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Apogeu, glórias e dramas: história dos teatros de Campinas - I parte
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Segunda-feira,
28 de outubro
Especial: História dos Teatros de Campinas
Teatro São Carlos
Imagem: http://teatraio.wordpress.com/2013/01/page/5/ |
Sua Excelência, O Teatro
Senhoras
e senhores, antes de começarmos a conversar, permitam que eu me apresente e
fale um pouco sobre mim. A humanidade acostumou-se a chamar-me de Teatro, um
nome curto, porém bastante significativo. Estive presente na história do homem
desde épocas primevas, quando a espécie humana realizava suas danças rituais e
suas celebrações ainda no tempo das cavernas. O que eram elas senão o desejo de
expressar emoções e sentimentos?
Os
historiadores resolveram fixar o meu berço na antiga Grécia, por volta do século
VI a.C. Segundo eles, nasci em meio às
festas em homenagem a Dionísio, deus do vinho e da fertilidade. Essas festas
eram promovidas uma vez por ano pelos gregos, em plena primavera, e duravam
dias seguidos. Eram um misto de rituais sagrados, procissões e recitais. Dizem
que em uma dessas festas, um homem chamado Thespis teve a ideia de confeccionar
uma máscara enfeitada com cachos de uva e resolveu colocá-la no próprio rosto.
E em plena praça pública, adornado com o adereço, gritou bem alto: “Eu sou Dionísio”.
A atuação dele foi perfeita, tornando-se moda a arte de emprestar o próprio
corpo para que nele habite outros personagens, outras vidas, em forma de
atuação.
Por
que o fascínio que a humanidade sente por mim? Talvez se explique pelo fato de conseguir
imitar a realidade e, ao mesmo tempo, criar mundos completamente diferentes
dessa mesma realidade. Ou seria pelo fato conseguir exteriorizar, de forma
lúdica, suas loucuras mais escondidas?
Campinas: Terra da arte
Por
ser abrangente e atuante em muitas eras e lugares, ganhei espaço especial entre
letrados e gente do povo como forma artística de expressão de tradições e
sentimentos. Para não alongar demais a conversa, situarei os relatos aqui
descritos entre os anos 1830 e 1965, na cidade de Campinas, interior do Estado
de São Paulo, no Brasil.
Campinas,
sempre foi desde o início, uma terra com vocação artística. “A natureza festiva do lugar, a doçura do
clima e céu sempre azul cobrindo a terra prodigiosa na multiplicação das
sementeiras, incitaram os poucos habitantes das Campinas de Mato Grosso aos cânticos
naturais que provém da alegria e felicidade...
Corria o tempo, prosperando cada
vez mais a nova comunidade. Mãos piedosas secam as taipas da capela rústica e,
ao acender da primeira lâmpada votiva, consagrada a Padroeira, todos juntos,
com fé ardente, entoavam um coro magnifico de louvor e graça, que vai para o
alto entre nuvens perfumadas de incenso.
Tombam as matas, levantam-se os
engenhos e os negros escravos, pelas noites de luar, animavam as senzalas com
seus batuques e lundus.
Na casa-grande, mãe preta embala a
rede onde sinhá-moça cochila, ouvindo suas cantigas nostálgicas de ritmos
estranhos.
Forma-se o ambiente. E a música,
pouco a pouco, vai se expandindo em diferentes manifestações”,
afirma José De Castro Mendes, no livro Monografia Histórica do Município de
Campinas.
Nos
idos de 1830, os campineiros não possuíam um espaço físico digno de receber o
nome de teatro, entretanto, nem por isso se privavam de entretenimento. O que
havia era realizado em uma pequena sala à rua, hoje chamada, Barão de Jaguara.
Depois essas apresentações passaram a acontecer num espaçoso prédio à Rua Bom
Jesus, atualmente, Avenida Campos Sales, centro da cidade.
Em
1835, surgiu na população de Campinas o desejo de construir um teatro de
verdade, mas, infelizmente, essa iniciativa não deu certo. Em 1.846, quando já
florescia a cultura do café, surgiu na cidade uma associação formada por pessoas
dispostas a lutar pela arte e cultura - Associação Campineira de Theatro São
Carlos. Esse grupo foi a luta, arrecadou dinheiro e construiu a casa de
espetáculos que recebeu o nome de Teatro São Carlos, em homenagem a vila que
foi elevada a categoria de cidade em 1842.
O prédio ficou pronto em 1847, porém, somente foi inaugurado, com pompa
e circunstância, em agosto de 1850.
Teatro São Carlos / Foto cedida pelo MIS (Museu da Imagem e do Som de Campinas) |
Teatro São Carlos: Uma luz que brilha sobre a cultura campineira
Finalmente,
os campineiros podiam bater no peito e dizer: “Nós temos um teatro!” E
realmente estavam merecendo mesmo um espaço onde pudessem dar vazão ao seu
anseio pela arte, pelo belo. Àquela época, Campinas já possuía uma posição de
destaque em relação às demais cidades da região. As fazendas de café e de
cana-de-açúcar lhe conferiam o status de grande centro agrícola e cultural,
chegando mesmo a ser conhecida em todo o Brasil, como “Terra da Arte”. É bom
que se diga, que era na Corte, situada no Rio de Janeiro, que o luxo e o
esplendor brilhavam com intensidade. Por aquelas paragens desfilavam reis e rainhas,
condes e condessas, duques e duquesas. Era compreensível que recebesse as
melhores companhias e os melhores espetáculos do mundo. Campinas era tão bem
conceituada em matéria de arte e cultura que, depois da Corte, era a terra mais
procurada pelas melhores companhias do mundo. Primeiro eles se apresentavam em
Campinas... Depois iam à São Paulo.
Como
vocês podem perceber, nasci por essas bandas em berço de ouro. Era eu, Teatro,
o centro da atividade cultural da cidade. Sentia-me todo orgulhoso em ser o foco
das atenções. Pelas luzes da minha ribalta passou muita gente de fama
internacional, muitos artistas talentosos. Vivi muitos dias de glórias com as
temporadas líricas, operetas, dramas, comédias e zarzuelas – um gênero
lírico-dramático que mistura cenas faladas, com cenas cantadas e dança. Apesar
de todo o glamour que me dominava a alma, meu corpo físico, digo, minhas
instalações, eram muito precárias. Para vocês terem uma ideia, até 1.875, não
havia cadeiras no pavimento superior, onde ficavam os camarotes. Quem quisesse
assistir as peças, confortavelmente sentado, tinha que trazer cadeiras de casa.
A iluminação era também precária, obrigava trazer-se um “bico de luz” (lampião a gás) de casa.
Era
comum ver empregados passando com cadeiras empilhadas na cabeça, outros levando
o lampião de querosene, tudo isso para um melhor conforto dos patrões. Havia
ainda o hábito de se levar comida às minhas dependências. Os ricos levavam
empadas, pasteis, um saboroso cuscuz, ou até virado de frango. Os menos
abastados... Bem, esses levavam paçoca com banana e já estava de bom tamanho.
Os
bancos que ficavam na plateia eram de madeira e bastante desconfortáveis. Não
causavam boa impressão. Em 1875, finalmente, recebi iluminação a gás e, com
isso, fiquei mais gracioso. Nesse mesmo ano, foi inaugurada a Companhia Férrea
Mogiana, fato que possibilitou aumento no transporte de pessoas e de cargas.
Além da iluminação a gás, passei por reformas internas e externas. Recebi nova
fachada, inspirada em linhas clássicas, ficando ainda mais charmoso. Foram
feitas também reformas nos mobiliários e nas dependências da ribalta. E foi
assim... Mais de vinte anos depois de ser construído me sentia renovado.
Entretanto, muito em breve sentiria necessidade de novas reformas.
Em
fins do século XIX, o ciclo do café vivia seu apogeu e, com o crescimento
econômico, veio o crescimento populacional. Minhas dependências ficaram pequenas para a quantidade de pessoas que acorriam aos espetáculos. Era
necessário que se construísse uma casa de espetáculos maior e mais confortável.
Apresentaram então, um projeto para a construção de um novo teatro. Um
engenheiro experiente, Francisco de Paula Ramos de Azevedo, popularmente conhecido
por Ramos de Azevedo, ficou encarregado do projeto. No fim, a Câmara Municipal
não aprovou minha demolição. A solução encontrada foi fazer mais uma
restauração. E assim, na penúltima década de 1.800, recebia novas reformas.
Apesar de todas as dificuldades pelas quais passei, não posso reclamar de nada.
Recebi muita gente famosa em meu palco. Até a célebre atriz dramática francesa,
Sarah Bernadht, atuou sob as luzes da minha ribalta, interpretando um de seus
papéis mais marcantes na peça A Dama das
Camélias, de Alexandre Dumas. Apesar do elevado preço dos ingressos, um
público numeroso assistiu ao magnífico espetáculo.
Teatro São Carlos / Foto cedida pelo MIS (Museu da Imagem e do Som de Campinas) |
Tempos difícieis e ato final do São Carlos
Em
fins de 1800 e início de 1900, uma grave epidemia de febre amarela se abateu
sobre a cidade. A situação se mostrava tão grave que, apenas entre os meses de
março e abril, do ano de 1889,
a epidemia levou a óbito 1200 cidadãos. Muita gente morreu vítima da grave doença.
Com medo da doença, milhares de pessoas deixaram a cidade em direção a São
Paulo, inclusive, muitos médicos. Devo citar em relação a esse episódio, o nome
do Dr. Adriano Júlio de Barros, que permaneceu na cidade cuidando dos doentes,
cumprindo fielmente o seu juramento emitido na ocasião do recebimento do
diploma, ao termino do curso de Medicina. Diante desse quadro, a economia
decaiu. Sofri muito vendo sofrer pessoas que me amavam e a quem eu também amava
demais. Tive baixas nas bilheterias e, consequentemente, prejuízos financeiros.
Somente por volta de 1891 é que consegui por as contas em ordem.
Em
meio a tudo isso, surgiu uma novidade que foi capaz de ofuscar o meu brilho: a
industria cinematográfica. A invenção dos irmãos Lumière em 1895 chegou a
Campinas no inicio de 1900. E chegou com força irresistível e altamente
sedutora, desviando a atenção das luzes da ribalta para as telas do cinema. Diz
o ditado popular que “Se não pode com o inimigo, junte-se a ele”. Foi exatamente o que fiz. Durante alguns anos
servi como casa cinematográfica. Para não ficar no prejuízo, também abri minhas
portas para bailes, festas de formatura, carnavais, banquetes e outras
atividades.
Apesar
de todo esse cenário que se apresentava ante meus olhos e aos olhos de toda a
sociedade campineira, aquele espírito ávido por cultura não havia desaparecido.
Campinas ainda acalentava o sonho de demolir o Teatro São Carlos e construir outro
mais moderno e mais elegante. A cidade havia crescido bastante e, eu mesmo, já
me considerava obsoleto e fora de moda. Não me sentia mais a altura das
tradições artísticas da cidade. O cinema bem que tentara, mas não conseguira
apagar o meu brilho: apesar do advento da sétima arte, eu continuava a receber bons
artistas e grandes companhias.
E
assim funcionei, Teatro São Carlos, de 1850 a 1922. Nesse ano, finalmente, um
prefeito atendeu o clamor de Campinas por um teatro mais moderno. Em 1922, o
prefeito Rafael de Andrade Duarte, homem amante das letras e das artes,
autorizou minha demolição. Lagrimas escorriam pelos meus olhos, doía-me o
coração a cada viga e parede derrubada, apesar disso não havia tristeza em minha
alma: via, através dos véus do futuro, surgir em minha frente um teatro
magnífico e cheio de esplendor. Sabia que, dos escombros, renasceria, glorioso...
O sacrifício valia a pena...