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Um mar de lágrimas no adeus a Eduardo Campos
Posted by Cottidianos
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23:15
Domingo, 17 de agosto
“Todo mundo ama um dia todo mundo chora,
Um
dia a gente chega, no outro vai embora
Cada
um de nós compõe a sua história,
e
cada ser em si, carrega o dom de ser capaz,
de
ser feliz” .
(
Tocando em frente - Almir Sater E Renato Teixeira)
Estou
em Campinas, grande cidade interiorana do Estado de São de Paulo, mas confesso
que gostaria de ter estado, neste domingo, a milhares de quilômetros daqui, na Veneza
Brasileira: A cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco.
Recife
é desses lugares abençoados, presenteados por Deus com uma bela natureza. Suas
belas praias atraem turistas do mundo inteiro. Por não ser uma região fria, as
águas das praias nordestinas estão sempre quentes e convidativas para um
delicioso banho de mar. No período do carnaval, as ruas da cidade ficam repletas
de foliões que se divertem ao som do frevo, do maracatu e com a apresentação dos
bonecos gigantes. As cidades de Recife e Olinda são como duas moças bonitas e
festeiras e muito simpáticas.
Entretanto,
não era por esses motivos que eu gostaria de estar lá. Eu queria mesmo era participar
do sentimento daquela gente que acaba de perder um de seus filhos mais queridos,
de forma totalmente inesperada, em um acidente aéreo. A cidade, assim como todo
o país, está em estado de perplexidade. Porém, em Pernambuco, a dor e a saudade
são ainda mais intensas. Afinal, aquelas terras, aquelas ruas e aquele mar
viram crescer um menino que se tornou um de seus líderes mais amados e
queridos. Um homem que conquistou Pernambuco e, como um corajoso desbravador,
tinha sonhos de ir mais além. Aquele que conquistara sua terra natal queria
também conquistar o Brasil.
Filho
de uma família de forte tradição política no Estado, Eduardo Campos encontrou
em seu avô, Miguel Arraes — homem de grande influencia na política brasileira —
inspiração para seguir o caminho da vida pública. Através de seu trabalho e grande
carisma, Eduardo traçou pelos céus da política pernambucana uma ascensão
meteórica. Foi eleito deputado estadual,
por três vezes disputou eleição para o cargo de deputado federal e venceu as
três. Foi eleito governador de Pernambuco por duas vezes, sempre com grande
numero de votos. Na primeira eleição obteve, em segundo turno, o total de 60%
dos votos e, na segunda, ampliou essa diferença para 80%, tornando-se o
governador mais bem votado do Brasil. Além disso, ainda ocupou o cargo de
secretário da Fazenda de Pernambuco e também exerceu o cargo de ministro da
Ciência e Tecnologia durante o primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Quando deixou o cargo de governador, em abril deste ano, para
concorrer a Presidência da República, seu governo era muito bem avaliado pela
imensa maioria da população pernambucana.
Apesar
de ser neto de um político tradicionalista, Campos resolveu trilhar um caminho
diferente e inovador. Na condição de governador de um importante estado
nordestino, esforçou-se para modernizar o setor industrial da região. Tinha consciência
de que não bastava apenas estender as mãos a indústria, mas também sentia
necessidade de ações que diminuíssem os altos índices de violência que o Estado
ostentava. Resolveu então criar o programa governamental Pacto Pela Vida e,
através dele, conseguiu reduzir em 60% o número de homicídios em Recife. Conseguiu
também ampliar o investimento do setor privado no Estado.
Penso
que Eduardo Campos tenha se dado conta,
juntamente com seu partido, o PSB, de que tinha alçados grandes voos e podia ir
mais além, quando mediu forças políticas com o ex-presidente Lula e venceu. O fato
aconteceu nas eleições municipais para o cargo de prefeito em 2012. Campos
lançou como candidato, Geraldo Júlio, até então, um desconhecido secretario de
governo. Lula apresentou como candidato, Humberto Costa, ex-ministro e nome
bastante conhecido no meio político. Em uma região onde a influência política
do ex-presidente é muito forte, Eduardo Campos conseguiu eleger seu candidato
com larga vantagem de votos, vencendo a eleição com 51,14% dos votos, o
equivalente a 1,1 milhão de eleitores.
Percebendo
a força política que tinha em Eduardo Campos, em 2013 o PSB resolveu sair da
sombra do PT, e todos os políticos do PSB entregaram todos os cargos que ocupavam
no governo federal. Em setembro do ano passado, rompeu com o governo Dilma Rousseff
para lançar-se candidato ao posto mais alto da carreira política no país. Por essa
época, um fato político tomou de surpresa aos eleitores brasileiros e provocou
muito burburinho. A ex-senadora Marina Silva, também queria concorrer à eleição
presidencial, porém, a Rede Sustentabilidade, nova legenda que desejava criar,
não conseguiu o número de assinaturas necessárias para ser registrado. Ela decidiu
então aliar-se ao candidato Eduardo Campos.
Para
o PSB, partido de Campos, o apoio de Marina caiu como uma luva. Afinal, Marina
já havia se lançado candidata a presidente nas eleições de 2010, obtendo uma
expressiva votação. Naquele período ela ainda estava vinculada ao Partido
Verde. Na época da aliança formada pelo PSB e pela Rede Sustentabilidade muitos
comentaristas políticos diziam que isso que não daria certo e que não demoraria
muito para que Eduardo e Marina brigassem. Contrariando todos eles, Eduardo e
Marina mostraram ser uma dupla afinada. Durante todo esse tempo em que
militaram juntos não se teve notícias de que houvessem entrado em atrito. Estavam
em terceiro lugar nas pesquisas, atrás de Dilma e Aécio Neves, porém, com chances
de conquistarem mais eleitores.
Porém,
como as da vida são absolutamente imprevisíveis, veio o roteiro para que fosse
vivido por Eduardo Campos, na quarta-feira, 13 de agosto. Nele estava escrito o
que ninguém desejaria que acontecesse: Naquele fatídico dia, Eduardo Campos viveria
o último dia de sua vida terrena.
Na
manhã do referido dia, Campos acordou com o sol da felicidade brilhando sobre
ele. Estava no Rio de Janeiro, na Praia de Copacabana, tomando café em um
restaurante de hotel, com a mulher Renata e o filho mais novo, Miguel, de
apenas seis meses.
Na
noite anterior, havia estado nos estúdios de TV Globo, onde enfrentara as
perguntas de William Bonner e Patrícia Poeta, apresentadores do Jornal Nacional,
o mais influente telejornal do país. Os jornalistas lhe fizeram perguntas difíceis,
como quando teve que responder sobre o lobby político que havia feito para
colocar sua mãe, Ana Arraes, no Tribunal de Contas da União. Apesar disso,
estava convicto de que havia se saído bem diante das câmeras do telejornal.
Após
a entrevista, a equipe de campanha reuniu-se no restaurante do hotel para
jantar. Em alegre convívio, estavam Eduardo, a mulher, Renata, o filho Miguel, Marina
Silva, Walter Feldman (PSB), deputado federal licenciado que acompanhava
Eduardo em seus compromissos no Rio, e demais assessores de campanha. Marina e
Feldman decidiram que não iriam a Santos no dia seguinte, junto com Eduardo.
Renata Campos também fez a mesma opção, preferindo voltar ao Recife, com o
filho Miguel.
Após
o café no hotel, Renata voltou ao Recife, com o filho Miguel, em avião
comercial, enquanto Eduardo embarcou para Santos. No avião, junto com ele, embarcaram
Pedro Valadares, ex-deputado e assessor pessoal; Carlos Percol, assessor de
imprensa; Marcelo de Oliveira Lyra, cinegrafista; Alexandre Severo Gomes, fotógrafo;
Marcos Martins, piloto e Geraldo da Cunha, copiloto. Este último estava substituindo
um colega, que estava de folga, comemorando aniversário.
Ao
chegar a Santos, encontraram um tempo fechado. Chovia muito e visibilidade era
pouca. Sem condições de enxergar a pista, o piloto, resolveu abortar a aterrissagem
e tentar uma nova aproximação, durante essa manobra, o avião caiu em um bairro
residencial e explodiu, provocando a morte de todos os ocupantes do avião, em
uma tragédia que poderia ter sido bem maior em número de vítimas.
O
que aconteceu de fato, ainda não se sabe, ao certo, uma vez que os registros de
voz do voo foram encontrados. Neles, porém, havia gravações de voz relacionada
a outros voos, mas não daquele que transportava Eduardo Campos. Mais um detalhe
que deve ser aprofundado com as investigações.
O fato
é que hoje, no Recife, uma multidão invadiu as ruas e não estava em festa. Ao contrário,
havia tristeza e perplexidade em seus rostos. As águas quentes e salgadas dos
mares recifenses transferiram-se para os olhos de seus filhos , fazendo com que
deles escorressem rios de lágrimas.
***
Eram
por volta das 23h de sábado quando os corpos de Eduardo Campos e seus assessores
chegaram ao Recife, tendo sido transportados em avião da Força Aérea Brasileira.
Um carro de bombeiro percorreu as ruas da cidade levando os corpos em corpo em
cortejo fúnebre até a sede do governo estadual. Milhares de pessoas à beira do
caminho saudavam o cortejo. O velório foi aberto às 2h30 da madrugada.
Ao
amanhecer do domingo, centenas de pessoas já estavam em frente ao Palácio do
Campo das Princesas, sede do governo estadual, e milhares de outras já haviam
passado pela fila para ver o corpo do ex-governador, Eduardo Campos, do
assessor Carlos Percol e do fotógrafo Alexandre Severo.
Por
volta das nove horas, a viúva de Eduardo, Renata Campos, chegou ao Palácio do
Campo das Princesas e se emocionou ao
ver milhares de pessoas vestidas de preto, em sinal de luto, e muitas outras segurando
bandeiras do PSB, cujo símbolo, é uma pomba.
Às
10h15, a presidente Dilma Rousseff, chegou ao velório, acompanhada do
ex-presidente, Lula. A chegada deles foi saudada por uns com vaias, por outros
com aplausos. Quinze minutos depois,
teve início a missa campal, celebrada em frente à sede do governo, da qual participaram
familiares, políticos de diversos Estados do país e de diferentes correntes
partidárias. Também estavam lá milhares de admiradores. Centenas de coroas de
flores não paravam de chegar ao local. Por toda parte, o que se viam eram
lágrimas, saudades e tristeza.
Antes
dos ritos finais da missa, a atriz Geninha da Rosa Borges, de 92 anos, muito
emocionada, recitou o poema Último Andar, da poetisa, Cecília Meireles.
O
último andar – (Cecília
Meireles)
O último
andar é mais bonito:
Do
último andar se vê o mar.
É
lá que eu quero morar.
O
último andar é muito longe:
Custa-se
muito a chegar.
Mas
é lá que eu quero morar.
Todo
o céu fica a noite inteira sobre o último andar.
É
lá que eu quero morar.
Quando
faz lua, no terraço fica todo o luar.
É
lá que eu quero morar.
Os
passarinhos lá se escondem, para ninguém os maltratar:
No
último andar.
O grupo Êxodo e o Coro de Câmara do
Conservatório pernambucano de Música, com pungentes cânticos, emocionavam ainda
mais as 130 mil pessoas presentes à missa de corpo presente.
As
2h da tarde, foram sepultados no cemitério Morada da Paz, em Recife, o corpo de
Carlos Augusto Leal Filho, conhecido como Percol. No Morada da Paz também foi
sepultado o cinegrafista Marcos Lira. O corpo do fotógrafo Alexandre Severo,
foi cremado na capital pernambucana. Fora de Pernambuco foram sepultados os
pilotos; Geraldo Magela Barbosa da Cunha, 45 anos, em Governador Valadares, no
Vale do Rio Doce e Marcos Martins, de 42 anos, comandante do Cessna 560 XL, em
Maringá (PR). O corpo de Pedro Valadares foi enterrado em Aracaju, Sergipe.
Durante
todo o dia foi grande o clima de emoção no Recife, mais que isso, diria,
comoção.
Quando
a noite já se aproximava, também era hora de dizer o último adeus. Às 6h30, o
filhos de Eduardo carregaram o caixão com o corpo do pai até o jazigo onde
seria enterrado, sob forte aplauso. Enquanto o corpo de Eduardo era preparado
para descer à sua última morada, flores eram jogadas sobre o caixão e o
cemitério era invadido pelas notas tristes de um trompete, executadas por um
músico da Polícia Militar. Mais aplausos. A família se reúne ao redor do caixão
e rezam juntos. A mulher e os filhos de Eduardo se abraçam formando um cordão
humano. No céu uma chuva de fogos de artifícios pareciam lágrimas coloridas a
iluminar o céu. Lágrimas e orações deram cor e tom à emoção durante os mais de
quinze minutos que durou a explosão de fogos. Embaixo dessa explosão de fogos
corria um rio de lágrimas, enquanto mulher e filhos permaneciam abraçados, ao
pé do túmulo.
Após
o fim da queima de fogos, mais emoção tomou conta de todos no cemitério quando
a família e os presentes ao pé do jazigo começaram a cantar a uma só voz: “Ouviram
do Ipiranga às margens plácidas, de um povo heroico o brando retumbante, e o
sol da liberdade em raios fulgidos, brilhou no céu da pátria nesse instante...”.
Depois
dessa exaltação à pátria, era hora de entregar tudo nas mãos de Deus. Todos
cantaram os versos do gospel: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar,
segura nas mãos de Deus e vai. Se a jornada é pesada e te cansas da caminhada,
segura na mão de Deus e vai. Segura na mão de Deus, segura na mão de Deus, pois
ela te sustentará. Não temas, segue adiante, e não olhes para trás. Segura na
mão de Deus e vai...”
Terminados
os ritos funerários, a família e a população começaram a deixar o campo santo. Nele,
ficava repousando o corpo de Eduardo Campos, enquanto o espírito dele segue
para outros aprendizados nos caminhos do Eterno.
Morre
um homem, porém, duas três coisas não morrem nunca: seu espírito, suas ideias e
o amor que ele inspirou em seus semelhantes.
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