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Adeus, Inezita!
Posted by Cottidianos
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00:15
Terça-feira,
10 de março
“Deixa a cidade formosa morena
Linda pequena e volte ao sertão
Beber á água da fonte que canta
E se levanta no meio do chão.
Se tu nasceste cabocla cheirosa
Cheirando a rosa no peito da terra
Volta pra vida serena da roça
Da velha palhoça do alto da serra
E a fonte a cantar chuá, chuá
E a água a correr chuê, chuê
Parece que alguém tão cheio de mágoa
Deixasse quem há de dizer a saudade
No meio das águas rolando também”
(Chuá, Chuá - Pedro de Sá Pereira
, Ari Machado)
A viola
caipira que tocava alegre, ao pé das fogueiras, nas rodas de violeiros nos
rincões desse Brasil sertanejo, de repente silenciou...
A
voz do sabiá que cantava alegre por entre as folhagens dos laranjais em flor,
hoje, não se fez mais ouvir...
As
serenas gotas de orvalho que hoje caíram das folhas tinham o gosto salgado das
lágrimas que choram a partida de uma alma poética...
As flores recolheram o seu perfume...
A esplendida
roseira, plantada às margens do riacho de águas cristalinas, deitou em suas
águas, a mais bela coroa de flores...
E
a abelha não fez mel...
Todos
se juntaram a mãe d´água, a Iara e aos sacis e foram prestar a última homenagem
a sua patrona e benfeitora, Inezita Barroso, uma das maiores expressões da
música caipira.
Foi
também com tristeza, que ontem pela manhã, ouvi, pelos noticiários televisivos,
a seguinte chamada de matéria: “A música brasileira se despede de Inezita”.
Ainda meio sonolento e sem querer acreditar no que ouvia, meu cérebro se recusou
a processar a informação.
Como
assim, “adeus a Inezita”, não estou entendendo. Logo pensei nas manhãs de
domingo. No frescor das manhãs dominicais, quando não ia pedalar pelas trilhas
de Joaquim, Souzas, Pedreira ou Morungaba, era com prazer que assistia ao
programa Viola, Minha Viola,
brilhantemente apresentado por ela, por trinta e cinco anos, trazendo sempre
artistas talentosos, famosos ou não, mas sempre com ótimo repertório, que nos
apresentavam as maravilhas de um Brasil com cheiro de mato.
Tive
que aguardar o último bloco do telejornal para realmente me convencer que a
grande dama da música caipira, após muito trabalho, e contribuição para a
música e para a pesquisa folclórica brasileira, havia, finalmente, descansado.
A reportagem
dizia que Inezita Barroso havia morrido no domingo (08), á noite, no Hospital
Sírio Libanês, em São Paulo, vítima de insuficiência respiratória aguda, aos 90
anos. A cantora e apresentadora estava internada naquele hospital desde o dia
19 de fevereiro, devido a uma queda que sofreu dentro de uma casa na qual
estava hospedada, em Campos do Jordão. A reportagem dizia ainda que, ainda no
hospital, ela teria dito a filha, que “estava muito cansada, que já tinha
trabalhado demais, e que precisava descansar”, como de fato fez.
O
corpo foi velado na Assembleia Legislativa de São Paulo, e por lá, durante todo
o dia, passaram milhares de fãs, dentre eles; familiares, amigos, artistas e
autoridades. Na tarde desta segunda, 09, quando o sol já ia embora de nosso
continente, levava junto consigo, Inezita Barroso. A cantora, pesquisadora do
folclore brasileiro, e apresentadora de TV, foi sepultada no Cemitério
Gethsêmani, na Zona Sul de São Paulo. Certamente, o Brasil se despediu de uma
mulher genial e batalhadora pela música e pelas raízes da cultura brasileira,
de norte a sul. E nos deixa, como herança, os frutos dessa luta.
Achei
bastante pertinente, a nota de pesar divulgada pelo governador, Geraldo Alckim.
Diz a nota: “Durante 35 anos, as manhãs
de domingo no interior de São Paulo e do Brasil tiveram a sonoridade de Inezita
Barroso no comando do "Viola, Minha Viola", o mais antigo programa
musical da televisão brasileira. Neste domingo à noite, com muita tristeza, nos
despedimos dela. Paulistana da Barra Funda, Inezita foi compositora, cantora,
atriz, violeira, pesquisadora, professora e doutora honoris causa de folclore e
da música caipira. Há dois anos, tive a honra de estar com ela, no palco do
"Viola", para a emocionante festa musical em que o país inteiro
comemorou seu aniversário de 88 anos e sua grande obra. Naquele dia, ela
explicou o segredo de sua vida longa e feliz: amava a música caipira, gostava
do que fazia e de fazer bem feito. Ao recuperar o nosso folclore, Inezita
Barroso preservou um ativo inestimável, um tesouro que faz de nós, brasileiros,
uma nação: nossas raízes. A partir de agora, São Paulo e o Brasil retribuirão
esse legado de amor com imensa saudade”.
Abaixo,
compartilho trechos de uma entrevista que Inezita Barroso concedeu ao Jornal daTarde, em 2012.
***
Entrevista:
Inezita Barroso
20
de fevereiro de 2012
Aos 86 anos, ela comanda há três décadas
o programa ‘Viola Minha Viola’, e quer levar até o fim da vida a missão de
elevar a música caipira e a moda de viola no Brasil
Por Felipe
Branco Cruz
Há 32 anos, a cantora paulistana Inezita
Barroso, de 86, comanda o Viola Minha Viola, na TV Cultura. Às quartas-feiras,
quando o programa é gravado, a plateia lota o Teatro Franco Zampari, no centro
de São Paulo. Às vezes, é preciso até montar um telão do lado de fora. Foi lá,
após a gravação de mais um programa, que Inezita conversou com o JT. Quando
nasceu, em 1925, ainda era proibido mulher votar. Hoje ela vê o avanço das
mulheres em todas as áreas, inclusive na política, com a presidente Dilma
Rousseff. Mesmo octogenária, Inezita quer cumprir sua missão de elevar a música
de raiz e a viola. Mesmo que ninguém da família – uma filha, três netas e
quatro bisnetos – tenha seguido a carreira musical. “É tudo bicho do mato”,
graceja.
Qual é o segredo para manter um programa
por 32 anos no ar?
Amor
à música de raiz. Amor à música da terra. Um pouquinho de briga para colocar
tudo isso no ar. E sustentar por esses 30 e tantos anos. Acho que não existe
nenhum programa há tanto tempo no ar. Quem tem mais ou menos uma data parecida
muda de estação. Tem uma hora que a pessoa cansa e vai fazer outra coisa, pegar
outro repertório, se aposentar. Dediquei mais da metade da minha vida a isso.
Fiz uma promessa a mim mesmo de elevar a viola. A viola foi o primeiro
instrumento brasileiro. Todo mundo faz cara feia quando diz que vai acontecer
um show de viola. Já perdi quilos de shows, mas não estou nem aí. Eu não canto
por dinheiro. Se cantasse, iria para o viaduto com chapéu no chão.
Então, você vê muita discriminação
contra a viola?
Sim,
e dentro de São Paulo, no interior, onde a viola é mais forte. A nossa viola é
milagrosa. Ela tem mais de 30 afinações. Cada canto do Brasil tem seu estilo.
Se não fosse pela TV Cultura, acha que
‘Viola Minha Viola’ teria espaço em canais como Globo, SBT ou Band?
De
jeito nenhum! É outro estilo. É outro jeito, sistema e objetivo. O objetivo não
é conservar a música brasileira nem a viola. Tem muita gente que é contra,
porque não entende.
A voz da senhora continua afinada. Como
cuida dela?
Nada.
Nunca aprendi canto. Eu só não tomo gelado. Acho que embaça a voz. Fiz muitos
esportes na vida, desde os 6 anos de idade. Ainda tenho a consequência desses
esportes, como natação, vôlei e ginástica. Acho que isso me deu uma força
física. Se você ficar preguiçoso, está perdido. Enquanto você é moço, tem de
batalhar, correr, nadar, ir para a praia. Eu fiz muito isso. Acho que a base de
saúde é isso.
O sertanejo está mais fraco ou mais
forte atualmente?
Temos
dois gêneros: o de raiz, que é o nosso, que é tirado do povo e jogado para o
povo. E tem um outro, que não foi tirado de lugar nenhum. Parece uma coisa
“não-sei-o-quê universitário”. Isso não dura, não tem lastro. Não está ligado
no chão.
Foi bom a senhora citar isso. O que
Michel Teló faz é sertanejo ou é pop?
Não
é nada. Nem popular, nem sertanejo.
Michel Teló já participou do seu
programa?
Mas
nem pisa na porta. Se ele tocar Saudade de Matão, eu deixo ele entrar. Não é
que eu tenha preconceito. São eles que têm preconceito contra a gente.
É difícil conciliar a gravação do
programa com a agenda dos artistas convidados?
Sim.
Alguns são dominados por outras pessoas, como empresários e gente que quer
ganhar dinheiro. Essa história de que o disco estourou e vendeu milhões? O que
vendeu? O povo está arrasado e não pode pagar um sanduíche. Quem acredita
nisso?
O sertanejo universitário não contribuiu
para chamar a atenção para a moda de viola?
São
dois trilhos. Nesse aqui está o “não-sei-o-quê universitário”. E nesse outro trilho,
está o pé no chão, o puro e o pé na terra. Esta é uma raiz plantada que nenhum
vendaval derruba, desde os tempos do jesuítas. É uma coisa que vem de dentro
para fora. Esses moderninhos vêm de fora para dentro. Bate e fica só um mês.
São dois trilhos que não se encontram.
Na sua plateia, conheci pessoas que vêm
assistir ao programa desde quando ele começou.
Eles
gostam mesmo. Não vêm para aparecer na televisão. Deixo o povo solto. Me dá um
ódio quando querem amarrar o público e dizer como tem de ser. Eu conheço o meu
povo.
A senhora é uma grande defensora das
tradições culturais?
Sim.
Se a gente não tiver um passado, o que vai sobrar? Você precisa saber por que
existem festas religiosas, Folia do Divino e Folia de Reis. As pessoas não
sabem o que são as modas de viola.
...
Sente que já está com a missão cumprida?
De
maneira nenhuma. Ainda falta muita coisa. Minha missão é valorizar a viola.
Isso eu consegui. Nem fabricavam mais. Hoje tem viola até com o meu nome. Quero
valorizar também a música caipira, de raiz. Música caipira é riquíssima. O
poeta caipira é um herói.
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