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Os cientistas e o medo do mosquito
Posted by Cottidianos
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00:20
Segunda-feira, 30 de maio
O
Brasil, especialmente aquela que é conhecia como Cidade Maravilhosa, vai
receber os Jogos Olímpicos de 2016, ou
simplesmente, Rio 2016, de braços abertos. E mesmo de braços abertos e com o
coração acolhedor, estará recebendo este grande momento do esporte mundial em
meio ao epicentro de uma grave crise econômica que ameaça levar o país à bancarrota.
Não bastasse isso, há o vulcão dos escândalos de corrupção que lança suas
larvas ardentes para todos os lados, manchando a imagem do país. Além disso, há
uma crise ética e política que faz tremer o chão de Brasília, e esses tremores
se fazem sentir em cada coração brasileiro.
Poderia
parar por aí que o estrago já seria grande. Porém, vivemos um pesadelo pequeno,
silencioso, mas muito perigoso, chamado mosquito, inseto que provoca a dengue,
a febre chikungunya, e mais recentemente, trouxe também o temido zika vírus.
Perdoem-me
o trocadilho, mas o Brasil está mesmo com uma zika danada. Xô, maré de azar! Vai
pra longe que a gente não merece tudo isso, não.
O
zika é de preocupar? Sem dúvida. É preciso cuidados e precauções? Obvio que
sim. Entretanto achei um tremendo exagero a carta que um grupo de 150
cientistas enviou a Organização Mundial de Saúde (OMS), pedindo que, por causa
dos casos de zika que tem surgido no país, especialmente, no Rio, os Jogos
Olímpicos, que ocorrerão entre os dias 05 e 21 de agosto, e os Jogos
Paralímpicos, que ocorrerão entre 7 e 18 de setembro deste ano, sejam adiados
ou transferidos de lugar.
Isso
é que querer aterrorizar o Brasil e o mundo sem necessidade, afinal, a epidemia
está controlada, e, apesar do mosquito ser uma ameaça, não vivemos um quadro de
pandemia, que é um estado mais grave que um surto ou epidemia.
Na
carta, o grupo formado por cientistas internacionais defende que, em nome da
saúde pública, as Olimpíadas e Paralímpiadas sejam suspensas ou transferidas,
devido à incidência dos surtos de zika no Brasil.
Porém,
devo confessar que concordo plenamente com um dos argumentos citados pelo grupo
de cientista: a de que o Brasil não soube lutar contra o mosquito, e a de que o
sistema de saúde do Rio de Janeiro — eles citam o Rio, mas esse é um problema
nacional — está fragilizado.
E aí
não tem como voltar ao tema da corrupção, e do descaso com a coisa pública. Nos
últimos dias, o jornal Folha de São Paulo
tem trazido conversas gravadas — e que fazem parte de delações premiadas — entre
figuras importantes da política brasileira, como os senadores Renan Calheiro e
Romero Jucá, e o ex-presidente José Sarney. Antes, os jornais já haviam
publicado as conversas comprometedoras entre Lula e Dilma Rousseff, que
causaram o maior alvoroço no Brasil.
E
sobre o que eles conversam caros leitores? Esse bando de corruptos deveria
estar discutindo questões fundamentais para a resolução dos problemas
educacionais, de saúde, segurança, e econômicos do povo brasileiro, mas ao
invés disso, ficam discutindo quem colocar no cargo mais importante para que
ele possa ajudar a desviar mais dinheiro. Ficam discutindo formas de livrar
empresas e condenados na Lava Jato. Em outros momentos, discutem como deter a
força da própria Lava Jato.
Se
esses caciques da política brasileira trocassem telefonemas para tratar de
assuntos realmente sérios, e de interesse do povo brasileiro, eles conversariam
sobre estratégias para deter o surto da dengue, e do zika vírus, e sobre as
verbas destinadas para tal finalidade. Teceriam planos para eliminar o inimigo
pequeno e silencioso. Porém, enquanto eles discutem formas de enriquecimento
ilícito, o mosquito, silenciosamente, se alastra pelo país, e nos faz viver
essa ameaça, e passar essa vergonha, que é o pedido dos cientistas na carta à
OMS.
Os
Jogos Olímpicos se desenvolverão na tranquilidade, os atletas viverão seus
sonhos, e o esporte vencerá, assim como se deu na Copa do Mundo. Naquele evento,
também a comunidade internacional achava que iria haver bombas voando por todos
os lados, que os atletas não poderiam completar sua missão em um país à beira
de um ataque de nervos, e, na verdade, com bola rolando em campo, à exceção dos 7 x 1 para a Alemanha, foi tudo um sucesso. Ninguém matou. Ninguém morreu. Claro,
em termos estruturais, no jogo fora de campo, perdemos o campeonato, mas a
conta, pesada conta, ficou para nós brasileiros, mais uma vez, e os
estrangeiros não tiveram nada a ver com isso.
A resposta
da OMS à carta dos cientistas não demorou, veio um dia depois. O órgão disse
não haver justificativa para que os jogos do Rio sejam adiados ou transferidos.
A própria diretora da OMS disse que na abertura das Olimpíadas estaria no Rio,
prestigiando o evento. Entretanto, apesar de assinar embaixo a realização dos
jogos no Rio, a OMS lançou uma cartilha com recomendações para as pessoas que
virão ao país. Uma dessas recomendações é de que mulheres grávidas não viajem
para área onde há transmissão do vírus, e isso inclui o Rio de Janeiro. Uma
recomendação polêmica da OMS é da que sejam evitadas as áreas pobres do Rio,
onde exista esgoto a céu aberto.
Ou
seja, os políticos não fazem o seu trabalho, e quem leva a culpa são os pobres.
Pobre país, medíocres políticos, sofrida população.
No
mais, o Cristo Redentor estará de braços abertos sobre a bela baía de Guanabara,
e tudo irá bem.
Abaixo,
compartilho, na integra a carta que a comunidade internacional de cientistas enviou
à Organização Mundial da Saúde.
***
Carta
aberta à Dra. Margaret Chan, diretora geral da Organização Mundial de Saúde
(OMS)
(Com
cópia ao Comitê Olímpico Internacional)
Estamos
escrevendo para expressar nossa preocupação quanto aos Jogos Olímpicos e
Paralímpicos que começarão em breve no Rio de Janeiro. A declaração da OMS de
que o zika é "uma emergência de saúde pública de preocupação
internacional", somada a novas constatações científicas que sublinham a
importância do problema, pede que os jogos do Rio em 2016 sejam adiados ou
transferidos para outro local - mas não cancelados -, em nome da saúde pública.
Fazemos
esse apelo a despeito do fatalismo generalizado de que os jogos do Rio em 2016
são inevitáveis, ou "grandes demais para fracassar". A História nos
ensina que isso não é verdade: os jogos de 1916, 1940 e 1944 foram não
postergados mas cancelados, e outros eventos esportivos foram transferidos por
motivo de doença, como nos casos da Major League Baseball, por conta do zika, e
da Copa das Nações Africanas, por conta do ebola.
No
momento, muitos atletas, delegações e jornalistas estão enfrentando a difícil
decisão de participar ou não da Olimpíada do Rio em 2016. Concordamos com os
Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos, que recomendam que os
trabalhadores devem "considerar adiar suas viagens a áreas em que a
transmissão do zika é ativa". Se essa orientação fosse seguida
uniformemente, nenhum atleta se veria forçado a escolher entre arriscar uma
doença ou participar de uma competição para a qual muitos deles treinaram a
vida inteira.
Nossa
maior preocupação é quanto à saúde mundial. A variante brasileira do vírus do
zika prejudica a saúde de maneiras que a ciência até agora não havia observado.
Um risco desnecessário será criado pela presença de 500 mil turistas
estrangeiros de todos os países que comparecerão aos jogos e podem ser
contagiados com essa variante, e voltar para casa em lugares onde ela poderia
se tornar endêmica. Caso isso aconteça em lugares pobres e até agora ainda não
atingidos (por exemplo o sul da Ásia e a África), o sofrimento poderia ser
grande. É antiético correr esse risco, por jogos que poderiam seguir adiante de
outra maneira, caso postergados ou transferidos.
Em
nossa opinião, diversas novas constatações científicas requerem que a OMS
reconsidere seu posicionamento sobre os jogos olímpicos e paralímpicos de 2016.
Por exemplo:
-
Que a variante viral brasileira causa microcefalia e provavelmente síndrome de
Guillain-Barré. Além disso, porque estudos humanos, animais e in vitro demonstraram
que o vírus é neutrófico e causa morte de células, é biologicamente plausível
que existam ainda outras lesões neurológicas não descobertas até agora, como
existem no caso de vírus semelhantes (por exemplo o da dengue)7.
-
Que embora o risco do zika para cada dado indivíduo seja baixo, o risco para
uma população é inegavelmente alto. No momento, o governo brasileiro reporta
120 mil casos de zika e 1,3 mil casos confirmados de microcefalia (com outros
3,3 mil sob investigação), o que fica acima do nível histórico de incidência da
microcefalia.
-
Que o Rio de Janeiro é fortemente afetado pelo zika. O governo brasileiro
reporta que o Estado do Rio de Janeiro tem o segundo maior número de casos
prováveis de zika no país (32 mil), e a quarta maior incidência (195 em cada
100 mil moradores), o que demonstra transmissão ativa.
-
Que a despeito do novo programa de extermínio de mosquitos do Rio de Janeiro, a
transmissão da doença portada por mosquitos subiu em lugar de cair. Embora o
zika seja uma epidemia nova e não haja dados históricos sobre ele, usando a
dengue como fator de comparação, os casos no Rio de Janeiro entre janeiro e
abril mostraram alta de 320%, e de 1.150% ante o período em 2015 e 2014. No
bairro específico do Parque Olímpico (Barra da Tijuca), houve mais casos de
dengue só no primeiro trimestre de 2016 do que em todo o ano de 2015.
-
Que o sistema de saúde do Rio de Janeiro está tão severamente enfraquecido que
uma campanha de último minuto contra o zika é impossível. O governo estadual do
Rio recentemente declarou uma emergência de saúde e a prefeitura da cidade
reduziu em 20% as verbas de combate a enfermidades transmitidas por mosquitos.
Embora o vírus seja o agente infeccioso do zika, a verdadeira causa da doença
são as condições sociais e sanitárias precárias do Rio - fatores para os quais
não há solução rápida, e o desvio dos escassos recursos de saúde disponíveis
para os jogos não ajuda.
-
Que é impossível erradicar o mosquito Aedes aegypti, que transmite o zika, do
Rio. O mosquito na verdade havia sido totalmente erradicado no Brasil nos anos
50, mas voltou porque os esforços de controle foram abandonados. Assim realizar
os jogos, na presença de mosquitos portadores do zika, é uma escolha, e não é
necessário.
-
Que não se pode contar com a natureza como defesa. Embora a atividade reduzida
dos mosquitos nos meses de inverno do Rio reduza o risco de infecção de
viajantes individuais, esse fator é parcialmente compensado quando viajantes
infectados voltam para casa nos meses de verão do hemisfério norte, que vêem um
pico de atividade de mosquitos, o que eleva o risco de saúde pública de que
mosquitos locais adquiram e espalhem o vírus -o que significa que as duas
estações são relevantes para o curso da epidemia. Além disso, a infecção pode se
espalhar por meio de doações e transfusões de sangue, especialmente em países
pobres onde não haja exames específicos para detectar o zika.
Em
resumo, as provas mostram que: (i) a variante brasileira do zika tem
consequências médicas mais sérias do que se sabia anteriormente; (ii) o Rio de
Janeiro é uma das partes do Brasil mais afetadas; e (iii) que os esforços de
extermínio de mosquitos do Rio não estão cumprindo as expectativas, e que as
doenças portadas por mosquitos estão em alta este ano. É portanto imperativo
que a OMS conduza uma nova avaliação, com base em provas, do zika e dos jogos,
e de suas recomendações aos viajantes.
Porque
o zika é uma nova emergência, suas muitas incertezas - quanto a fluxos de
viagem durante os jogos, epidemiologia e entomologia - no momento tornam
impossível que modelos matemáticos prevejam com precisão o curso da epidemia.
Portanto, por enquanto qualquer decisão sobre o zika e os jogos precisa ser
mais qualitativa que quantitativa. Se as opções abaixo forem consideradas:
(a)
Realizar os jogos no Rio na data prevista;
(b)
Realizar os jogos no Rio posteriormente, depois que o zika for controlado;
(c)
Realizar os jogos em locais não afetados pelo zika e que dispunham de
instalações de padrão olímpico.
É
indisputável que a opção (a), a de realizar os jogos como planejado, oferece
maior risco de acelerar a difusão da variante viral brasileira, diante das
alternativas. Adiar e/ou transferir os jogos também mitigaria outros riscos
causados pela histórica turbulência que a economia, a sociedade em geral e a
governança brasileiras enfrentam, e que não são problemas isolados, criando um
contexto que torna praticamente impossível resolver o problema do zika, dada a
rápida aproximação da data dos jogos.
Estamos
preocupados com a possibilidade de que a OMS esteja rejeitando essas
alternativas por um conflito de interesse. Especificamente, a OMS formou uma
parceria oficial com o Comitê Olímpico Internacional (COI), em um memorando de
entendimento cujo conteúdo continua secreto. Não existe um bom motivo para que
a OMS não revele esse memorando de entendimento, como é prática padrão em casos
de conflito de interesse. Não fazê-lo lança dúvidas sobre a neutralidade da
OMS, por razões descritas de maneira mais aprofundada no apêndice.
A
OMS precisa retomar a questão do zika e adiar e/ou transferir os jogos.
Recomendamos que a OMS forme um grupo independente para assessorá-la, e ao COI,
em um processo transparente e baseado em provas, no qual a ciência, a saúde
pública e o espírito do esporte venham primeiro. Dadas as consequências éticas
e de saúde pública, não fazê-lo seria irresponsável.
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