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Morre Ariano Suassuna, criador do Auto da Compadecida
Posted by Cottidianos
on
20:41
Quarta-feira,
23 de julho
Acho
que os céus estão precisando mesmo de bons escritores. Semana passada, os
emissários celestes levaram João Ubaldo Ribeiro e Rubem Alves. Essa semana, eles
vieram buscar o paraibano, Ariano Suassuna. Quem não se lembra dos personagens:
os amigos, Chicó — um simpático homem covarde que gosta de contar mentiras e
bancar o valentão, mas quando o perigo se aproxima, é ele o primeiro a correr
para bem longe — e João Grilo, um homem pobre que vive arranjando confusão?
Esses e outros personagens foram imortalizados na obra, O Auto da Compadecida, uma peça teatral, em três atos, escrita em
1955. A obra foi adaptada para uma minissérie, exibida
com grande sucesso pela TV Globo, em 1999, sendo também adaptada para o cinema
no ano seguinte. Ariano escreveu ainda
as obras: Uma mulher vestida de sol, Farsa da boa preguiça, A pena e a lei,
dentre outras.
Abaixo,
compartilho texto publicado no jornal O Globo.
***
Morre
aos 87 anos o escritor Ariano Suassuna, o cavaleiro do sertão
Autor
paraibano foi vítima de uma parada cardíaca, em Recife, onde viveu a maior
parte de sua vida
POR
O GLOBO
O
escritor paraibano Ariano Suassuna morreu às 17h28m desta quarta-feira, aos 87
anos, vítima de uma parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana.
Ele estava internado no Real Hospital Português, em Recife, Pernambuco, desde
segunda-feira, depois de sofrer um acidente vascular cerebral hemorrágico. O
autor passou por uma cirurgia de emergência, acabou entrando em coma e não
resistiu. Integrante da Academia Brasileira de Letras, Suassuna teve seis
filhos e 15 netos. Defensor da cultura popular brasileira, era um dos maiores
dramaturgos do país, além de autor de romances e poemas.
O
velório será realizado a partir das 23h desta quarta-feira no Palácio do Campo
das Princesas, sede do governo do estado de Pernambuco. Ariano Suassuna será
enterrado às 16h de quinta-feira no Cemitério Morada da Paz, no município de
Paulista, região metropolitana de Recife.
No
dia 21 de agosto do ano passado, ele foi atendido no mesmo hospital por causa
de um infarto, “com comprometimento cardíaco de pequenas proporções”. Uma
semana depois, passou mal e voltou a ser internado, sendo submetido a uma arteriografia
para corrigir um aneurisma que vinha lhe provocando fortes dores de cabeça.
Nascido
em 16 de junho de 1927 em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, capital da
Paraíba, Ariano Vilar Suassuna era filho de João Suassuna, então governador de
seu estado natal. Com o fim do mandato, um ano depois, toda a família se mudou
para o interior.
O
velho contador de histórias do sertão tinha apenas 3 anos quando um fato
trágico marcou sua infância. No desenrolar da Revolução de 1930, um pistoleiro
de aluguel assassinou seu pai com um tiro pelas costas, numa rua do Rio de
Janeiro.
O
assassinato foi motivado por boatos que apontavam o patriarca da família
Suassuna como mandante da morte de João Pessoa, seu sucessor no governo, fato
que serviu de estopim para a revolução. Um ambiente assim, com dívidas de
sangue e rivalidade entre famílias, cobrava dos órfãos a vingança. Mas, um dia
antes de ser assassinado, João Suassuna deixou uma carta aos nove filhos
pedindo que eles não se tornassem assassinos por sua causa.
UMA
BIBLIOTECA DE HERANÇA
Ariano
Suassuna obedeceu. Em vez disso, dizia estar perto de perdoar os criminosos que
mataram seu pai. A mãe e viúva também ajudou, ao dizer que o pistoleiro
responsável pelo crime já havia morrido (era mentira). Com a tragédia, a
família mudou-se para a pequena cidade de Taperoá, no interior da Paraíba. E
Ariano herdou a biblioteca do pai, onde encontrou livros importantes para sua
formação. Um dos mais importantes, sem dúvida, foi “Os sertões”, de Euclides da
Cunha. A obra lhe apresentou um dos personagens que mais marcaram sua vida:
Antônio Conselheiro, profeta e líder de Canudos.
Em
1942, Suassuna foi para Recife concluir o ensino básico. Anos depois, na
faculdade de Direito, ajudou a fundar o Teatro do Estudante de Pernambuco. Em
1947, encenou sua primeira peça: “Uma mulher vestida de sol”. Nove anos depois,
levaria aos palcos seu texto mais conhecido, “Auto da Compadecida”, que
ganharia adaptações na TV e no cinema.
Por
causa do teatro, deixou o Direito de lado seis anos após ter se formado. O
romance surgiu mais tarde em sua vida. Em 1971, Ariano Suassuna lançou seu
“Romance d’a pedra do reino e o príncipe do sangue vai-e-volta”, com nome
comprido como seus cordéis tão adorados e pensado para ser uma trilogia. Com o
livro, o escritor avança em relação à literatura regionalista dos anos 1930,
representada por João Guimarães Rosa e José Lins do Rego. Mais tarde, Ariano
Suassuna diria que “A pedra do reino” era, de certa forma, uma tentativa de
trazer seu pai de volta à vida.
Havia
quem acusasse o escritor de lutar contra moinhos de vento: o escritor se
apresentava como um defensor da cultura popular brasileira, contra a invasão da
indústria cultural norte-americana. Falava mal de Madonna e Michael Jackson.
Não à toa, quando foi secretário de Cultura do governo Miguel Arraes, nos anos
1990, tornou-se um ferrenho opositor do maracatu eletrônico e do manguebeat.
Ele se recusava, por exemplo, a chamar Chico Science, o vocalista da Nação
Zumbi, pelo nome artístico. Dizia “Chico Ciência”.
A
defesa da cultura nacional, que muitas vezes lhe rendeu o rótulo de xenófobo,
já vinha no sangue e no nome da família. Na onda nacionalista depois da
Independência, em 1822, vários brasileiros adotaram nomes indígenas. Seu bisavô
Raimundo Sales Cavalcanti de Albuquerque escolheu Suassuna, de origem tupi, e
nome de um riacho da região onde a família vivia. Nos anos 1970, fazendo jus ao
nacionalismo da linhagem, Ariano fundou o Movimento Armorial, que defendia a
criação de uma cultura erudita com bases na cultura popular — e toda a sua obra
orbita em torno desse ideal.
Em
1989, o sertanejo foi eleito para a cadeira de número 32 da Academia Brasileira
de Letras, cujo patrono era Araújo Porto-Alegre. Sexto ocupante da cadeira,
Suassuna nunca foi um imortal de frequentar os eventos da instituição. Era uma
espécie de filho pródigo da ABL.
NOVA
OBRA VINHA SENDO ESCRITA HÁ MAIS DE 20 ANOS
Para
além de sua obra, o escritor paraibano ficou famoso também por dar aulas em que
dissecava a cultura brasileira, as suas origens ibéricas, a tradição dos
violeiros, dos cantadores, das rabecas, dos cordéis. Eram aulas-espetáculo. E a
última foi na sexta-feira passada, no 24º Festival de Inverno de Garanhuns, a
230 quilômetros de Recife. O Teatro Luiz Souto Dourado ficou lotado, como
sempre acontecia nesses eventos. Um dos motivos de tanto sucesso era o bom
humor do escritor, uma de suas marcas. Não que tenha sido sempre assim.
Suassuna atribuía o aparecimento do humor em sua vida ao encontro com Zélia,
sua mulher há mais de 50 anos. Para Suassuna, ela havia “desatado alguma coisa”
dentro dele. “O riso a cavalo e o galope do sonho são as duas armas de que
disponho para enfrentar a dura tarefa de viver”, escreveu em “A pedra do
reino”.
Ariano
Suassuna trabalhava em um novo livro, "O jumento sedutor", havia mais
de 20 anos, e planejava o lançamento para este ano. A demora não era para
menos. Seu processo de criação era lento: escrevia e reescrevia, várias vezes,
à mão. Depois, copiava para a máquina de escrever e, só então, corrigia. Era aí
que o escritor passava tudo a limpo, novamente à mão. Às vezes, descartava todo
o material e voltava ao começo do processo. Como ilustrava os próprios livros e
ainda parava para dar suas famosas aulas-espetáculo pelo país, demorava mais
ainda. Sem título, o romance seria a continuação de “A pedra do reino”.
Além
do amor pela literatura, havia espaço para o futebol: seu time do coração era o
Sport Club do Recife, que até o homenageou em seu uniforme em 2013 com uma
frase que ele costumava repetir: "Felicidade é ser Sport". Suassuna
tinha fama de pé quente.
Entre
as muitas homenagens que recebeu, uma das que mais o marcaram foi o desfile da
escola de samba Império Serrano, que levou para a avenida o enredo
"Aclamação e coroação do imperador da pedra do reino Ariano
Suassuna", em 2002. "Um escritor que ama o seu país não pode querer
homenagem maior que esta", disse.
Em
2007, ele assumiu a secretaria de Cultura de Pernambuco a convite do governador
Eduardo Campos, e chegou a ocupar outros cargos até deixar o governo
recentemente, em abril de 2014.
O
ano de 2007 também foi marcado pela celebração dos 80 anos do escritor em todo
o Brasil. As homenagens o levaram a viajar de Norte a Sul do país. Uma epopeia
para um homem que, além de apreciar o sossego, detestava avião. Mesmo assim, o
apaixonado e muitas vezes polêmico defensor da cultura popular brasileira
seguia adiante. Mas brincava: se soubesse que chegar aos 80 anos daria tanto
trabalho, teria ficado nos 79.
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