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Apogeu, dramas e glórias: histórias dos teatros de Campinas - II Parte
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Imagem: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2007/07/descaso-com-histria-teatro-municipal.html |
Tenho uma profunda admiração pelo
prefeito Rafael de Andrade Duarte. Reconheço que foi uma atitude corajosa, por
parte dele, autorizar minha demolição, Teatro São Carlos. Como já disse
anteriormente, era o Teatro São Carlos, foco das atenções, o símbolo cultural da cidade. Rafael de
Andrade era um homem à frente de seu tempo, amante de teatro e mente cheia de
boas ideias.
A pedra fundamental do edifício foi
lançada em 7 de setembro de 1921, as obras porém somente foram iniciadas em
fevereiro de 1924. O projeto escolhido foi o dos arquitetos Chiappori &
Lanza e, para a construção, foi escolhido o projeto do engenheiro Mariano
Montessanti. A construção teve início, de fato, em fevereiro de 1924 e
prosseguiu sem interrupções até o ano de 1926, quando foi rescindido o contrato
com Montessanti. Em 1926, Orozimbo Maia assumia o governo da cidade. Maia, que
já havia governado Campinas entre 1908 e 1910, entrava agora num segundo
mandato (1926 a 1930); e teve ainda um terceiro mandato (1931/1932). Foi sorte, pois o prefeito era, igualmente
aficionado pelas artes. Orozimbo Maia, encontrou confiança no arquiteto
Cristiano das Neves para organizar detalhes arquitetônicos e fazer o orçamento
geral da obra a fim de que esta fosse, finalmente, concluída.
Teatro Municipal de Campinas / Fotos cedidas pelo MIS (Museu da Imagem e do Som de Campinas) |
Após oito anos, renascia em grande
estilo sob o nome de Teatro Municipal de Campinas – em 1959 mudaram meu nome
para Teatro Municipal Carlos Gomes. Estava mais amplo, mais elegante, mais
charmoso. Exibia, com orgulho, meus cinco pavimentos: O primeiro era destinado
ao porão; no segundo, ficava a plateia e as frisas; no terceiro ficavam os
camarotes e o “foyer”; no quarto, os balcões; e, no quinto, as galerias. Artistas, a quem tive a honra de receber, podiam sentir-se absolutamente
confortáveis em oito camarins, sendo 4 camarins simples e 4 duplos. Os
coristas também não tinham do que reclamar, pois à eles foram destinados dois
amplos vestiários. Nas caixas duplas de meu palco podiam ser montados dois
cenários, um em cima do outro, tornando-se desse modo, um cenário com amplas
dimensões.
Quanto à lotação da casa, podia
receber tranquilamente 1.483 convidados. O pó de ouro que revestia minhas
paredes era um luxo à parte. As belas escadarias da entrada eram feitas com
mármore de Carrara, - (Carrara - comuna italiana, localizada na região da
Toscana). Com o mármore daquela região foram esculpidas diversas obras do
período renascentista, inclusive, a famosa David, de Michelangelo. – Belos
vitrais artisticamente decorados, me davam certo ar de imponência. Sentia-me a
altura dos melhores teatros do mundo.
Imagem: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2007/07/descaso-com-histria-teatro-municipal.html |
Foi assim, que com vestes de rei, no dia 10 de setembro de 1930, em noite de gala, abria as portas
para receber autoridades civis e militares e também a elite da sociedade
campineira, para a festa de inauguração. Diferentes peças líricas, de diversos autores foram apresentadas em cinco dias, tendo sido reservado para o “grã finale”
a opera Il Guarani, do maior gênio musical das Américas, o campineiro Antonio Carlos
Gomes. A ópera, na ocasião, foi encenada pelos cantores Carmem Gomes e Reis
Silva. Assim, em homenagem ao grande maestro, recebi orgulhoso, o nome de Teatro Municipal Carlos Gomes. Em amplo saguão frontal, vários artistas plásticos tinham espaço para expor obras de pintura, desenhos, esculturas, e, num lance de escadas, chegava-se a um amplo salão superior que abrigava magnifica biblioteca - onde estudantes se reuniam para pesquisas e palestras. Tudo isso sob a coordenação precisa do ilustre médico, artista plástico, teatrólogo, cenologo, Dr. Carlos Maia, filho de Orozimbo Maia.
Minha fama logo correu mundo e não
demorou para que começasse a receber grandes companhias e artistas de renome
internacional. Esses artistas, invariavelmente, saiam da cidade impressionados
com o nível cultural do povo desse lugar.
Lembro-me, perfeitamente, de um fato
que ilustra o que acabo de dizer. Em 1952, Bibi Ferreira, uma das melhores
atrizes brasileiras da época, veio à Campinas para apresentar a comédia O
Noviço, da obra de Martins Pena. O diretor da peça andava de um lado a outro,
preocupado. Pensava em como iria arranjar técnicos especializados e materiais
para a montagem da peça. Imaginava ele que perderia uns dez dias, viajando à
São Paulo, buscar o que faltava para a montagem do espetáculo. Alguém lhe disse
então, que tudo o que precisava poderia ser encontrado aqui mesmo na cidade,
inclusive o pessoal especializado. E assim foi feito, em três dias já estava
tudo pronto para a estreia da peça. o Teatro era palco democrático para outros eventos importantes da cidade, como solenidades diversas, palestras, formaturas, apresentações musicais, peças teatrais, espetáculos de canto e dança da chamada "Prata da Casa".
Com o passar dos anos eu, que era o
cartão de visitas da cidade; um edifício com linhas arquitetônicas clássicas, que possuía uma estrutura imponente e grandiosa, fui sendo, aos poucos,
relegado ao abandono. Clamava por reformas importantes e fundamentais. Era como
se ninguém me ouvisse, ou pelo menos, fingisse que não. Houve algumas
iniciativas nesse sentido, mas querem saber a verdade... Eram reparos tão
grotescos, retaliações mal feitas, que nem sequer mereciam o nome de
reforma.
Cheguei ao meu 30º aniversário
sofrendo a ação impiedosa do tempo.
Escadas quebradas, cortinas rasgadas. A cúpula de onde pendia o belo e
valiosíssimo lustre, achava-se rachada em diversos lugares, em dias chuvosos a
água penetrava por entre essas rachaduras e caia nas poltronas e tapetes. O
piso dos corredores estava gasto e deixava à mostra remendos grosseiros, feitos
com material diferente do original, causando uma péssima impressão. O descaso
era visível em todas as partes: no palco, nos cenários, nos ornatos de gesso
pintados a ouro, que decoravam as frisas. Em 04 de janeiro de 1961, o jornal
Correio Popular, trazia em sua manchete: Serão
iniciadas hoje as reformas no Teatro Municipal.
Eu, que vinha funcionando há trinta
anos, sob intensas atividades, deleitando artistas e espectadores, sem que
houvesse recebido quaisquer melhorias significativas, precisava de intensas
reformas. Entretanto, acabei sofrendo apenas uma reforma parcial. A empresa
Sociedade Tekno Ltda, contratada pelo prefeito Miguel Vicente Cury, fez uma
cobertura metálica para o palco e outra para a plateia. Após essas intervenções
reabri as portas.
Volto meu olhar ao ano de 1951, nesse
ano, uma tragédia agitou o meio cultural na cidade: o Cine Rink Campineiro
desabou durante uma matinê de domingo, dia em que a casa recebia maior público.
Várias pessoas morreram nesse acidente. O prédio estava, aparentemente, seguro,
entretanto, apresentava sérios problemas na estrutura. Esse fato, de certa forma, iria repercutir,
de forma negativa, em um crime cometido contra a cultura, em 1965.
As reformas superficiais realizadas em 1961, não surtiram o efeito desejado e os problemas não tardaram em retornar. Em novembro de 1964, foram constatados problemas no madeiramento e outros defeitos sérios, que foram sendo acentuados com o decorrer do tempo, como por exemplo, o desligamento dos nós no madeiramento do telhado, que poderia ocasionar o desmoronamento da cobertura. As cenas da tragédia do Cine Rink vieram imediatamente à lembrança de todos. No meu caso, os defeitos estavam sendo percebidos, e seriam facilmente solucionáveis. Ainda durante o mês de novembro fui interditado.
As reformas superficiais realizadas em 1961, não surtiram o efeito desejado e os problemas não tardaram em retornar. Em novembro de 1964, foram constatados problemas no madeiramento e outros defeitos sérios, que foram sendo acentuados com o decorrer do tempo, como por exemplo, o desligamento dos nós no madeiramento do telhado, que poderia ocasionar o desmoronamento da cobertura. As cenas da tragédia do Cine Rink vieram imediatamente à lembrança de todos. No meu caso, os defeitos estavam sendo percebidos, e seriam facilmente solucionáveis. Ainda durante o mês de novembro fui interditado.
Duas equipes de engenheiros passaram
a circular constantemente pelo local elaborando laudos, fazendo vistorias: uma equipe
era formada pelo pessoal da prefeitura e a outra por técnicos alheios aos
quadros da municipalidade. O terreno também foi inspecionado por uma empresa
especializada em solos e fundações.
Foto cedida pelo Museu da Imagem e do Som de Campinas |
Os especialistas concluíram que o
defeito no telhado era apenas parte de um problema maior: o progressivo
afundamento do prédio devido a ausência de estaqueamento no momento da
construção. Fiquei preocupado com as coisas que comecei a perceber: reuniões a
portas fechadas, coisas ditas às escondidas... Vivíamos tempos em que a engenharia era bastante desenvolvida. “Com as novas técnicas de engenharia,
dificilmente, hoje em dia, um prédio em situação irregular de estrutura ou
coisa semelhante é irrecuperável”, afirmou na época, o engenheiro Luiz Emilio
Soares de Gouveia Horta, chefe da seção de Estrutura e responsável interino
pela chefia da Divisão de Engenharia Civil do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de São Paulo.
Quando um engenheiro sugeriu que a água que brotava do solo, poderia
ser facilmente canalizada para uma saída bem próxima dali, comecei a ficar preocupado em relação ao futuro. Por ter apresentado
uma solução ao problema, foi afastado da equipe, fiquei a pensar,
se por trás daquelas reuniões a portas fechadas na prefeitura, não havia
interesses escusos sendo discutidos...
Infelizmente, o prefeito Rui Novaes,
apoiou-se em laudos técnicos para justificar a demolição. Implorei por
socorro. Gritei alto que já servira e ainda serviria ainda mais a cultura, se
adotassem para mim um plano de recuperação.
Não adiantou nada. A questão estava decidida e eu estava condenado a ser
demolido. Ao saber da triste notícia, o vereador Romeu Santini, presidente da
Câmara Municipal na ocasião, convocou uma reunião de emergência com os demais
vereadores da casa, pessoas interessadas na causa e com o engenheiro Ciro
Bierrembach de Castro, subdiretor de Obras e Viação da Prefeitura. Após longas
conversas e discussões, chegou-se à conclusão de que aquela casa legislativa
não tinha forças suficientes para derrubar um decreto do prefeito municipal.
Rui Novaes era um político muito popular e
querido pela população. Já havia governado Campinas uma vez, fez um bom
trabalho, conseguiu se eleger deputado federal somente com os votos de
Campinas. Candidatou-se à prefeitura novamente, sendo eleito com facilidade.
Depois dos fatídicos episódios referentes á demolição, o julgamento da população consternada foi implacável: nunca mais conseguiu se
eleger para nenhum cargo público. Perdeu o respeito, o prestígio e a popularidade
que os campineiros tinham para com ele.
Imagem: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2007/07/descaso-com-histria-teatro-municipal.html |
Lembrei-me de um espetáculo
maravilhoso, que fez minha alma transbordar de emoção. Foi em maio de 1959. O
Coral Pio XI, sob a regência do maestro Oswaldo Antonio Urban, fazia uma
homenagem ao maestro Leon Kaniefsky. Escolheram para a apresentação, a música
“Coro da Alvorada”. A peça é uma introdução a opera Lo Schiavo, da autoria de
Carlos Gomes, e representa a consciência que os índios foram adquirindo a
respeito da liberdade. A música conduz ao sentido de libertação, uma não
submissão ao estrangeiro. Iberê, o líder dos indígenas os convoca a agirem
contra qualquer tipo de dominação. Alvorada significa o nascer da esperança de
liberdade para os índios. Pois bem... O Coral se posicionou no quinto andar, nas
galerias. Quem estava na plateia não via as galerias. Lá de cima, o Coral
esperou a orquestra iniciar a música em homenagem a Knaniefsky. As luzes do
teatro estavam apagadas e, aos poucos, foram se acendendo, uma a uma. O
belíssimo lustre de cristal, de 5 metros de altura, que pendia do teto também
foi irradiando seu esplendor lentamente. Clarinetes imitava o som dos pássaros.
A deslumbrante lembrava o ambiente do raiar do dia. Nesse mágico ambiente,
começou a cantar Coro da Alvorada.
Uma cena inesquecível. Avançei meu olhar ao futuro e vi o
vereador Romeu Santini, 48 anos após falando ao blog Cottidianos: “O teatro representa
a cultura de uma cidade. Ali havia uma obra arquitetônica que representou uma
época da cidade de Campinas. Desde aquela ocasião, Campinas nunca mais teve um
teatro à altura do Teatro Municipal. Era um o Teatro, como hoje é o de São
Paulo... Com Camarotes... Um teatro bonito, construído nos moldes dos grandes
teatros nacionais e internacionais.
Ainda antes de ver cair minha última
parede, meu espírito ainda teve tempo de ir a Recife. Lá também havia um irmão
meu, um teatro muito bonito, chamado de Teatro Santa Izabel. Essa casa de
espetáculos pernambucana encontrava graves problemas em sua estrutura,
problemas bem maiores que os apresentado na minha. Havia nele, paredes fora de
prumo, rachaduras e fissuras nas paredes, dentre outros. Constatada a situação
e em recebendo os laudos desfavoráveis, o que fez o prefeito de lá? Armou em
exercito de demolidores armados com picaretas? Estacionou caminhões para
retirar os entulhos? Não. De modo algum! Chamou os técnicos do Instituto
Tecnológico de Pernambuco e lhes disse: “Salvem o teatro. Salvem um de nossos
mais valiosos patrimônios históricos e culturais. E assim foi feito. O Teatro
Santa Izabel foi restruturado. Por que não procedeu de igual forma o prefeito Rui
Novaes, em Campinas? Porque condenar a morte aquele que tantas glorias havia
dado a Terra da Arte? Por que assassinar um símbolo da cultura e da arte?
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