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Na roda de Capoeira Angola

Posted by Cottidianos on 15:44
Sábado, 07 de dezembro

Entrevista Mestre Topete


"A pessoa que pratica capoeira é uma pessoa muito feliz"

Imagem: http://sintoniauniversitaria.com.br/campinas/lagoa-do-taquaral/

No domingo, mês passado, dia 24, por volta das 12h30, peguei minha bike e fui ao Parque Taquaral, praticar um pouco de esporte. Confesso a vocês que, quando subo na bike, tenho a mesma sensação que tem as crianças quando pegam seu brinquedo favorito. Pedalando, experimento uma sensação de liberdade e bem-estar indescritíveis. Naquele dia, o céu nublado e o clima ameno, tornavam as pedaladas mais gostosas. O Taquaral estava cheio de gente caminhando, correndo, pedalando, andando de skate, ou, simplesmente, aproveitando a beleza e a tranquilidade do lugar. O Parque Portugal, em Campinas, conhecido popularmente como Lagoa do Taquaral é uma grande e importante área de lazer. Para lá acorrem, principalmente aos finais de semana, milhares de pessoas.

Havia dado uma volta completa em torno da lagoa, cerca de 5 km, quando, ao passar em frente ao portão principal, logo vi um grupo de pessoas que formavam uma roda. Ao me aproximar meus ouvidos foram captando o cativante som do berimbau. Logo pensei, aí tem capoeira! E pelo toque do berimbau é capoeira da boa. Desci da bike e fiquei admirando a roda.  A capoeira é um misto de dança, arte, esporte, luta. É pura expressão de liberdade. Não poderia ser diferente, uma vez que nasceu sob o signo da opressão, no cativeiro. Quando praticavam a capoeira, era como se os escravos pudessem reviver em solo brasileiro a cultura que haviam sido obrigados a abandonar no distante continente Africano. Fiquei ali, ouvindo aquele som contagiante, uma mistura de alegria com lamento. É um gingado, uma harmonia de movimentos e uma firmeza de atitudes. Uma roda de capoeira é, realmente, algo bonito de se ver. É uma arte.

                                
Imagem: https://plus.google.com/photos/107895687087077111966/albums?banner=pwa

(Na foto acima, comemoração dos 4 anos da Escola Capoeira Angola Resistência, em setembro/2013, no Taquaral)

Enquanto assistia, maravilhado, aquela exibição do grupo capoeirista que ali se apresentava, achegou-se a mim uma jovem que se apresentou como Flaviana. Começou a conversar comigo e me falar da capoeira, dos mestres capoeiristas que ali estavam reunidos. Disse-me que aquela era uma roda de Capoeira Angola. Fiquei interessado no assunto. É frequente andar pelas ruas da cidade e ver rodas de capoeira. Sempre me aproximo admiro, mas nunca procurei me aprofundar no assunto. Depois vim, a saber, que Capoeira Angola é um estilo de luta. Flaviana me falou que ali, naquele momento, a Escola de Capoeira Angola Resistência, realizava o 4º Encontro Cultural de Capoeira Angola. Veio-me a ideia de fazer uma entrevista com alguém do grupo. Quando perguntei com que poderia conversar, ela me apontou um homem que tocava berimbau na roda. Terminada a apresentação me dirigi ao homem indicado. Perguntei-lhe se poderia me conceder uma entrevista. Ele me respondeu rapidamente que sim, envolvido que estava com o evento.

Na sexta-feira fui a uma das unidades da Escola de Capoeira Resistência, no movimentado Terminal Central de Campinas. Quando cheguei lá, por volta das 10h30 da manhã, O mestre Topete havia acabado de dar aulas para uma turma de alunos. Sentado em um dos bancos da escola, com a fala tranquila e serena, como convém a um Mestre ele foi me falando de si mesmo, de seu trabalho e do seu amor pela capoeira.

Mestre Topete nasceu na cidade de Cambira, no Estado do Paraná. É filho de Maria das Graças Ribeiro e Francisco Pucinheira Lacerda. É casado com Márcia Cristina Claro Lacerda, com teve o filho William. Estuda e treina capoeira desde 1986. Começou na Capoeira Regional, porém, quando conheceu a Capoeira Angola, o amor falou mais alto.


                                                                                                Mestre Topete
Imagem: https://plus.google.com/photos/107895687087077111966/albums?banner=pwa


José FlávioMestre Topete, para iniciar nossa conversa, peço que o Sr. fale um pouco de si mesmo e das atividades que desenvolve.

Mestre Topete – Para mim é um prazer estar dando esta entrevista para o Sr. que passou no Taquaral, viu a roda e admirou a roda. Eu nasci em 08 de Janeiro de 1971. Meu nome é Valdisinei Ribeiro Lacerda. Iniciei a capoeira em 06 de julho de 1986, com os Mestres Godoy e Maya, da Capoeira Regional, na qual eu tive uma formação como professor. Depois, em 1989, comecei a estudar e treinar Capoeira Angola, na qual estou hoje. Fundei a Escola de Capoeira Angola Resistência, na qual sou Mestre de Capoeira Angola, e tenho o privilégio de ajudar a comunidade na educação, na socialização, na parte pedagógica, na parte psicomotora, enfim, em todos os aspectos que o indivíduo precisa, necessita.

José Flávio – Mestre Topete, quando encontrei vocês no Taquaral, no domingo, me pareceu uma festa, um momento especial. Era mesmo? O que vocês celebravam?

Mestre Topete – Então... No domingo a gente estava encerrando o 4º Encontro Cultural de Capoeira Angola. Todos os anos a gente realiza um encontro, no qual a gente convida vários mestres de capoeira. Mestre do Estado de São Paulo, mestre do Estado de Minas Gerais, Mestre do Estado do Rio de Janeiro. No domingo a gente tava fazendo o encerramento. O evento iniciou no dia 16 e terminou no dia 24. Ali, estavam presentes Mestres da Bahia, Mestre do Estado de São Paulo, Mestre do Rio de Janeiro e Mestre de Minas Gerais, reunidos em torno de um objetivo: a roda de capoeira. Tinha bastante gente lá no portão da Lagoa do Taquaral. A gente também estava comemorando a avaliação dos alunos. Todos os anos os alunos tem de ser avaliados. É o momento da troca da carteirinha, que é uma identificação dos alunos.  Quem consegue passar de estagio fica muito feliz, também a família, os amigos e para nós também da Escola Capoeira de Angola, é um prazer realizar esse evento junto com a sociedade.

José Flávio – Fui informado pela Flaviana que vocês participaram de algumas atividades durante a Semana da Consciência Negra...

Mestre Topete – Então... Todos os anos tem várias datas que a gente coloca no nosso calendário anual, mas quando a gente realiza o evento anual, a gente entra na Semana da Consciência Negra, durante a qual a gente realiza oficinas com os mestres, palestras, enfim, a gente tem várias atividades para os alunos durante essa semana. A Flaviana... Flaviana de Paula, ela é aluna da escola e agora passou para o 3º estágio. Agora ela é aluna intermediária.

José Flávio – Mestre, a capoeira, o que é? Uma luta, uma dança, uma arte? 

Mestre Topete – Ela é tudo isso que você quiser que ela seja. Só basta que o indivíduo entenda. Mas ela é tudo isso aí e muito mais.

José Flávio – O que muda na vida de um aluno que pratica da capoeira?

Mestre Topete – Com certeza, ele tem uma qualidade de vida melhor. Todos os aspectos físicos e psicomotores a Capoeira Angola oferece. A circulação sanguínea, a condição cardiovascular, enfim, ela oferece vários aspectos que o indivíduo necessita, né? Então, não significa que quem é praticante de capoeira tenha uma saúde melhor, mas eu quero deixar bem claro, que ele tem uma qualidade de vida melhor.

José Flávio - Como atitude diante da vida o que, além da condição física, de que modo a capoeira ajuda o praticante a enfrentar a vida?

Mestre Topete – O que muda bastante, muda para melhor, na verdade, é a parte educativa. Saber de fato quem ele é, e de onde ele veio. E a educação entre os familiares.

José Flávio – A capoeira, antigamente, foi muito perseguida. E hoje, ela é bem aceita por todos?

Mestre Topete - Não, não é bem aceita por todo mundo, não! Existe preconceito. E porque existe esse preconceito? As pessoas que ainda não entendem, de fato, o que a capoeira oferece ao indivíduo à comunidade, olham a capoeira com preconceito, sim. Mas embora, hoje diminui bastante esse preconceito. A capoeira cresceu muito. Ela é bem aceita pela sociedade. Mas como eu disse, existe preconceito por parte da pessoa que não conhece o que de fato é a capoeira.

José Flávio – Capoeira é liberdade?

Mestre Topete – Sim. A capoeira surgiu no manifesto de libertação, na qual nasceu como luta do oprimido frente ao opressor e hoje, sem dúvida nenhuma, ela é, de fato, relacionada à liberdade, mas perante a liberdade, tem que se ter responsabilidade. A turma confunde muito vandalismo com liberdade. A liberdade na capoeira existe sim, mas dentro dessa liberdade existe um limiar de que tem que ter uma responsabilidade. Mas com certeza, a pessoa que pratica a capoeira, naquele ritual que é a roda de capoeira, através do ritmo, dos instrumentos, do tambor e da cantiga está havendo uma libertação, está havendo uma alegria. O seu corpo fica em manifesto... Então isso é uma libertação. Você está se libertando da depressão, se libertando da fadiga, enfim, é libertação, na qual, o corpo fica em estado de transe. A pessoa que pratica capoeira é uma pessoa muito feliz.

José Flávio – Existem diferentes correntes de Capoeira?

Mestre Topete – Existem diferentes estilos. A capoeira hoje, ela tem várias ramificações. Tem dois estilos. Dentro desses dois estilos há algumas divisões. Eu sou praticante da Capoeira Angola. Depois tem a Capoeira Regional. São dois estilos, duas vertentes de capoeira, depois vem a Capoeira Estilizada e Contemporânea. Hoje alguns praticantes acreditam que existem quatro estilos. Eu, dentro de minha tese, acredito que existem dois estilos divididos em quatro. A Capoeira Angola, que é natural, não tem mistura. Depois vem a Capoeira Regional, que é um segundo estilo, que aglutina várias modalidades de luta e, dentro dessas modalidades de luta, os mestres falam que aumentou mais dois estilos, que é a Estilizada e a Contemporânea. São várias lutas aglutinadas em uma só. Por isso é que falo que é uma ramificação de quatro estilos. A meu ver, só existem dois estilos: Angola e Regional.

José Flávio – Por que a de Angola lhe atraiu?

Mestre Topete – Não. Ela não é de Angola. Ela é Capoeira Angola. Eu também fui praticante da Capoeira Regional, me formei lá. Mas depois que conheci a Capoeira Angola, do jeito que ela é... A parte mística dela, científica, eu comecei a praticar. Aí depois, deixei de praticar a Capoeira Regional, embora ainda tenha muitos amigos na Regional. A gente vive um só evento, uma só sinergia. Mas hoje, sou praticante da Capoeira Angola, na qual, nessa festa que o Sr. viu domingo, eu fui, assim.. formado a Mestre de Capoeira Angola. E a Capoeira Angola, só quem pratica é que sabe a diferença, como você se sente bem, como é bom praticar Capoeira Angola.

José Flávio – Pode se dizer que o Sr. é um apaixonado pela Capoeira Angola?

Mestre Topete – Não. Apaixonado, não. Paixão passa. Amor, não. Amor mesmo é o que sinto pela Capoeira Angola.

José Flávio – Sabemos que a capoeira nasceu num ambiente de opressão e discriminação. Gostaria de perguntar como o Sr. vê hoje essa questão da discriminação?

Mestre Topete – Essa questão ainda existe, mas existe para aquela pessoa que, de fato, não sabe quem ela é e porque está aqui. Porque não é só a questão do negro. Se você é branco demais, você é branquelo. Se você tem cabelo demais, você é cabeludo. Se você é negro, você é negão. Se você é baixinho, você é nanico.  Se você é obeso, você é gordo. Então, quer dizer, o preconceito não é só contra o negro, o preconceito é, realmente, para todas as coisas. A pessoa que não se aceita, ela não acredita que é o que é, ela tem um preconceito. Eu sou feliz do jeito que eu sou. Meu cabelo é drad. Eu sou moreno. Eu sou negro. Eu sou muito feliz. Eu não tenho preconceito da sociedade. Mas enfim, o preconceito existe. Por exemplo, se você não tem dinheiro, você é pobre, se tem dinheiro demais... Enfim, na verdade, não é preconceito, o que eu posso dizer? É a própria inveja mesmo. Inveja é falta de capacidade. Toda pessoa que tem capacidade, ela não tem inveja. A pessoa invejosa, ela quer ter aquilo e não consegue porque falta uma coisa dentro dela que se chama atitude.

José Flávio – O que o Sr. diria Para as pessoas que ainda não encontraram seu lugar no mundo?

Mestre Topete - Ela tem que acreditar que existe... Apesar de tudo, o ser humano é imagem e semelhança de Deus, mas não é parecido, cada um é cada um. Cada cabeça é uma sentença. Então essas pessoas devem aceitar a diversidade que existe na humanidade. Aí sim, ela vai entender de fato, quem ela é, porque está aqui e o que ela vai ser.

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Para melhor conhecer o trabalho da Escola de Capoeira Angola Resistência, visite o site da escola:



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