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Do céu ao inferno: A historia do médico-monstro, Roger Abdelmassih
Posted by Cottidianos
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Quarta-feira,
20 de outubro
"Era
um final de tarde. Eu e meu marido fechamos um pacote com três tentativas de
fertilização por cerca de R$ 32 mil, em 1999, com o próprio Roger Abdelmassih.
No mesmo dia, colhi sangue e fiz um ultrassom intravaginal. O exame apontou um
problema em uma das minhas trompas. Marcamos a cirurgia para uma semana depois.
Dias após a operação, voltei na clínica para a retirada de um ponto no umbigo
No procedimento, ele sangrou, tive muita dor e entrei chorando na sala do dr.
Roger. Enquanto me consolava, ele dizia: 'Você é uma paciente, está em um
momento delicado da vida.' Ele me abraçou e, enquanto eu chorava, tentou me
beijar.
Como
eu estava com batom vermelho, virei o rosto e manchei o jaleco dele. Saí da
sala e fui embora sozinha. Meu marido estava viajando, na época. Parei em um
posto de gasolina e fui ao banheiro. O cheiro do dr. não saía de mim, aquele
cheiro de éter. Como já tinha pago o pacote de fertilizações, havia feito uma
operação para a retirada da trompa, optei por iniciar o tratamento. Voltei à
clínica quase dois meses depois. Lá, fui sedada e meus óvulos foram retirados
para serem fecundados. Encaminhada para uma sala de recuperação, acordei com o
dr. Roger apalpando os meus seios. Meio sonolenta, pensei: 'Acho que estou
sonhando, não é real, é coisa da minha cabeça.' Meu marido estava me aguardando
na clínica e fomos embora, numa boa. Mas fiquei com aquilo na cabeça, com medo
de falar para qualquer um. Achava que eu tinha ficado com trauma por ele já ter
tentado me beijar. Não engravidei nessa primeira tentativa de fertilização.
Como
tinha mais duas, retornei à clínica 50 dias depois. E fui molestada no mesmo
processo. Acordando da sedação, ainda grogue, vi que eu estava com o pênis dele
na mão. Ele viu que eu havia despertado, tentei me levantar, cheguei a sentar
na maca. Aí, o dr. Roger abaixou o jaleco, disse 'calma, calma, calma', e saiu
da sala. Saí na sequência, e não o vi mais ali na clínica. Fui chorando ao
encontro do meu marido, que estava na recepção. Ele me perguntou o que tinha
acontecido e eu disse: 'Tá doendo'. Mais tarde, meu marido até ligou na clínica
pedindo algum medicamento para a dor. Mas eu teria de voltar na clínica para
fazer a transferência (quando o embrião fecundado é implantado no útero da
mulher), para pegar meu filho, claro. Bom, fui e fiz a transferência. Voltei
para casa e aguardei dez dias para ver se dava certo. Não deu. Aí, eu fiquei
mal.
Estava
irritada, muito gorda de tanto hormônio, com colesterol alto. Foi quando, em
casa, disse ao meu marido que não queria mais ser mãe, que a experiência que
tive com o Dr. Roger estava acabando com meu físico e emocional. E contei para
ele o abuso. Ele ficou revoltado, pensou em denunciar, mas não fizemos isso.
Fui para um spa para emagrecer, quis ficar sozinha. Tempos depois consegui ter
três filhos com a ajuda de um outro especialista em fertilização."
***
O
depoimento acima é da empresária de Mato Grosso do Sul, Ivanilde Vieira
Serebrenic e foi publicada na revista Isto
É Independente, em 16 de janeiro de 2009. Quis colocá-lo na integra, para que vocês
compreendam o que, de fato, acontecia dentro da clinica de Roger Abdelmassih
com Ivanilde e com dezenas de outras mulheres que, ao acalentar o sonho de
embalar um bebê que tivesse nascido de seu próprio ventre, tornavam-se vítimas
de uma mente criminosa.
Todo
esse pesadelo acontecia dentro da clinica de reprodução assistida mais moderna
da América Latina. Localizada em um dos endereços mais valorizados do país, a
Avenida Brasil, centro financeiro e comercial da cidade de São Paulo, o urologista
Roger Abdelmassih, desenvolvia ali um primoroso trabalho, possibilitando a
muitas milhares de mulheres, realizar o sonho da maternidade. O dr. Roger havia
se tornado um dos pioneiros em fertilização in
vitro mais famosos do país em sua área. Em vinte anos de atividade, pelas suas
mãos, já haviam nascido mais de 7.500 bebês através do método de reprodução
assistida.
O médico
de alto gabarito cobrava caro pelos serviços que prestava, á época: Cobrava por
três tentativas de inseminação artificial, a quantia de 30 mil reais. Chegava a
investir, por ano, a quantia de 1 milhão de dólares em pesquisas científicas
que garantissem o sucesso das gestações realizadas em sua clínica.
Por
esse motivo sua clínica era frequentada por gente muito famosa. Quem adentrasse
o luxuoso ambiente podia ver, espalhadas pelas paredes, fotos do médico
sorridente, ao lado de personalidades como ex-presidente Fernando Collor de
Melo, Pelé, a atriz Luiza Tomé, o humorista Tom Cavalcanti, o apresentador de
TV Gugu Liberato, e muitos outros.
Entretanto,
longe das câmeras, dos holofotes e dos flashes, e aproveitando-se da segurança
que lhe ofereciam as quatro paredes de seu escritório, o dr. Roger tirava a
fantasia de médico e vestia a de
monstro. Enquanto as pacientes estavam em estado de sedação e topor, Roger se
aproveitava para ter beijá-las, tocá-las, acariciar suas partes intimas e, até
mesmo, praticar relações sexuais com elas. Dentro das salas de exames, as mulheres
passavam da condição de pacientes para as de vítimas, em poucos minutos.
A
máscara de bom moço começou a cair, de fato, em maio de 2008, quando uma
ex-funcionária da clinica procurou o Ministério Público e relatou aos
promotores que o Dr. Roger havia tentado beijá-la a força. Baseados no relato
da testemunha, os policiais do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime
Organizado (Gaeco), começaram a investigar, silenciosamente, o médico.
Em
agosto daquele mesmo ano, o Ministério Público intimou Abdelmassih a depor,
porém, ele não compareceu. Mesmo sem o depoimento do médico, os promotores
resolveram oferecer denúncia contra o médico. A denúncia foi recusada, porque
no entendimento da juíza Kenarick
Boujikian, a investigação era exclusividade da polícia.
De
fato, a polícia abriu um inquérito, porém, a peça desapareceu dentro do
Departamento de Inquéritos Policiais, em novembro, e só foi encontrado um mês
depois, quando foram reiniciadas as investigações.
Enfim,
em junho de 2009, baseado no depoimento de 40 ex-pacientes da clinica de reprodução
assistida mais famosa do Brasil, o médico foi indiciado pelos crimes de estupro
e atentado violento ao pudor.
No
dia 17 de agosto de 2009, foi decretada da prisão de Roger Abdelmassih. Era 23
de Dezembro, vésperas de Natal. Fazia quatro meses que o monstro estava na
prisão. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal resolveu, então, lhe dar um
presente natalino, concedendo-lhe uma liminar permitindo que o monstro
aguardasse a sentença em liberdade.
Como
não havia provas materiais, o depoimento das vítimas foi essencial para o
andamento do processo. Foram ouvidas mais de 200 testemunhas, sendo 130 de
defesa e 35 mulheres que haviam feito tratamento na clínica e sofrido abusos
sexuais por parte do urologista.
Em
23 de novembro saiu a sentença definitiva condenando o médico a 278 anos de prisão.
A autora da sentença foi a juíza da 16a Vara Criminal de São Paulo
Kenarik Boujikian Felippe. No início de 2011 a prisão de Roger foi pedida pela
promotoria, tendo sido acatada pela justiça. À justiça, as vitimas relataram o
abuso que haviam sofrido nas salas de consulta e de recuperação da clínica,
localizada no bairro nobre paulista. Disseram que quando estava voltando da
sedação, ainda semiconscientes, eram envoltas pelo médico, que as abraçava e as
acariciava, beijando a boca delas e apalpando os seios. Acrescentaram ainda que
não falavam nada aos maridos por medo e por vergonha, como é comum em caso de
estupros. As mulheres também relataram que se sentiam intimidadas com a fama e
a popularidade do médico. Afinal, seria a palavra delas, contra a palavra de um
médico renomado.
Aproveitando-se
do fato de estar respondendo o processo em liberdade, Roger Abdelmassih, fugiu
do país sem deixar vestígios. Estava morando em San Cristóbal, bairro nobre de
Assunção, capital do Paraguai. Levava uma vida bastante confortável, residindo
em uma luxuosa casa, na qual vivia com a mulher, Larissa Maria Sacco, de 37
anos. Nesta terça-feira, em operação conjunta entre as polícias brasileira e
paraguaia, o médico-monstro foi preso em Assunção, quando saia de um
estabelecimento comercial no bairro de Villa Morrá, um dos bairros mais caros
da capital paraguaia. O local fica bem próximo à escola onde estudam os filhos
de Roger — um casal de gêmeos de três anos. No momento da prisão, o ex-médico
estava acompanhado da mulher e, segundo a polícia, ficou muito abalado com a
prisão.
Roger
Abdelmassih, 70 anos, chegou à sede da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, às 18
horas desta terça-feira. O preso deverá ser transferido para São Paulo ainda
nesta quarta-feira (20).
Teresa
Cordioli, de 63 anos, bacharel em Direito e presidente da Associação das
Vítimas de Roger Abdelmassih, comemorou, juntamente, com as demais integrantes
da associação, a prisão do ex-médico. Teresa é uma das vítimas de Roger, tendo
sido violentada por ele, quando tinha 17 anos, era médica e fazia residência em
um hospital na cidade de Campinas, São Paulo. Por falar em Campinas, a Câmara
Municipal desta cidade, havia concedido em 2002 o título de cidadão campineiro
a Roger Abdelmassih. Em sessão realizada em 06 de março de 2013, os vereadores revogaram,
por unanimidade, essa honraria concedida ao ex-urologista.