0
Entrevista de Fernando Henrique Cardoso à Folha de São Paulo
Posted by Cottidianos
on
00:03
Sábado,
28 de março
“Luz
do sol
Que
a folha traga e traduz
Em
verde novo
Em
folha, em graça
Em
vida, em força, em luz...”
(Luz
do Sol – Caetano Veloso)
Caríssimos,
hoje pensei em escrever um texto, no estilo da última postagem, falando sobre
aquele moço, que jogou o avião contra as montanhas, de propósito. Refleti
melhor e resolvi não fazer isso. Por quê? Quando escrevo é como se mergulhasse
naquele universo do qual estou tratando. Deixo as palavras me navegarem... E
sigo pelo mar da inspiração. Se as coisas se passaram realmente como dizem,
então aquele moço deve estar atravessando uma zona de grande tormento. Tormentos
indescritíveis em palavras humanas. Desse mar só iriam sair palavras como:
raiva, ódio, culpa, medo, rancor, remorso e outras do gênero. Ou seja, um campo
semântico que me jogaria num mar de trevas. Achei que não valia a pena seguir
por esse caminho. Prefiro navegar num mar de palavras luminosas.
Resolvi
então partir para um assunto mais ameno. Sendo assim, compartilho uma
entrevista concedida, esta semana, pelo ex-presidente, Fernando Henrique
Cardoso, à Folha de São Paulo.
Na
conversa com à repórter Daniela Lima, FHC fala de Dilma Rousseff, do ministro
Joaquim Levy, da corrupção na Petrobrás, e do próprio partido, o PSDB. É um
texto fluente, esclarecedor. Vale pena ser lido.
***
‘Dilma
se tornou refém de Joaquim Levy’, diz FHC
O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que a presidente Dilma Rousseff
tornou-se refém de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista de
perfil conservador que ela recrutou para dar uma guinada em sua política
econômica e equilibrar as finanças do governo.
"Ela
não pode demitir. É refém dele", disse FHC, em entrevista à Folha.
"Poder até pode, mas o que acontece depois? Ela está presa, não tem muito
[por] onde escapar."
Para
o ex-presidente, Dilma vive numa armadilha, forçada a promover um ajuste duro e
sem força para convencer aliados no PT e no PMDB a aprovar medidas propostas
por sua equipe econômica.
"O
problema é econômico, mas a solução é política", disse o tucano.
"Não
estou vendo se formar uma coalizão que sustente a saída." A seguir, os
principais trechos da entrevista.
***
Folha - Em 1999, o sr. viveu uma crise e o PT pediu seu impeachment. O que diferencia
o "Fora FHC"do "Fora Dilma"?
FHC - O "Fora FHC" era
partidário, limitado ao PT. Eu nunca perdi o Congresso. Não perdi a
credibilidade nem a capacidade de ação política. Não é a mesma situação de
hoje. Há um elemento de descrédito.
Folha - Mas qual é o principal vetor da insatisfação popular: a corrupção, o
estelionato eleitoral, a economia?
FHC - É a somatória. O que dá
sustentação é a economia – que está só começando–, mas é indiscutível que a
corrupção pesou. O movimento foi de repulsa. Em 2013 [nas jornadas de junho],
os alvos eram dispersos. Agora tudo se concentrou simbolicamente no anti-Dilma.
Não quer dizer que efetivamente queiram tirar a Dilma de lá. Até porque, pela
corrupção, não é ela a responsável maior.
Folha - Como assim?
FHC - Ela herdou. Todo esse sistema
que está aí não foi criado no governo dela. Ela tentou se livrar. Demitiu
ministro, mexeu na Petrobras. Agora, o povo não percebeu assim. Simbolicamente
centrou na Dilma. Ela está numa armadilha. Não sei se acham que ela é corrupta.
As pesquisas dizem que acham que ela sabia e não fez nada. A imagem da Dilma
que fez a faxina sumiu.
Folha - Armadilha?
FHC - Ela não tem o que fazer. O que
tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumentou a armadilha, porque agora ela
não pode demitir. É refém dele. Poder até pode, mas o que acontece depois?
Então, ela está presa, não tem muito por onde escapar.
Folha - PMDB propôs corte de ministérios e tem criticado o ajuste. Ele roubou a
agenda da oposição?
FHC - Se estiver fazendo isso, ele
está mudando de lado. Se for isso, não acho mal não [risos].
Folha - O sr. definiu Joaquim Levy como 'tecnocrata'. Ele não terá força para
bancar o ajuste?
Ele
não tem experiência política. Quando fiz o Plano Real, o que eu fazia? Eu
falava. Minha função era política. Não era técnico, não sou economista sequer.
Alguém tem que fazer isso. No caso, era eu, não o presidente, mas alguém tem
que fazer.
Folha - Então falta condução política?
FHC - Os economistas, quanto mais
tecnocratas, mais querem que a racionalidade impere. Não pode. A racionalidade
econômica pura esmaga tudo. O problema é econômico, a solução é política. E não
vejo uma coalizão.
Folha - O sr. esteve com Temer e há um alinhamento entre PMDB e PSDB na CPI da
Petrobras...
FHC - Com o Temer, tenho uma relação.
Ele deu uma declaração interessante: a Câmara tem um momento em que ela engravida
e dá a luz. Ela engravidou da reforma política. E aí eu acho que tem que
conversar PMDB, PSDB, PT... Para evitar o naufrágio do sistema e da classe
política toda. Agora, não é isso que a rua está pedindo.
Folha - A reforma não é a resposta?
FHC - A rua está pedindo para passar
a limpo. Não adianta responder como a Dilma tentou, dizendo que 'nunca ninguém
combateu tanto a corrupção como o nosso governo' – e ainda botou o 'nosso',
coitada. Ninguém acredita.
Folha - O sr. disse 'coitada'. É pena?
FHC - Pena não é sentimento que se deva
ter de políticos. Acho que ela está de mau jeito.
Folha - É solidariedade?
FHC - Solidariedade, não. Estou do
outro lado. Acho, como ser humano, que ela deve estar padecendo.
Folha - Setores que defendem o impeachment dizem que o sr. poupa Dilma e
reedita o que fez em 2005 por Lula...
FHC - Em 2005, havia possibilidade
legal de pedir impeachment. Por que não teve? Porque a rua não estava nessa
posição. O impeachment não é um ato simplesmente técnico. Cria um fosso, um
mal- estar historicamente ruim. Agora, quem está processando a Dilma por algo
que ela fez? Não tem. Quer dizer que não venha a acontecer? Não sei. Estamos
numa situação de ponto de interrogação. Dependemos do calor da rua, do avanço
do processo judicial e da mídia. Seria irresponsável nessa situação eu sair com
uma bandeira fora de hora.
Folha - Mas o sr. acha que hoje um pedido de impeachment de Dilma teria o mesmo
problema que viu no de Lula em 2005?
FHC - Não. É diferente e vou dizer
uma coisa arriscada: o Lula perde hoje. Hoje [se Dilma cai e são realizadas
novas eleições], o Lula perde. Mas eu não penso eleitoralmente. Não vou dizer:
'Então vamos fazer o impeachment porque o Aécio [Neves] ganha, o Geraldo
[Alckmin] ganha, ou eu ganho'. Tem que pensar o país. Não estou dizendo que
nunca vai se chegar a tal ponto [do impeachment]. Não sei.
Folha - O sr. disse recentemente que é preciso
"passar a limpo" a corrupção na Petrobras. Antonio Anastasia
(PSDB-MG) está entre os investigados...
FHC - Pegar uma referência vaga sobre
alguém e colocar num processo é irresponsabilidade. Mas minha opinião é clara:
está lá, que investiguem. Mas, no caso do Anastasia, é uma coisa fragílima.
Folha - Acha que houve influência política na escolha dos nomes?
FHC - Tudo na vida é política. Não
creio que o procurador-geral [Rodrigo Janot] faça um acordo, mas obviamente há
influências de todos os lados, em todas as esferas. O próprio policial, um
procurador que quer uma coisa, o outro que quer outra. Isso não é
necessariamente ruim, é normal, desde que o processo continue e se consiga
provar algo.
Folha - O sr. disse que não é "crível" que Lula e Dilma não
soubessem. A mesma lógica vale para o cartel em São Paulo?
FHC - É muito diferente. Aqui não tem
acusação de que dirigente político tivesse recebido dinheiro, de que o PSDB
tivesse recebido. O STF arquivou porque não tinha nada. É importante mostrar a
natureza do que estamos discutindo hoje. Não é corrupção usual. É uma forma
organizada de manutenção do poder utilizando dinheiro público. Aumentaram os
preços [das obras] para tirar a diferença e dar para os partidos. É uma coisa
muito mais séria.
Folha - Depoimentos apontam que o cartel na Petrobras se organizou no final de
sua gestão...
FHC - Não é isso. Eu li. As empresas
dizem que se organizaram como associação, mas que só tornaram [o cartel] como
prática mais tarde. Pode ter havido corrupção no meu governo? Houve muito
homicídio no meu governo, sabia? Marido matou mulher, mulher matou marido. O
que eu tenho a ver com isso? Não há nem acusação desse tipo de organização no
meu governo.
Folha - Acha possível que a dinâmica da última eleição presidencial tenha
influenciado o levante contra Dilma?
FHC - É possível. Houve uma coisa
ruim que é a ideia do nós contra eles. Isso foi proposto pelo PT e pelo Lula.
Criaram um antagonismo. Agora reclamam que tem ódio nas ruas. Mas eles que
soltaram.
Postar um comentário