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Poesia Matemática
Posted by Cottidianos
on
00:35
Terça-feira,
05 de agosto
Ah,
as fórmulas matemáticas! Nunca me dei bem com elas. Pareciam-me a mim mesmo,
muito complicadas. Mesmo assim, não havia como fugir delas. Fazia parte do
currículo escolar, portanto, armava-me de certa coragem e as enfrentava, mesmo
contra minha vontade. Hoje, há mais métodos mais modernos de ensinar essa
disciplina. Métodos que ajudam a tirar máscara de bicho-de-sete-cabeças que ela
sempre usou, tornando-a mais atraente aos estudantes. Para isso basta apenas um
bom método, uma boa escola e um ótimo professor.
Assim
é o aprendizado: o que é dificuldade para uns, para outros parece tão fácil,
que até mesmo, algumas vezes, chega a parecer brincadeira de criança. Sabe
essas fórmulas matemáticas que davam um nó na cabeça em muitos de nós. Pois,
não é que o saudoso Millôr Fernandes (1923 – 2012) transformou-as em
brincadeira, em poesia, em diversão. Esse gênio das palavras foi juntando
catetos, hipotenusas, retas, curvas e círculos e fez um inteligente, belo e
divertido poema.
Operações de matemática e álgebra são como
blocos de concreto, e de concreto não faz poesia. Que nada, que tem a
sensibilidade como aliada, consegue transmutar até a essência do que é imutável.
Se concreto não desse poesia, Brasília seria apenas uma cidade perdida no meio
do nada, sem forma, sem beleza, sem cor. Porém, através das abençoadas e
criativas mãos de Niemeyer, a cidade que nasceu no ermo serrado, tem linhas de
concreto tão perfeitas, quão perfeitos são as linhas do corpo da mulher amada.
E a música, por acaso, sua essência não é toda
matemática? E quão doces e melodiosos são os sons que se podem obter através da
combinação das sete notas musicais.
Olhe para a vastidão do universo acima de nós.
Universo e infinito são conceitos intrínsecos, não dá para falar de um sem que
se evoque o outro. Também o universo é matemático, ∞ é o símbolo matemático que
se usa para expressar a noção de infinito. Há no campo matemático um infinito
potencial, ou seja, algo que pode ser acrescentado, continuado, prolongado,
tanto quanto se queira, eis aí a infinidade dos números que não nos deixam
mentir.
Também há poesia nas retas paralelas da estrada
do destino que faz duas vidas se encontrar em algum momento da existência,
traçando para sempre entre elas um ponto de intercessão.
Porém, quem
melhor soube misturar elementos e símbolos matemáticos para com eles formar
poesia foi o mestre das palavras chamado Millôr Fernandes. É Poesia Matemática,
o texto de Millôr que hoje apresento a vocês, com a finalidade de distrair, relaxar,
enfim, fugir um pouco da rotina e, ao mesmo tempo, exercitando a nossa máquina
de emoções, pensamentos e sentimentos.
***
Poesia
Matemática
Às
folhas tantas
Do
livro matemático
Um
Quociente apaixonou-se
Um
dia
Doidamente
Por
uma Incógnita.
Olhou-a
com seu olhar inumerável
E
viu-a, do Ápice à Base,
Uma
Figura Ímpar;
Olhos
rombóides, boca trapezóide,
Corpo
otogonal, seios esferóides.
Fez
da sua
Uma
vida
Paralela
a dela
Até
que se encontraram
No
Infinito.
"Quem
és tu?"indagou ele
Com
ânsia radical.
"Sou
a soma dos quadrados dos catetos.
Mas
pode me chamar de Hipotenusa."
E
de falarem descobriram que eram
-
O que, em aritmética, corresponde
A
almas irmãs -
Primos-entre-si.
E
assim se amaram
Ao
quadrado da velocidade da luz
Numa
sexta potenciação
Traçando
Ao
sabor do momento
E
da paixão
Retas,
curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram
os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E
os exegetas do Universo Finito.
Romperam
convenções newtonianas e pitagóricas.
E,
enfim, resolveram se casar
Constituir
um lar.
Mais
que um lar,
Uma
perpendicular.
Convidaram
para padrinhos
O
Poliedro e a Bissetriz.
E
fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando
com uma felicidade
Integral
E
diferencial.
E
se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito
engraçadinhos
E
foram felizes
Até
aquele dia
Em
que tudo, afinal,
Vira
monotonia.
Foi
então que surgiu
O
Máximo Divisor Comum
Frequentador
de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe,
a ela,
Uma
Grandeza Absoluta,
E
reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele,
Quociente, percebeu
Que
com ela não formava mais Um Todo,
Uma
Unidade. Era o Triângulo,
Tanto
chamado amoroso.
Desse
problema ela era a fração
Mais
ordinária.
Mas
foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E
tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como,
aliás, em qualquer
Sociedade.
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