leandro: Fica xingando ela, ninguém merece ser xingado, né?

A madrasta faz ameaças mais graves.

Graciele: E vou agredir mais. Não fiz nada em ti.

Bernardo: Fez sim, tu me bateu.

Graciele: Tu não sabe o que eu sou capaz de fazer.

Bernardo: Tu me bateu.

Graciele: Tu não sabe.

Bernardo: Tu me bateu.

Graciele: Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Prefiro apodrecer na cadeia do que ficar brigando nessa casa, contigo incomodando. Tu não sabe do que eu sou capaz.

No fim do gravação, o menino é ameaçado de morte.

Bernardo: Minha mãe queria que tu morresse.

Graciele: Tu não sabe do que eu sou capaz. Vamos ver quem tem mais força. Vamos ver quem tem mais força. Ah, nós vamos ver quem tem mais força.

Bernardo: Quando tu morrer...

Graciele: É, nós vamos ver quem vai para debaixo da terra primeiro.

Bernardo: Tu. Tu vai.

Graciele: Então tá, se tu tá dizendo.

Em outras ocasiões meu pai me dopava. Para ele era fácil conseguir os medicamentos que me deixavam meio tonto, meio bobo e sonolento.

Mas voltemos à situação atual.  Houve interdição das ruas que ficam nas proximidades do Fórum com a finalidade de proteger tanto as testemunhas de defesa, quanto as de acusação. Cerca de 40 policiais cuidaram da segurança. Ao todo, 77 pessoas foram arroladas como testemunhas, sendo 25 pelo Ministério Público e 52 pelas respectivas defesas.  Desse total, 33 foram ouvidas esta semana e as demais serão ouvidas por carta precatória, que é um modo da Justiça ouvir testemunhas que estão em diferentes cidades daquela na qual está sendo desenvolvido o processo. 


Dias atrás, Graciele escreveu uma endereçada à Justiça. Ela está detida na Penitenciária de Guaíba, Região Metropolitana de Porto Alegre Na carta, ela reclama, diz que é humilhada pelos funcionários que ali trabalham, dentre outras reclamações. Em um trecho da carta ela diz: “Estou ficando doente, tenho dores de cabeça diariamente, tenho dor na coluna por causa do colchão que é um pedaço de espuma, tenho dores no corpo de tanto frio. Minha pele está descamando, meus cabelos caindo e não durmo nem cinco horas por dia”. Em outro trecho ela afirma: “Não tem tomada para uma televisão, nem para esquentar água para um café. A cela é fria, úmida e não bate sol. O pátio de receber visitas é um brete, pior que um canil. Não pega um raio de sol e não tem como caminhar".

Pobrezinha de minha madrasta. Deve estar sofrendo muito. Para quem costumava levar uma vida de madame, a prisão não deve ser mesmo nada confortável. Além das queixas, ela pede também uma transferência para presídios da Região Noroeste do Estado, com o objetivo de ficar mais perto da minha irmã — Um bebe com pouco mais de um ano e seis meses. O juiz não viu argumentos convincentes na carta e negou o pedido de transferência. Há na carta uma inversão de valores, com Graciele colocando-se na condição de vítima. O mais triste nisso tudo, é que na carta escrita por ela, não há o menor sinal de arrependimento, nem pedido de perdão, ou algo semelhante. A preocupação é apenas com ela mesma. Sempre foi assim e não acredito que houvesse mudança em um coração de pedra em tão pouco tempo.

Recebi permissão para vir acompanhar a tramitação desse processo. Não desejo vingança, pois esse sentimento turva as límpidas águas nas quais navega meu espírito e também mancha as minhas vestes brancas, tornando-as pesadas e difíceis de usar. Meu desejo é que se faça justiça. Havendo justiça, haverá punição e, havendo punição, outros pensarão duas vezes antes de cometer as mesmas barbaridades. A justiça também acalmará os corações daqueles que me amavam e que ainda me amam, pois amor que é verdadeiro não morre nunca.

Despeço-me de vocês, apesar de permanecer por aqui mais um pouco. Deixo-vos com a paz que vem do alto. Peço também em nome de todas as crianças que foram e que são vítimas de adultos cruéis e insensíveis. Que  elas sejam consoladas, amparadas e acolhidas pelas boas vibrações que nos são enviadas a cada segundo pelos anjos guardiões que, do mundo espiritual no qual habitam, nos protegem, nos iluminam e nos guardam.

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