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Drama e agonia dos rios do Estado de São Paulo
Posted by Cottidianos
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20:56
Sábado,
23 de agosto
“Tinham deixado os caminhos, cheios de
espinhos e seixos,
fazia
horas que pisavam a margem do rio,
a
lama seca e rachada que escaldava os pés”.
(do romance, Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
Uma obra-prima
da literatura brasileira)
“Quando
olhei a terra ardendo
Qual
fogueira de São João
Eu
perguntei a Deus do céu, uai
Por
que tamanha judiação
Que
braseiro, que fornalha
Nem
um pé de plantação
Por
farta d'água perdi meu gado
Morreu
de sede meu alazão”.
Quando
a dupla Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira compuseram, em 1947, o baião Asa Branca, um dos grandes clássicos da
Música Popular Brasileira, a seca era um problema que afetava, única e
exclusivamente, o nordeste brasileiro. A canção foi gravada inicialmente por
Luiz Gonzaga com enorme sucesso e, posteriormente, regravada por grandes
artistas brasileiros. Realmente, a falta de chuvas era um grande problema que
afetava, principalmente, o nordestino, até bem pouco tempo atrás. Sou
nordestino, mas nunca experimentei o problema da seca em toda a sua
intensidade. Morava no litoral, região privilegiada, abençoada com rios
encantadores, mares belíssimos e extensas áreas de matas virgens. Nunca vi os
rios secarem. Sempre havia para nós da região litorânea, água em abundância. Ao
contrário, o que em algumas estações chuvosas, nos preocupava eram as
enchentes.
O
drama da seca era tão forte no nordeste brasileiro que foi imortalizado no
cinema, nas novelas, minisséries, romances e na música. Era comum o mundo da
arte abordar histórias de migrante nordestinos que se dirigiam ao Sul e Sudeste
do país, em busca de melhores condições de vida.
Hoje,
as coisas estão um tanto quanto diferentes. Por causa das mudanças climáticas o
clima do planeta tornou-se absolutamente imprevisível. Some-se a esse fator, o
crescimento das cidades, a falta de cuidado com o meio ambiente — toneladas de lixo e esgoto são jogadas nos rios todos os anos,
poluindo os mananciais — e uma infraestrutura insuficiente de abastecimento.
Como
diz o refrão da música Planeta Azul,
interpretada pela dupla sertaneja Chitãozinho e Chororó:
Onde
a chuva caía quase todo dia
Já
não chove nada
O
sol abrasador rachando o leito dos rios secos
Sem
um pingo d'água
Quanto
ao futuro inseguro
Será
assim de Norte a Sul
A
Terra nua semelhante à Lua
O que será desse planeta azul?
Por
ironia do destino é a terra onde corria leite e mel, tão almejada pelos
nordestinos, principalmente, na década de 70 e 80, que hoje enfrenta graves
problemas com a falta de chuva. O problema é tão sério que corremos o risco de
ficar com os reservatórios completamente vazios em novembro. Não chove na
região e, em consequência disso, o nível dos reservatórios de água desce a cada
dia.
Há
tempos que venho pensando em escrever esse texto, mas sempre adiando a ideia.
Era como se fosse uma realidade a qual eu não quisesse encarar. Mas, enfim, não
é uma fantasia, nem uma invenção, é duro constatar, mas é uma realidade
plausível.
Dei-me
conta da gravidade da situação quando estava exercitando os músculos, andando
de bicicleta, nas íngremes trilhas de Souzas e Joaquim Egídio. Beirando o rio,
percebi que onde a água jorrava com fartura, escondendo as pedras no leito do
rio, hoje havia algo parecido com filetes de água, correndo entre as pedras,
agora à mostra, como se fosse uma espinha dorsal à vista, ladeada pelas
costelas de um corpo magro. Outro dia, passando pelas represas na exuberante
natureza de Nazaré Paulista vi, pelos bancos de areia formados em torno da
represa, que o nível da água não estava em seu estado normal. Essa situação
acontece com a imensa maioria dos rios do Estado de São Paulo. Eles estão
agonizando.
O
rio de Piracicaba, imortalizado nos versos da canção sertaneja de Sérgio Reis,
que diz: “O rio de Piracicaba, vai jogar água pra fora / Quando jorrar a água
dos olhos de alguém que chora” também não escapa do problema. Ele que é era
atração turística agora é só desolação. Assim diz uma reportagem do jornal
campineiro, Correio Popular: “A imagem é estarrecedora: o leito do Rio
Piracicaba, que antes era tomado pela água, está craqueado. As rochas que
compõem o curso do rio e que produziam belas cascatas estão expostas, e é
possível andar sobre elas e atravessar as margens. Dividindo espaço com fios de
água, espuma branca — devido à alta concentração de produtos químicos, que
chegam com parcelas não tratadas de esgoto doméstico — e lodo, as rochas do rio
mostram a agonia e o cenário da seca que assola o Estado de São Paulo. Ontem,
havia no leito vários peixes mortos, que ficaram “encuralados” entre as pedras
e não sobreviveram sem água.
As
consequências do quadro enfrentado pelos paulistas e paulistanos são
preocupantes, sob qualquer ponto de vista. A água é elemento vital para a vida
humana. Dependemos dela para absolutamente tudo em nossa vida diária. A falta
de água é diretamente sentida nas atividades domésticas. Tarefas corriqueiras
como tomar banho, escovar os dentes, lavar louças, lavar roupas, dentre outras
ficam muito difíceis de serem realizadas sem água.
Na
economia, a falta de água afetaria diversos setores e paralisaria muitos deles.
Em algumas cidades, hotéis e pousadas que ficavam à beira dos rios, e
exploravam a atividade turística ou a pesca, estão tendo suas atividades
paralisadas. Sem água a atividade agrícola retrocederia, as escolas e
universidades teriam de suspender as aulas em alguns dias e horários. Sem falar
do problema que seria causado pela saúde pública.
Em
tudo isso, certamente faltou planejamento. Vivíamos sob a falsa impressão de
que não corríamos o risco de ficar sem água. De repente, ficamos chocados ao
nos deparar com a dura realidade.
Aí entramos no fator político. Mesmo com o
nível dos reservatórios caindo a cada dia, e com as previsões de que as águas
desses reservatórios durem apenas até outubro/novembro, o governo estadual diz
que teremos água até o ano que vem. Enquanto isso, corre para adotar soluções
mágicas que não o prejudiquem na campanha eleitoral, evitando sempre adotar
medidas impopulares. A atitude de “jogar a poeira para debaixo do tapete”, não
é exclusividade de Geraldo Alckmin, governador do estado. O prefeito de
Campinas, Jonas Donizete, também adota um discurso otimista, mesmo sabendo que
o Rio Atibaia — que é responsável por cerca de 95% do abastecimento de água da
cidade — está muito abaixo de seu nível normal, deixando à mostra, as pedras
que antes ficavam no fundo do rio. Os peixes do rio também estão morrendo, pois
o baixo volume de água provoca a diminuição de oxigênio dificultando a
sobrevivência dos cardumes.
É
bem verdade que aqui em Campinas a situação não está em um nível tão crítico
quanto na cidade de Itu, por exemplo, mas penso se não seria o caso de tomar
precauções a fim de evitar o pior. Afinal de contas, diz o ditado popular que
“seguro morreu de velho” e outro que diz “é melhor prevenir do que remediar”.
A
água foge do Sistema Cantareira — composto por seis represas, uma estação
elevatória, 45 quilômetros de túneis e uma estação de tratamento — a cada dia.
Isso tem sido motivo de grande preocupação por toda a equipe governamental e,
principalmente, por toda a sociedade.
Desde
2004 que sabe que São Paulo poderia enfrentar uma crise de desabastecimento de
água. Naquele ano a companhia foi orientada a tomar providências a fim de
evitar que viesse a faltar água. Dentre as medidas a ser tomadas pela companhia
estavam; a elaboração um plano de ação para situações críticas como estiagens
prolongadas, manutenção de programas de reuso da água, uso moderado do produto,
o controle de perda de água, dentre outras.
Essas
recomendações foram guardadas em alguma gaveta e hoje o que vemos são atitudes
desesperada para resolver, o problema, ou para não dar a ele sua verdadeira
dimensão.
Agora
não adianta apenas colocar toda a culpa em São Pedro. Vai que ele fica bravo e
fecha ainda mais as torneiras?
Agora,
tanto o governo, quanto a sociedade devem cumprir sua parte no pacto social: O
governo adotando medidas, mesmo que sejam consideradas impopulares, que venham
a sanar o problema, ou ao menos, amenizá-lo e a sociedade fazendo a sua parte
não desperdiçando o precioso ouro azul.
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